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Cinema com ela
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“O Último Azul”: distopia poética que transforma o envelhecer em ato de resistência

Estreia nesta quinta-feira (28) a nova obra de Gabriel Mascaro, que une crítica social, imagens deslumbrantes e toques de realismo fantástico

Tamires Rodrigues

28/08/2025 5h00

Atualizada 27/08/2025 23h45

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Foto: Divulgação/Vitrine Filmes

Gabriel Mascaro retorna ao cinema nesta quinta-feira (28) com a ousadia que marca sua carreira, agora explorando um território ainda mais arriscado: a distopia do envelhecimento. O Último Azul não questiona apenas o futuro, mas também o presente de uma sociedade que disfarça sua crueldade com discursos de eficiência. O olhar pessimista que guia a narrativa se torna paradoxalmente encantador, já que vem sempre acompanhado de uma poesia visual capaz de transformar até os detalhes grotescos em arte.

A trajetória de Tereza, interpretada com intensidade por Denise Weinberg, é mais do que a história de uma mulher às vésperas de ser exilada por uma lei absurda. É um retrato feroz de como Estado e mercado enxergam os corpos envelhecidos: peso, entrave, algo a ser descartado. A metáfora da colônia de idosos não soa como ficção futurista distante, mas como a materialização de discursos etaristas já presentes no cotidiano.

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Foto: Divulgação/Vitrine Filmes

O filme, no entanto, não se acomoda na denúncia. Abre espaço para o encantamento nos gestos mais simples. O sonho de voar, que move Tereza, é também metáfora de liberdade em tempos de cerceamento. Há algo profundamente humano na forma como ela redescobre prazeres miúdos, transformando cada travessia e cada encontro em resistência silenciosa.

O elemento fantástico surge com o misterioso caracol baba-azul, achado narrativo que dá à trama sua dimensão mais hipnótica. A gosma que promete revelar o futuro também escancara desejos reprimidos e verdades incômodas. É como se Mascaro sugerisse que o maior terror não está no que nos aguarda, mas no que escondemos de nós mesmos. Essa camada mística se entrelaça ao realismo sujo do frigorífico de jacarés e ao autoritarismo estatal, criando uma tensão constante entre beleza e brutalidade.

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Foto: Divulgação/Vitrine Filmes

A fotografia de Guillermo Garza amplia esse paradoxo. O espectador é levado pela grandiosidade da Amazônia em planos que beiram o sublime, mas também é confrontado com a violência filmada com igual delicadeza. A luta de peixinhos, grotesca em essência, é convertida em poesia visual — um exemplo claro da força do filme: tudo se mostra belo, mesmo quando não deveria.

O roteiro, escrito por Mascaro em parceria com Tibério Azul, sustenta essa atmosfera em diálogos que oscilam entre o sarcástico e o místico. Ao ironizar o capitalismo e a moralidade seletiva, provoca risos em meio à dor. Os personagens secundários ampliam esse mosaico de contradições: Cadu, o barqueiro machão de coração frágil; Ludemir, dono de um avião que nunca decola; Roberta, a vendedora de Bíblias digitais que não acredita em milagres. Cada figura é uma fissura na ordem estabelecida.

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Foto: Divulgação/Vitrine Filmes

As atuações reforçam esse tecido de nuances. Denise Weinberg entrega uma protagonista inquieta, que transita da fragilidade à ironia com naturalidade rara. Miriam Socarrás imprime mistério e leveza como Roberta, enquanto Rodrigo Santoro dá densidade a um papel que poderia escorregar na caricatura. O elenco, em conjunto, sustenta a potência crítica e lírica da obra.

O Último Azul não é apenas cinema político — é cinema que faz sentir. O desconforto provocado se mistura à beleza das imagens, criando uma experiência que se prolonga após a tela escurecer. A cada cartaz do governo autoritário, a cada pichação rebelde, o filme lembra que futuro e presente estão colados, e que a ficção científica nada mais é do que um espelho ampliado da realidade.

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Foto: Divulgação/Vitrine Filmes

Conclusão

Não surpreende, portanto, que a produção tenha conquistado o Urso de Prata em Berlim e almeje agora o Oscar. Mais do que prêmios, o que fica é a sensação de que Mascaro conseguiu transformar um tema árido, o envelhecimento em tempos de descartabilidade em uma experiência cinematográfica de rara poesia. Assistir a O Último Azul é como pingar nos olhos a baba azul do caracol: doloroso, revelador e, sobretudo, libertador.

Confira o trailer:

Ficha Técnica
Direção:
Gabriel Mascaro;
Roteiro: Gabriel Mascaro, Tibério Azul;
Elenco: Denise Weinberg, Rodrigo Santoro, Miriam Socarrás, Adanilo;
Gênero: drama, ficção científica;
Duração: 90 minutos;
Distribuição: Vitrine Filmes;
Classificação indicativa: 16 anos;
Assistiu à cabine de imprensa a convite da Espaço Z

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