Suçuarana se abre como uma estrada sem fim — um percurso que parece mais interno do que geográfico. O novo longa de Clarissa Campolina e Sérgio Borges, que estreia nesta quinta-feira (11), não faz concessões nem oferece pressa ao espectador: acompanha o mesmo ritmo da protagonista Dora (Sinara Teles), que percorre as veredas de Minas Gerais levando apenas uma mochila, um cachorro e uma fotografia antiga que a ancora ao passado. O tom contemplativo, quase suspenso no tempo, já anuncia que não se trata de uma narrativa convencional.
A busca pelo Vale do Suçuarana, lugar mítico guardado na memória de sua mãe, funciona como metáfora do desejo universal de pertencimento. Dora atravessa cidades em ruínas, frutos de uma mineração que prometeu progresso, mas deixou cicatrizes. Real e simbólico se encontram: o mapa que ela procura não é apenas geográfico, mas também o de um espaço onde sua vida finalmente faça sentido. Entre caminhoneiros, trabalhadores e comunidades quilombolas, sua passagem é sempre transitória — mas cada encontro imprime nela uma marca silenciosa.

O primeiro ato lança o espectador no desconforto da estrada: fome, cansaço, medo e solidão. A ausência de tecnologia cria uma ambiguidade temporal que aproxima o filme de uma distopia sem efeitos artificiais. É uma ficção tão próxima do real que chega a ferir. Já o segundo ato encontra nas mulheres de uma vila a possibilidade de abrigo. São elas que se ajudam, sustentam e criam vínculos de solidariedade. Nesse espaço, a câmera revela uma força coletiva que contrasta com a fragilidade errante de Dora.
O cachorro Encrenca torna-se elemento essencial, quase místico. Dora tenta se desfazer dele repetidas vezes, mas ele insiste em voltar, como lembrança de que ninguém pode andar para sempre completamente só. Esse fio de realismo fantástico oferece ao filme um respiro poético dentro da dureza de sua estética. Paralelamente, o caminhoneiro interpretado por Carlos Francisco surge como figura de passagem: suas palavras tentam guiar, mas não se impõem. Ele representa a sabedoria imperfeita dos homens, enquanto o protagonismo da resistência recai sobre as mulheres.

A direção aposta em uma linguagem crua, com planos que privilegiam o silêncio e o olhar. Sinara Teles conduz Dora com entrega notável: poucas falas, mas um rosto que carrega o peso das dores, das ausências e da insistência em continuar. Não é heroína no sentido clássico, mas símbolo de resiliência. Sua caminhada recorda que as jornadas nunca são lineares e que até mudanças pequenas podem redirecionar destinos.
Concluão
Suçuarana é um cinema de impacto suave, porém profundo. Melancólico, crítico ao capitalismo que consome terras e vidas, mas aberto a lampejos de esperança. É um filme que exige paciência e entrega, e por isso pode soar desgastante em alguns momentos. No entanto, quem aceitar percorrer essa estrada ao lado de Dora encontrará mais do que um destino: encontrará um espelho de nossas próprias buscas por lugar, memória e pertencimento.
Confira o trailer:
Ficha Técnica
Direção: Clarissa Campolina, Sérgio Borges;
Roteiro: Clarissa Campolina, Rodrigo Oliveira;
Elenco: Sinara Teles, Carlos Francisco, Tony Stark, Guarda De Moçambique Nossa Senhora Do Rosário E Santa Efigênia De Ouro Preto, Hélio Ricardo, Andréia Quaresma, Elba Rocha, Rafael Botero, Docy Moreira, Kelly Crifer, Amora Ferreira Giorni, Lenine Martins;
Gênero: Drama;
Duração: 85 minutos;
Distribuição: Embaúba Filmes;
Classificação indicativa: 12 anos;
Assistiu à cabine de imprensa a convite da Sinny Assessoria