De 2 a 19 de outubro, o Movimento Internacional de Dança (MID) ocupa palcos emblemáticos do Distrito Federal com uma maratona que vai além da performance: promove encontros entre territórios, memórias e corpos historicamente marginalizados. Em sua edição 2025, o festival exalta a potência política e estética das danças urbanas e periféricas, com 28 coreografias, sendo quatro internacionais, quatro nacionais e 20 locais, em apresentações gratuitas ou com ingressos a preços populares.
Mais do que uma mostra artística, o MID é como uma plataforma de intercâmbio entre criadores, públicos e culturas que ressoam na diáspora africana. “É um manifesto visual e político que explora a juventude negra e suas formas de resistência, expressando a vitalidade das danças urbanas em diálogo com as questões sociais”, resume Sergio Bacelar, diretor-geral do festival.
Abertura com conexão África-França-Brasil
Um dos destaques internacionais deste ano é a estreia no Brasil do espetáculo Até Aqui Tudo Bem, da Cia Malka, comandada pelo coreógrafo camaronês radicado na França, Bouba Landrille Tchouda. A obra abre o festival no Teatro do CCBB (dia de outubro, às 20h), e é resultado da colaboração entre o grupo francês G.U.I.D. e jovens dançarinos brasileiros do Rio de Janeiro e de Pernambuco.
A montagem propõe um olhar sobre a juventude negra e suas formas de sobrevivência nos espaços urbanos. Ao lado de Bouba, outras figuras internacionais dialogam com o tema. É o caso da bailarina Nach, que apresenta Cellule (3 e 4 de outubro), solo em que mergulha no krump, estilo de dança urbana nascido em resposta à violência nos subúrbios de Los Angeles. Em suas palavras coreografadas, Nach busca “entender as identidades que habitam em seu corpo feminino e negro”.

Alice Ripoll e a força do passinho
Três montagens da coreógrafa carioca Alice Ripoll se destacam no festival, incluindo a estreia nacional de Puff (5/10), após apresentação no Festival Fringe de Edimburgo, no Reino Unido. No espetáculo, o dançarino Hiltinho Fantástico explora elementos do passinho como uma ferramenta para discutir o “disfarce” nas danças da diáspora africana.

“Um elemento que transmite culturas silenciadas ao ocultar técnicas, mensagens, tradições ou conhecimentos ancestrais”, explica Ripoll. A diretora também assina Acordo (7 e 8/10) — com quatro artistas negros do Rio encenando uma negociação simbólica de existência e dignidade — e Zona Franca (9/10), que une dança, teatro e ritual numa experiência de liberdade radical.


“Alice e seus bailarinos são comprometidos em dar voz a histórias e experiências que muitas vezes são silenciadas, tornando suas obras essenciais para o tema da diversidade que o MID busca promover”, ressalta Guilherme Filho, curador e diretor artístico do festival.
Palco Aberto e batalhas urbanas
Entre as ações mais aguardadas, o Palco Aberto exibe 12 coreografias curtas de grupos do Distrito Federal (11 e 12/10), revelando a pluralidade de estilos e experimentações da cena local. Na mesma pegada de celebração da dança como linguagem viva e coletiva, as batalhas All Style (11 e 12/10) colocam frente a frente talentos da dança urbana em disputas performáticas abertas ao público.
“É o coração do MID, que nasceu desse desejo de aproximar e quebrar preconceitos e estigmas dos muitos tipos de dança. No Palco Aberto, a dança é o que pulsa, o que faz chamar as pessoas ao movimento”, afirma Bacelar.
Crianças no centro da cena
O MID também dedica parte da programação ao público infantil, com destaque para o espetáculo Bebê Groove (12/10), voltado à primeira infância. A montagem, com coreografia de Marcia Duarte e performance de Elisa Carneiro, combina videodança e performance ao vivo para envolver bebês e adultos com poesia corporal e sonoridades imersivas.
A celebração do aniversário do CCBB Brasília, em 12 de outubro, amplia essa experiência: oficinas de dança para crianças de hora em hora, batalhas e apresentações permeiam os espaços do centro cultural. “É um dia especial, com atividades para todas as idades. O teatro com Bebê Groove agrada a todos os públicos, enquanto a Galeria IV recebe a final da Batalha All Style”, pontua Bacelar.

Corpos, ancestralidades e territórios
O MID 2025 reforça seu compromisso com a diversidade estética e cultural ao apresentar obras que partem da ancestralidade como disparador criativo. Reza Caseira (17/10), dos cearenses Wellington Gadelha e Edivaldo Batista, cria uma “reza dançada” inspirada em ritos de benzimento e tradições populares. A montagem brasiliense Corredeira (5/10), da Nave Gris Cia. Cênica, investiga o poder das águas e sua ligação com o corpo feminino.
A ancestralidade também permeia os trabalhos do coreógrafo mexicano Jaciel Neri, que apresenta Las Razones de mi Cuerp@ (14 e 15/10) e Yuku Kaa (17/10) — este último resultado de uma residência entre bailarinas do México, Ceará e Distrito Federal.
A programação do MID também dá destaque a montagens brasilienses que exploram novas formas de expressão e pertencimento. É o caso de Floreio (15/10, às 20h, na Sala Multiuso Túlio Guimarães), espetáculo que, ao som do agbê, traz à cena a figura mítica de Sereia Luzia da Estrela Molhada. A criação propõe uma travessia simbólica por elementos da cultura afro-brasileira em uma encenação pulsante, envolta em encantamento e força poética.

Já a artista brasileira radicada na França Vania Vaneau apresenta Nébula (18 e 19/10), espetáculo que imagina o corpo em diálogo com a natureza em um cenário pós-apocalíptico. Em Ostinato (14 e 15/10), o brasiliense Marcos Katu Buiati investiga a repetição como forma de desconstrução do gesto e do movimento. A Cia Have Dreams (DF), por sua vez, encerra o festival com A Capital: Vivências Candangas (19/10), um tributo às memórias invisibilizadas da construção de Brasília.

Educação e intercâmbio
Com ações que extrapolam os palcos, o MID realiza oficinas, residências artísticas, rodas de negócios e ações educativas, incluindo uma iniciativa com 3,9 mil estudantes neurotípicos e com deficiência intelectual da rede pública. “Destaco uma preciosidade que nos orgulha: o trabalho com estudantes da rede pública. Vamos mobilizar milhares para assistirem a quatro coreografias selecionadas”, celebra Bacelar.
Além disso, o festival recebe curadores de oito festivais nacionais e internacionais, fomentando a circulação dos trabalhos e fortalecendo o intercâmbio entre criadores.
Um movimento consolidado
Criado em 2014, o MID já recebeu mais de 75 mil pessoas, apresentou 100 coreografias do DF e trouxe artistas de 17 países. Patrocinado pela Política Nacional Aldir Blanc (PNAB/DF), pelo Fundo de Apoio à Cultura (FAC-DF) e apoiado por instituições como o Banco do Brasil e o SESC-DF, o evento firma-se como um dos principais festivais de dança do país.
Movimento Internacional de Dança – MID 2025
Quando: De 2 a 19 de outubro
Onde: CCBB e Espaço Renato Russo
Ingressos: Gratuitos ou R$ 15 (meia) / R$ 30 (inteira)
Classificação indicativa varia conforme o espetáculo.