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Teatro e Dança

Com Vera Holtz, espetáculo “Ficções” explora os pactos que sustentam a sociedade

Inspirada no best-seller Sapiens, a montagem dirigida por Rodrigo Portella propõe uma experiência cênica fragmentada, lúdica e crítica no Royal Tulip

Alexya Lemos

03/10/2025 3h54

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Foto: Flavia Canavarro/ Divulgação

Depois de quase três anos em cartaz, mais de 350 apresentações e 150 mil espectadores no Brasil e em Portugal, o espetáculo Ficções, protagonizado por Vera Holtz, retorna a Brasília para nova temporada até domingo, 5, no Teatro Royal Tulip. Com direção e dramaturgia de Rodrigo Portella, a montagem é inspirada no livro Sapiens – Uma Breve História da Humanidade, do historiador israelense Yuval Noah Harari, fenômeno editorial com mais de 23 milhões de cópias vendidas em todo o mundo.

Premiada com os troféus Shell e APTR de Melhor Atriz para Vera Holtz, além do APTR de Melhor Música Original para Federico Puppi, que também está em cena, Ficções é uma peça que convida o público a refletir sobre o que significa ser humano em uma sociedade construída por narrativas imaginadas, ou, como o título sugere, por ficções coletivas.

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Foto: Flavia Canavarro/ Divulgação

O teatro como experiência e provocação

“É um livro que permite uma centena de reflexões a partir do momento em que nós pensamos como espécie e que, obviamente, dialoga com todo mundo. Acho que esse é o principal mérito da obra dele”, analisa o produtor Felipe Heráclito Lima, idealizador do projeto e responsável por adquirir os direitos de adaptação do livro para o teatro em 2019.

A transposição de uma obra densa, de caráter científico e histórico, para o palco foi o grande desafio para Rodrigo Portella. “O que eu achei mais instigante nessa proposta foram duas coisas: primeiro, o desafio de partir de uma obra que não é ficção… e fazer disso uma experiência artística. A outra coisa foi essa relação entre os pactos que são criados para se acreditar em ficções”, explica.

Para Portella, o teatro e os sistemas sociais criados pela humanidade partem de uma estrutura semelhante: “Na minha opinião, tem uma relação muito direta entre o teatro, que acontece por um pacto — pessoas fingem que estão vivendo uma situação — e as crenças da humanidade, que são construções, ficções criadas pelo homem que só se tornam possíveis porque são pactuadas coletivamente.”

Diálogo, não adaptação

Ao assumir o projeto, o diretor inicialmente imaginava selecionar trechos do livro para o palco. Mas logo entendeu que o processo exigia mais liberdade criativa. “Isso de desobedecer o livro… eu confesso que o processo foi muito difícil. Eu só consegui desenvolver a dramaturgia quando abandonei o livro”, revela. “Eu estava tentando muito entender como trazer o conteúdo usando as palavras do Harari, e é muito duro, teatralmente falando. A linguagem dele é muito direta. E o teatro demanda um espaço poético, de sonho, de jogo.”

A solução foi criar uma dramaturgia original a partir das ideias centrais de Sapiens, sem a pretensão de “dar conta do livro”. Rodrigo resume: “Na verdade, é um diálogo que a gente está estabelecendo com a obra.”

A estrutura da peça também rompe com o convencional. “Eu queria fazer uma peça que fosse espatifada”, conta Portella. “Não é aquela montagem que pega na mão do espectador e o leva no caminho da fábula. Quis ir por um caminho onde o espectador é convidado, provocado a construir essa peça com a gente. É uma espécie de jam session.”

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Foto: Alê Catan/ Divulgação

Vera Holtz: múltiplas vozes em uma só

No centro desse jogo está Vera Holtz, que encarna diferentes vozes, da narradora à atriz, da personagem à intérprete, da citação ao improviso. Em cena com o músico Federico Puppi, que assina a trilha sonora original e a executa ao vivo, Vera canta, brinca, conversa com Harari e se dirige diretamente ao público.

“Eu gosto muito desse recorte que o Rodrigo fez, de poder criar e descriar, de trabalhar com o imaginário da plateia”, afirma a atriz. “O desafio é essa ciranda de personagens, que vai provocando, atiçando o espectador. Não se pode cristalizar, tem que estar o tempo todo oxigenada.”

Rodrigo reforça essa intimidade proposta pela montagem: “É um espetáculo íntimo. Quem for lá vai se conectar com a Vera. Ela está muito próxima, tem uma relação muito direta com o espectador.”

A escolha da atriz, aliás, foi desde o início pensada como parte fundamental da obra. “Na primeira linha que eu escrevi, já escrevi pensando na voz e na imagem da Vera, no que ela representa, em como essa peça poderia ser dita por ela”, revela o diretor. A decisão, inclusive, rompeu com uma leitura tradicional que se poderia esperar de um livro sobre a “história da humanidade”. “Quando entrei no projeto, questionei a ideia de fazer essa peça com um homem branco. Isso pra mim era impensável.”

O teatro como espaço de reimaginação

Para além da crítica social e das provocações filosóficas, Ficções também aponta para um horizonte de possibilidades. “A peça teatral, quando defende uma ideia, acaba se posicionando num lugar muito específico. E eu acho que o bonito do teatro é quando ele abre para a pergunta, para o silêncio, para o espaço sem resposta”, explica Portella.

Mais do que repetir a visão crítica, e por vezes pessimista de Harari sobre a trajetória humana, a peça propõe uma fresta de esperança. “Se a gente crê em alguma coisa que é construção, a gente pode desconstruir também essa crença e construir novos pactos. Acho que essa é a reflexão mais importante que eu queria deixar”, conclui o dramaturgo. “Se a vida é uma ficção, por que levar tão a sério? Por que não experimentar uma vida mais brincante, mais leve?”

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Foto: Flavia Canavarro/ Divulgação

Nesse espírito, Vera e Federico aparecem como duas crianças em cena, jogando, improvisando e convidando o público a entrar nessa brincadeira: a de imaginar, e talvez reinventar, o mundo em que vivemos.

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Foto: Guga Melgar/ Divulgação

Ficções Com Vera Holtz e Federico Puppi
Onde: Teatro Royal Tulip, Brasília
Quando: de 3 a 5 de outubro, sexta a sábado às 20h, domingo às 18h
Ingressos pelo site

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