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60 Anos, 60 Histórias

O que será do Rio?

“Rio que mora no marSorrio pro meu RioQue tem no seu marLindas floresQue nascem morenas”Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli em “Rio”

Redação Jornal de Brasília

13/04/2020 10h49

Olavo David Neto e  Vítor Mendonça
[email protected]

Entre 1808 e 1821, a Baía de Guanabara substituiu o Tejo no comando do reino lusitano. As seguidas derrotas políticas e econômicas do Velho Mundo representavam um episódio inédito na geopolítica global. Nunca antes na história das civilizações um território dominado exerceu tamanho poder sobre a metrópole.

Tal cenário, obviamente, gerou insatisfações no Velho Mundo. A sociedade portuguesa, órfã de líderes por 12 anos, deflagrou a Revolução do Porto, de cunho liberal, que exigiu, entre outras medidas, o retorno do rei às terras portuguesas e a instauração de uma Assembleia Constituinte para frear os poderes da monarquia.

Era a entrada do reino português no sistema de Despotismo Esclarecido, durante o qual as casas imperiais se viam controladas por representantes da sociedade – sobretudo das elites econômicas -, numa espécie de Monarquia Constitucional. Sem opções, o rei embarcou de volta à Europa, mas deixou o trono brasileiro para o filho, D. Pedro. As medidas de D. João VI no Brasil, porém, representavam uma via sem retorno. A autonomia política experimentadano período gerara um clima de insatisfação com o retorno ao status colonial.

A panela de pressão estava no fogo. Num golpe estratégico – montado pela imperatriz Leopoldina e por José Bonifácio , D. Pedro I aproveitou uma parada emergencial entre Santos e São Paulo e, às margens do Ipiranga, declarou o Brasil um país livre de Portugal. Rapidamente o Rio de Janeiro recuperou o status de capital de um império. Desta vez, porém, do brasileiro. Erigida – e rasgada – uma Constituição para o novo país soberano, o imperador criava e inflamava crises com o famigerado Poder Moderador, espécie de última instância política do Brasil.

Quando da morte de D. João, em 1826, uma crise de sucessão se instalara na terra portuguesa. A liderança da monarquia fora disputada entre D. Miguel e D. Pedro, imperador do Brasil. Em 1831, também sob forte pressão no país que tornara soberano, D. Pedro abdica ao trono em favor de seu filho, Pedro de Alcântara, então com apenas cinco anos. Pela pouca idade, o imperador-mirim seria tutelado até a maioridade, aos 18 anos, quando assumiria o poder brasileiro. Até lá, porém, regentes do príncipe se revezaram no comando do Brasil.

O destino do Rio

O sistema de junta governativa provisória vigorou até a redação da lei 16/1834, que instituiu eleições para a escolha de um regente único, além de estabelecer as Assembleias Legislativas para as províncias. A reorganização política das unidades do Império se deu no artigo 1º da norma. Além de extinguir os Conselhos Gerais para assunção das novas casas de legisladores, o dispositivo estipulou que “A autoridade da Assembléia Legislativa da Província em que estiver a Corte, não compreenderá a mesma Corte, nem o seu Município”. Ou seja, o chefe do Legislativo não teria autoridade sobre a sede do governo brasileiro.

Criava-se, assim, o primeiro município neutro do Brasil. A partir do dia 13 de agosto, quando a Lei entrou passou a vigorar, a província do Rio de Janeiro não mais abarcava o que, até então, fora sua capital. Niterói, do outro lado da Baía de Guanabara, foi alçada a sede administrativa da região. Essa organização vigorou até 15 de novembro de 1889, quando setores do Exército proclamaram o golpe militar da República. Desta forma, o Rio tornou-se o Distrito Federal do Brasil.

Somente uma cidade

Ainda na Assembleia Constituinte de 1890/91, quando as discussões acerca de uma possível transferência debutaram numa Constituição brasileira, alguns legisladores, ao debater o mudancismo, mostravam-se reticentes quanto à situação do Rio caso outra cidade recebesse a sede da República.

Na elaboração da nova Carta Magna, o deputado Thomaz Delphino (DF) lembrou que o município não necessitava do poder político para ser relevante. “Mas (…) o Rio de Janeiro não é grande por ser a Capital; não precisaria de ouropéis [falso ouro] da Corte, nem de ser a sede onde se congregam os representantes dos estados autônomos, para ser um dos maiores empórios comerciais do mundo, uma das maiores cidades da América”, afirmou em plenário no dia 13 de dezembro de 1890.

A respeito da configuração política e territorial da cidade, a bancada do Rio de Janeiro apresentou emenda cinco dias depois – rejeitada posteriormente – ao artigo que estabelecia a mudança da capital. Segundo o projeto, o Rio seria incorporado ao então estado do Rio de Janeiro, roubando de Niterói a sede administrativa da Unidade Federativa.

Pela proposição mudancista, a Baía da Guanabara se tornaria parte de uma cidade-Estado, promessa que, aos representantes fluminenses, soava como ameaça de desmembramento do Rio. Ao concluir o discurso, um dos autores da proposta de inclusão do município ao quadro do estado, Urbano Marcondes, foi taxativo. “Queremos para esta Capital os destinos de Nova York, mas não queremos para ela o papel de Mônaco, nem de Andorra [dois principados independentes da Europa]”, ressaltou o parlamentar.

Com as obras em fase de conclusão e o dia de abertura da nova cidade que abrigaria os maiores poderes da República se aproximando, restava ao corpo político federal definir como ficaria o Rio de Janeiro. Após 45 anos como sede colonial, 14 como centro do reino lusitano, 67 como capital do império brasileiro e 71 como base da República, a Cidade Maravilhosa voltaria a ser “apenas” uma cidade. Antes governada por políticos biônicos (ou seja, indicados pelo presidente), a região direcionava boa parte do orçamento à folha do funcionalismo público. Assim, faltavam verba para atender às necessidades naturais de um núcleo urbano.

A solução partiu do Executivo nacional. Ao propor, através de um estatuto especial, que o antigo Distrito Federal se convertesse em um estado autônomo, o da Guanabara, o governo propôs que um interventor gerisse a Unidade Federativa até as próximas eleições, marcadas para aquele mesmo ano de 1960. Restava um mês e 16 dias para a transferência do poder público, e a corrida contra o relógio se agravava. Era necessário votar o estatuto da sede a ser inaugurada – sem o qual não seria possível tocar o país a partir do Planalto Central.

Uma falsa ligação

Os principais atores políticos daquele momento se dividiam em três partidos: a opositora União Democrática Nacional (UDN) de Carlos Lacerda; o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), do vice-presidente João Goulart; e o Partido Social Democrático (PSD), de Juscelino Kubitschek. A UDN, naturalmente, fez força para travar a votação da matéria; o PTB, temendo que o interventor nomeado pela União fosse o então ministro da Justiça, Armando Falcão, também se mostrou reticente na aprovação. Cabia a JK, com seu habitual jogo de cintura, contornar a situação – mesmo sem saber disso.

Os pessedistas Abelardo Jurema e Carlos Murilo assumiram a linha de frente pela aprovação do projeto no Congresso. Para isso, manobraram para que o nome do presidente desse o peso necessário ao embarque do PTB na votação. Ao telefonar para os palácios presidenciais — do Catete, de despachos, e de Laranjeiras, residencial —, porém, não lograram falar com o chefe do Executivo. Uma segunda tentativa alcançou apenas o Gabinete Militar da Presidência. “Informado de que eu não havia voltado ainda, Carlos Murilo, premido pelas circunstâncias, fingiu que falava comigo”, relata JK em “Por Que Construí Brasília”.

Na falsa ligação, Juscelino disse ao parlamentar que aceitava a queda do dispositivo que previa um interventor, mas que era necessário o aval de Santiago Dantas, relator do proposta, e dos demais integrantes da Comissão de Justiça da Câmara dos Deputados. Ao perceber que os colegas pediriam palavra com o líder da nação, Murilo desligou abruptamente o telefone. Posteriormente, deixou Juscelino a par do recurso empregado, ao que o presidente assentiu e pôs em prática o plano elaborado às pressas pelo deputado.

O presidente articulou com a base governista a apresentação de uma emenda onde cairia a previsão de um interventor — subordinado ao governo —, sendo substituída pela de um governador provisório, ainda que indicado pelo Catete. A solução bastou para quebrar as expectativas dos opositores (leia-se UDN) de controlar a mais nova Unidade Federativa do país. Em 13 de abril, o estatuto e a criação do Estado da Guanabara foram aprovados em plenário, sendo o embaixador João Sette Câmara nomeado pelo fator “apolítico” de seu nome. “A escolha não poderia ser mais acertada e, por isso mesmo, teve a virtude de agradar a todas as facções políticas”, relembra Juscelino.

Estava solucionada a situação do Rio de Janeiro, agora capital da Guanabara, que ainda recebera Cr$ 3 bilhões a título de incentivo governamental para conclusão de obras de infraestrutura. Em 16 de abril, um decreto presidencial adicionou uma estrela ao pavilhão brasileiro representando a nova entidade surgida. Era uma espécie de presente de despedida de Juscelino Kubitschek à então quase ex-capital da República.

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