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Folhetim "Outro Lugar na Solidão"

Folhetim – Outro lugar na Solidão. Capítulo 26

Capítulo 26 – O que é solidão?

Redação Jornal de Brasília

15/09/2020 7h26

Folhetim – Outro lugar na Solidão. Capítulo 26

Folhetim – Outro lugar na Solidão. Capítulo 26

Por Marcos Linhares, Adriana Kortland e Marcelo Capucci
Especial para o Jornal de Brasília

– Debaixo dos caracóis dos seus cabelos, um soluço e a vontade de ficar mais um instante… janelas e portas vão se abrir, pra ver você chegar…

Giaco cantarolava baixinho. Era algo entre canto e sussurro. Era como se aquela música, uma das mais marcantes de sua juventude, tivesse sido feita para aquele momento. O corpo nu de Nonata entrelaçado a lençóis em desalinho, seus cachos, enfim soltos e revoltos cobrindo parte de suas costas, aquele olhar de oceano mirando-o, convidando para mais um mergulho a dois… a vida, enfim, voltava a sorrir. E ele, sorria junto, murmurando romance e libido enquanto seus lábios roçavam cada centímetro da pele da amada.

A noite tinha sido um daqueles raros momentos da vida, onde não couberam palavras, pudores ou papéis culturalmente definidos. Nonata, que até então se fazia perguntas sobre expor seu corpo não tão jovem, não tão firme, a pele rendada, as rugas, os plissados, os anos… De repente, a um só olhar, um só toque de Giaco, tudo aquilo desapareceu. Ela se mostrou inteira e quente, e forte, e selvagem, amando e sendo amada. Até que adormeceu. Giaco ficou acordado. Não conseguia pregar o olho. Como é possível sentir tudo aquilo de novo, na idade em que estava, fazendo planos de se aposentar de tudo e todos, sumir um pouco para descansar? Chiara apareceu em sua mente, assim como os votos de que estivesse bem. Depois foi a vez de seus pais, Suzana, Jamil, os momentos de aflição ao lado de seus pacientes entubados, o fiel e jovem Téo e as lutas por um sistema de saúde eficiente e comunitário, tudo passou como um filme. Era hora de mudanças. Antigas ideias emergiram, e, com elas, a pergunta: será que Nonata toparia?

Amanhecia quando ele sentiu Nonata se mexendo, acordando. Giaco colocou seus pensamentos na prateleira, e começou a beijar e murmurar delícias por todo corpo quente e relaxado da mulher. Debaixo dos caracóis…

Três anos se passaram…

– Alô, alô… Giaco, tá me ouvindo?

– Téo?

– Cara, vai pra perto do modem. Tá cortando.

– Modem no meio do rio Negro? Acorda, Alice, rs…

– Ah… melhorou. Ainda aí? Não era para vocês já terem voltado? E o congresso sobre pandemia e zoonose, vocês virão, né?!

– Sim. A gente embarca amanhã. Nonata tá aqui do meu lado perguntando se aquela mesa redonda sobre “Spillover” foi confirmada.

– Claro. Só se fala nisso. Manda um zap, que eu vou buscar vocês no aeroporto! Ah, Giaco, a novidade do ano: Graças a Deus foi comprovada a tese de Legítima Defesa de Suzana, com isso, ela foi inocentada. O Tribunal do Júri foi unânime. O julgamento foi ontem, estamos muitos felizes e agora terei a minha dançarina só para mim!

– Boa sorte, cara! Você merece. Aliás, vocês merecem!!!

– Ah, minha ida a Brasília com o Chess finalmente deu frutos: acharam o Fukushima e ele foi preso. Além dele, vários empresários, vereadores e o vice-prefeito, que tinha assumido no lugar de seu pai. Foi nomeado um interventor. Li, na versão online do Jornal de Brasília, que duas ONGs da capital federal estão sendo investigadas por supostos esquemas fraudulentos com nossa prefeitura. A casa caiu. Nossa cidade tem tudo para começar uma nova era.

– Téo, você é muito corajoso. Sei das ameaças que recebeu na época que denunciou o esquema. Não se omitiu. Parabéns! Todos ganham quando gente como você não aceita que dinheiro público aumente a desigualdade. Só lamento que meu pai tenha sido o cabeça de tudo… Enfim, vida que segue! Um abraço, Téo.

Nonata se aninhou no peito de Giaco. Ambos estavam na plataforma do barco gaiola que descia o rio, em direção a Manaus. Uma espécie de euforia silenciosa os invadiu. Os anos recentes investidos no projeto “Barco da Saúde” haviam sido intensos, difíceis e apaixonantes. Porém, tudo valera à pena. A herança recebida de seus pais tinha tido, enfim, um destino condizente com os sonhos não consumistas do filho.

Nonata também se entregara de corpo, alma e conta bancária à ideia de seu companheiro: navegar por comunidades remotas, cuidando de quem precisasse e aprendendo sobre saberes tradicionais.

A volta à chamada civilização estava sendo feita um pouco a contragosto. Mas era necessária. Não apenas pelo congresso e pela acalorada discussão sobre vírus ou micróbios conseguindo se adaptar e migrar de uma espécie a outra, mas também havia Téo, o grande amigo de todas as horas; Suzana que recomeçava a vida; amigas e amigos queridos, que colaboraram para que o “Barco da Saúde” pudesse se tornar realidade.

O sol começava a se por e o rio espelhava os raios do astro rei criando um mosaico de cores, tom sobre tom, naquela imensidão de água. Em pé e abraçados, Nonata e Giacomo apreciavam aquela vista todos os dias. Mudaram a vida, mudaram tudo. Doaram-se plenamente aos outros, aos mais próximos enquanto puderam. Depois, resolveram viver aquele amor, aquele presente que receberam. E, para pagar, resolveram doar amor aos distantes, aos esquecidos, aos com tantas necessidades e com recursos mínimos. Na imensidão da floresta encontraram pessoas alegres, generosas e simples. Pessoas que se achavam acompanhadas por si mesmas, pela natureza, pelo amor ao que se tem e a gratidão por não ter maravilhas modernas que trazem ainda mais inveja e ambição. Eles foram buscar o outro lugar no espelho, o amor refletido em outro lugar na solidão.

FIM

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