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Analice Nicolau
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Em performance, indígenas LGBT pedem o fim do preconceito em aldeias e cidades

Ato ocorreu durante a programação do Acampamento Terra Livre, em Brasília

Analice Nicolau

29/04/2024 17h00

O movimento dos indígenas LGBTQIA+ promoveu uma performance em pedido pelo fim do preconceito e de outras violências – tanto nas aldeias, quanto em contextos urbanos. O ato ocorreu na noite de quarta-feira (24), durante a programação do Acampamento Terra Livre (ATL), em Brasília, que teve como tema principal a demanda das demarcações de terras indígenas.

Carregada de emoção, a intervenção artística iniciou com o cortejo guidado por uma mulher trans indígena, e seguido por outras pessoas, que carregavam velas com expressões de luto. Durante a encenação, a protagonista se tornou alvo de discursos de ódio, verbalizados aos gritos pelos atores. Nesse momento, a plenária principal do ATL estava lotada de espectadores.

Um artista abriu o caminho do cortejo empunhado por uma bandeira com as cores do arco-íris, que foi deixada no chão. O silêncio do público surpreso pelo ato era interrompido pelos sons de maracás (instrumento musical indígena). E então, a protagonista ficou cercada pelo elenco e se ajoelhou no centro da multidão.

No ponto alto da performance, alguns atores jogaram lama na atriz, que se atirou ao chão em frente a bandeira com as cores do arco-íris. Em seguida, os artistas com as velam na mão simularam um velório. E ao final da atuação, indígenas leram um manifesto no qual exaltaram o orgulho de ser LGBTQIA+ e exigiram respeito, empatia e reflexão.

“As nossas identidades LGBTQIA+ transcendem os sentidos dados pelo colonialismo europeu ou pela modernidade ocidental. Nossas identidades são fruto da transmutação da dor em alegria, do sofrimento em prazer, das perdas em vitórias. Mais ainda, nossas identidades são a representação de uma consciência de nós sobre nós, de nós sobre o outro, de nós sobre a Terra”, diz trecho do texto.

Leia o manifesto na íntegra ao clicar neste link: aqui

Após a leitura da carta, a protagonista se levantou e foi abraçada pela cantora indígena Guaja, que iniciou uma canção sobre resistência. Então, outros artistas abraçam a atriz, em clima de emoção. O ato contou, ainda, com discursos de participantes e convidados, entres eles o da ativista Thabatta Pimenta, única vereadora trans do Nordeste, eleita em 2020, em Carnaúba dos Dantas (RN).

Para Erisvan Guajajara, um dos organizadores da intervenção, o ATL é um espaço para debater todas as vertentes do preconceito que afetam as diferentes realidades individuais das pessoas indígenas. Oriundo da terra indígena Arariboia, no Maranhão, ele é gay, jornalista e membro do coletivo Tybyra, que atua na efetivação de políticas públicas LGBTQIA+.

O coletivo, representado por Guajajara, leva o nome da primeira vítima indígena de LGBTfobia do Brasil. De acordo com a história, Tybyra foi executado, entre 1613 e 1614, sob acusação de práticas homossexuais. O caso ocorreu no Maranhão, a terra natal do jornalista. Ele conta que é o 3º ano consecutivo que grupos indígenas levam, ao ATL, manifestos em defesa das pessoas LGBTQIA+.

“Nós temos orgulho de nossa orientação sexual e identidade de gênero. Acima de tudo, temos orgulho de sermos centenas de pessoas em diversas terras indígenas do Brasil. Nós falamos línguas diferentes, temos nossos costumes e modos de vida. E nós acreditamos em um mundo onde a natureza e seus povos sejam mais valorizados do que o lucro e a violência”, disse Guajajara.

A estudante de ciências sociais Samantha Terena participou do ato. Sendo uma mulher trans, ela é uma liderança de base na aldeia Tarumã, localizada na terra indígena Taunay/Ipegue, no Mato Grosso do Sul. A universitária integra o Conselho Terena e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que reúne movimentos políticos organizados dos seis biomas do país.

Samantha conta que não sofre violência na comunidade onde vive, mas observa um preconceito velado. A ativista diz, ainda, que luta por indígenas que sofrem opressões mais radicais em aldeias de outras etnias e nas cidades. Ela destaca que os indígenas LGBTQIA+ merecem valorização, pois também estão na linha de frente da luta do movimento, como a demarcação de terras.

“Foi muito importante a nossa participação no ato para quebra de preconceito e da violência de identidade de gênero. Precisamos ocupar não só no ATL, mas em todos os espaços para, assim, estar levando a nossa luta adiante e mostrando que indígenas LGBT também existem e estão na linha de frente de luta pelos direitos dos povos originários”, afirmou Samantha.

Acampamento Terra Livre

Em 2024, o ATL completou 20 anos de realização. Considerada a maior mobilização indígena do país, reuniu na primeira edição cerca de 240 participantes, e neste ano repercutiu ao redor do mundo com um público superior a 8 mil pessoas, tendo representantes de, pelo menos, 200 etnias das cinco regiões do Brasil, segundo levantamento feito pela organização.

Com o tema “O nosso marco é ancestral, sempre estivemos aqui”, a programação ocorreu entre 22 e 26 de abril e teve como debate principal os conflitos territoriais relacionadas a falta de demarcação, direito garantido desde a elaboração da Constituição de 1988. A luta mira a derrubada da tese do marco temporal no Legislativo, que já foi julgada como inconstitucional pelo Judiciário.

O Acampamento Terra Livre é promovido pela Apib e pelas organizações de base. O evento contou com a divulgação de carta em repúdio ao marco temporal, marchas pelas ruas da capital federal, atividades culturais e espirituais, sessão solene na Câmara dos Deputados em homenagem aos 20 anos de manifestação, e exigências aos três Poderes sobre a defesa da vida e da natureza.

Texto: Mídia Indígena

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