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Cinema com ela
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“Springsteen: Salve-me do Desconhecido” mergulha nas sombras do mito e encontra o homem

Drama dirigido por Scott Cooper chega aos cinemas nesta quinta-feira (30) revelando o lado mais humano, silencioso e sombrio de Bruce Springsteen

Tamires Rodrigues

30/10/2025 5h00

Atualizada 29/10/2025 23h30

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Foto: Divulgação/20th Century Studios

Há filmes sobre ídolos — e há filmes sobre homens tentando sobreviver ao próprio reflexo. Springsteen: Salve-me do Desconhecido, que estreia nesta quinta-feira (30), pertence à segunda categoria: uma obra que, em vez de glorificar Bruce Springsteen, o desmonta em camadas de silêncio, medo e humanidade. Dirigido por Scott Cooper, o longa transforma a biografia de um astro em uma carta íntima sobre depressão, solidão e o peso de existir quando todos esperam que você brilhe.

O recorte é preciso: início dos anos 1980, quando Springsteen, mesmo no auge de The River, sente o chão ruir. O sucesso já não basta, o palco não consola, e o aplauso se transforma em eco. O resultado é Nebraska, álbum cru e desolado, gravado em casa, com falhas, chiados e verdades. É ali que nasce o Bruce que o cinema decide reencontrar — o homem que trocou a grandiosidade das arenas por um quarto pequeno, um gravador e um fantasma.

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Foto: Divulgação/20th Century Studios

Fiel à sua promessa, Cooper foge das amarras da cinebiografia clássica. Nada de montagens triunfais, shows épicos ou discursos inspiradores. O que se vê é a anatomia da queda, conduzida com um olhar que mistura ternura e brutalidade. A infância de Bruce, marcada pela presença de um pai agressivo e de uma mãe que o salva da escuridão, se entrelaça à vida adulta de um artista tentando fazer as pazes com suas cicatrizes.

Matthew Anthony Pellicano surpreende ao captar a inocência e o medo do pequeno Bruce com uma naturalidade que arrepia. Jeremy Allen White, por sua vez, abandona qualquer intenção de imitar o ídolo e entrega uma atuação contida, inquieta, quase febril. Sua dor parece vir de dentro — e, em muitos momentos, a fronteira entre o ator e o personagem simplesmente se dissolve.

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Foto: Divulgação/20th Century Studios

A força da narrativa ganha corpo com Jeremy Strong, em uma das atuações mais sólidas de sua carreira. Como Jon Landau, o produtor que acreditou no artista quando ninguém mais o fazia, ele é o contraponto racional da história — quem sustenta Bruce quando tudo desaba e também o impulsiona a transformar o caos em arte. A dinâmica entre os dois é o coração pulsante do filme.

Quando a câmera chega a Colts Neck, onde Springsteen grava as demos de Nebraska, a atmosfera muda. O tempo desacelera. A luz se torna quase espectral. A sequência de criação é uma das mais belas do longa — uma combinação de isolamento e transcendência. Cooper filma o processo musical como um ato de sobrevivência. Não é sobre compor, é sobre respirar.

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Foto: Divulgação/20th Century Studios

O filme, contudo, não escapa de pequenos tropeços. A inclusão da personagem fictícia Faye Romano (Odessa Young), criada como interesse romântico, soa deslocada — como se Hollywood ainda não conseguisse resistir à tentação de inserir um amor onde já havia dor suficiente. Apesar da boa performance de Young, a personagem parece um lembrete de que nem todos os estúdios sabem lidar com o vazio.

Curiosamente, a música ocupa menos espaço do que se imagina. As canções surgem como ecos distantes, fragmentos de uma mente em reconstrução. Jeremy Allen White canta, sim, mas o que realmente ressoa são as pausas, os olhares e as respirações cortadas. Cooper entende que, para falar de Springsteen, é preciso antes silenciar o rock — e ouvir o homem.

Conclusão

Ao fim, Springsteen: Salve-me do Desconhecido não é sobre fama, nem sobre glória — é sobre sobrevivência. Um retrato de um artista à beira do abismo, e um lembrete de que o abismo pode ser um estúdio, um gravador, uma canção. O filme encontra beleza na vulnerabilidade e transforma Nebraska em símbolo da coragem de se despir.

O resultado é um drama de alma que reverencia Bruce Springsteen sem transformá-lo em mármore. Scott Cooper não entrega um hino ao rock, e sim uma confissão. E talvez essa seja sua maior ousadia: mostrar que até o “Boss” precisou pedir socorro ao desconhecido — e, ao fazê-lo, se tornou mais humano do que nunca.

Confira o trailer:

Ficha Técnica
Direção: Scott Cooper;
Roteiro: Scott Cooper;
Elenco: Jeremy Allen White, Jeremy Strong, Paul Walter Hauser, Stephen Graham, Gaby Hoffmann, Grace Gummer, Marc Maron, David Krumholtz;
Gênero: Drama, Biografia, Musical;
Duração: 112 minutos;
Distribuição: 20th Century Studios;
Classificação indicativa: 14 anos;
Assistiu à cabine de imprensa a convite da Espaço Z

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