“Brasília é a manifestação inequívoca de fé na capacidade realizadora dos brasileiros, triunfo de espírito pioneiro, prova de confiança na grandeza deste país, ruptura completa com a rotina e o compromisso.”
Juscelino Kubitschek
Olavo David Neto e Vítor Mendonça
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À frente do Palácio do Planalto, atrás da Praça dos Três Poderes, uma pequena construção guarda um acervo de suma importância para o Distrito Federal. Trata-se do Espaço Israel Pinheiro, no Bosque dos Constituintes, dedicado à memória do mineiro que quase levou a terceira capital do Brasil para o estado natal, mas viu na convicção religiosa o motivo para, no Planalto Central, comandar a recém-constituída empresa que tocou a construção da nova sede do poder nacional.
Israel Pinheiro da Silva nasceu em Caeté, na Grande Belo Horizonte, num berço republicano. O pai, João Pinheiro, comandara campanhas contra a casa de Orleans e Bragança, derrubada em 1889. A partir de então, João tornou-se secretário do governo mineiro, e de fevereiro a julho de 1890, regeu o estado mineiro. Elegeu-se deputado constituinte para elaborar a Carta Magna de 1891, e, em 1905, tornou-se senador, para, em 1906, retornar ao Palácio da Liberdade, então sede do governo de Minas Gerais.
Quando da morte do pai, em 1908, Israel contava apenas 12 anos. Sem verbas para arcar com os estudos, a família contou com a benevolência da Ordem Salesiana — fundada por São João Bosco — para completar a primeira parte da formação acadêmica. Nascia, então, uma admiração que lhe marcaria a vida. Três anos depois, formado, entrou na Escola de Minas e Metalurgia de Ouro Preto, onde obteve o diploma em 1919.
Após breve passagem pela Europa, Israel filiou-se ao Partido Republicano Mineiro (PRM), que já emplacara quatro presidentes da República e emplacaria o quinto, Arthur Bernardes, a partir de 1922, ano em que Israel ascendeu à presidência da Câmara Municipal de Caeté. Também esteve à frente da Companhia de Mineração Juca Vieira, da Usina de Tubos Centrifugados Barbará e da Companhia de Cerâmica João Pinheiro, empresa fundada pelo pai.
Com Getúlio, sem Getúlio
A República Oligárquica entrava nos últimos anos de vigência enfrentando crises sucessivas. Uma delas, durante o governo de Artur Bernardes, chegou a ramificar o PRM, que romperia com São Paulo a chamada política Café com Leite, que caracterizava a alternância dos dois estados na Presidência. Com isso, os mineiros, que viram o indicado paulista Júlio Prestes vencer as eleições de 1929, aliaram-se a gaúchos e paraibanos para deflagrar o movimento de 1930, que alçou Getúlio Vargas ao Palácio do Catete.
Nomeado por Vargas, assume em Minas Gerais Olegário Maciel, que traz consigo o jovem Israel Pinheiro para compor — e, depois, presidir — o Conselho Consultivo, órgão legislativo do Governo Provisório. Após a morte de Maciel, em 1933, assume o poder estadual Benedito Valadares, que, encantado com o conhecimento agrário de Israel, torna o parlamentar secretário de Agricultura, Obras Públicas, Indústria e Viação. Foi sob seu comando que se concebeu a cidade industrial de Contagem, na região metropolitana da capital de todos os mineiros.
Mesmo como parte de um governo indicado pelo Catete, Pinheiro articulou para a indicação de José Américo, oposicionista, às eleições de 1938, canceladas em razão do golpe do Estado Novo, em 1937. Alheio aos movimentos do secretário, Vargas manteve Valadares no Palácio da Liberdade, e Israel manteve-se à frente da pasta. E com confiança. Em 1942, o político fez parte da comitiva que desembarcou em Washington, EUA, para estreitar laços comerciais com os norte-americanos. Destas conversas nasceu a Companhia Vale do Rio Doce, menina dos olhos de Israel. No mesmo ato, tornou-se o primeiro presidente da Vale, onde ficou até 1945, quando voltou à política visando a prefeitura de Belo Horizonte.
Beneficiado pela redemocratização
O ano de 1945 representou um vislumbre de democracia para o Brasil. Com a anistia política, assinada em 18 de abril de 1945 pelo então presidente Vargas, os partidos políticos viram um sinal verde para se reorganizarem enquanto instituições representativas. Em Minas, o grupo de Benedito Valadares se reuniu para a criação do Partido Social Democrático (PSD). Mesmo antes de entrar em vigor a Lei Eleitoral, a sigla estava formada com Valadares na presidência, Israel Pinheiro como vice e o jovem prefeito de BH, Juscelino Kubitschek, como primeiro-secretário.
Findo o Estado Novo, o pleito daquele ano alçou Israel a deputado constituinte — a exemplo do pai, 55 anos antes. Pinheiro atuou firme na Assembleia Constituinte de 1946, com a aprovação de dez emendas à Carta Magna.
Primeira obra: a Ermida
Ainda com forte influência nas discussões políticas do país, cabia a Vargas apontar o candidato do campo desenvolvimentista à sucessão de Eurico Gaspar Dutra. Apoiado por Valadares, o nome de Israel constou na lista de possíveis concorrentes na aliança entre o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e o PSD entregue ao ex-presidente. Sem sucesso, o próprio Getúlio saiu como presidenciável pela sigla de centro-esquerda. Ao menos a manobra possibilitou uma barganha: em troca do apoio ao inexpressivo Cristiano Machado, Benedito Valadares emplacou no diretório do PSD a candidatura de JK ao governo mineiro.
Sem a Presidência, Israel Pinheiro concorreu a deputado federal e foi eleito em 3 de outubro de 1950 com 18.123 votos, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV), sendo reeleito no pleito seguinte, em 1954, dado em meio ao luto e à crise gerada pelo suicídio do presidente. Nesta mesmo eleição, Juscelino fora eleito presidente, mas com maioria relativa (48% dos votos válidos), fato que a oposição e o lado derrotado — com apoio do presidente Café Filho, que ascendera com a morte de Vargas — usaram para tentar impedir a posse de JK.
No parlamento, o combate ao golpismo por parte de Israel realçou, ainda mais, o vínculo com Juscelino. Tida como promessa de campanha, a construção da terceira capital do país entrou de vez em fase de execução com a criação da Companhia Urbanizadora da Nova Capital, cuja primeira obra concluída — a mando dele — foi a Ermida D. Bosco, no Lago Sul. A partir daí, fez-se a história. Devoto do santo, Israel ordenou a construção por saber de um suposto sonho do italiano.
Seco por fora e doce por dentroNetas de Israel, Maria Paula e Maria Helena têm relatos parecidos sobre o avô. “Ele era meio carrancudo”, comenta Maria Paula. “Tinha uma personalidade muito forte, sempre impunha respeito”, diz ela, que chegou a morar no Palácio da Liberdade, quando do mandato de Pinheiro, então sede do governo de Minas, em Belo Horizonte, onde ainda mora. Maria Helena cuidou por anos do Espaço Israel Pinheiro, mencionado anteriormente. Para ela, era sua função enquanto familiar divulgar o trabalho do avô, vítima de uma ignorância do povo brasiliense com relação à própria história. “Como neta mais velha, e triste com o desconhecimento e a falta memória em relação a Israel Pinheiro, dediquei-me à construção do Espaço e à sua implantação como centro de educação à luz do legado de João (pai) e Israel”, realçou a familiar de um dos homens mais importantes da história da terceira capital do Brasil. |