Entre trapaças, sangue e risos nervosos, Os Enforcados, que chega aos cinemas nesta quinta-feira (14), é um daqueles filmes que se equilibram num arame fino, alternando tensão e deboche. Fernando Coimbra troca a dissecação fria do drama psicológico por um mergulho no caos calculado, onde cada decisão errada abre caminho para a próxima tragédia. E, como todo bom anfitrião do desastre, ele entende que o público adora assistir ao tombo.
O Rio de Janeiro que surge na tela não é o das praias ensolaradas, mas um labirinto de becos, negócios escusos e alianças frágeis. É um cenário vivo, que respira crime e superstição, milícia e jogo do bicho, sempre pronto para engolir quem ousa acreditar que pode controlá-lo. Aqui, o asfalto é mais traiçoeiro que qualquer precipício — e Coimbra conduz a câmera como quem conhece cada esquina dessa armadilha.

No centro da trama, Regina e Valério — vividos por Leandra Leal e Irandhir Santos — formam um casal definido menos pelo amor e mais pela sobrevivência em alto risco. Ela, pragmática e ambiciosa, vê no crime um trampolim para seus objetivos; ele, agarrado a uma ingenuidade quase comovente, acredita ser possível manter as mãos limpas num mundo em que todo aperto de mão vem sujo. O “último golpe” que deveria libertá-los acaba sendo a chave que tranca a porta do inferno.
O roteiro se constrói como um dominó instável: cada peça derrubada aciona consequências que ninguém previu — e muito menos controla. O humor nasce do absurdo desses desdobramentos, lembrando que, por mais engenhosos que sejam os planos, o azar sempre tem a última palavra. Há ecos de Fargo e dos irmãos Coen na ironia que atravessa a narrativa, mas aqui a tragédia é temperada com a espontaneidade brasileira, onde o improviso pode ser tão letal quanto a bala.

Leandra Leal entrega uma Regina afiada como lâmina, capaz de seduzir e ameaçar na mesma respiração, fugindo de qualquer estereótipo ao revesti-la de carne e contradição. Irandhir Santos constrói um Valério de olhar perdido que nunca é totalmente inocente — um homem que percebe tarde demais que sua omissão também é crime. Juntos, formam um dueto de sobreviventes sem saber se estão fugindo um do outro ou do mundo.
Coimbra não oferece julgamentos nem caminhos fáceis ao espectador. Ninguém aqui é herói, e a ética se dobra ao peso da necessidade. Não há moral da história, apenas a constatação de que, em certos universos, sobreviver significa dançar com o perigo — e torcer para não tropeçar no próprio pé. Essa recusa em explicar ou justificar torna o filme mais honesto e inquietante.

A fotografia abraça o caos, explorando luzes cruas, sombras densas e cores sempre à beira do desgaste. Cada plano reforça a sensação de que estamos num ambiente onde nada é novo, mas tudo pode explodir a qualquer momento. A trilha sonora alterna entre o sutil e o intrusivo, como um narrador invisível que sussurra ao público: “Não confie no que você está vendo”.
Conclusão
No fim, Os Enforcados é o retrato de um Rio onde violência e absurdo convivem sem cerimônia, e onde cada escolha errada se disfarça de oportunidade. É cinema de risco, que prefere o fio da navalha à zona de conforto — lembrando que, às vezes, a única forma de sobreviver a um jogo é aceitar que não há regras. Coimbra, mais uma vez, prova que sabe transformar caos em arte.
Confira o trailer:
Ficha Técnica
Direção: Fernando Coimbra;
Roteiro: Fernando Coimbra;
Elenco: Leandra Leal, Irandhir Santos, Thiago Thomé, Pêpê Rapazote, Ernani Moraes, Augusto Madeira e Ricardo Bittencourt;
Gênero: Ação;
Duração: 123 minutos;
Distribuição: Paris Filmes;
Classificação indicativa: 18 anos;
Assistiu à cabine de imprensa a convite da Espaço Z