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Cinema

Cinema dos invisibilizados e dos sonhadores na sexta noite do FBCB

Obras abordaram trajetórias femininas no garimpo, experiências de empregadas e realidades periféricas durante a mostra competitiva

Amanda Karolyne

18/09/2025 1h00

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Foto: Tamires Rodrigues/JBr

O Cine Brasília foi palco, na sexta noite da Mostra Competitiva Nacional do 58º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, de obras que tiram da invisibilidade corpos periféricos, em especial os de mulheres como as trabalhadoras domésticas e as do garimpo amazônico. Na quarta-feira, o público acompanhou a estreia do longa-metragem Aqui Não Entra Luz, dirigido por Karol Maia. A sessão também exibiu o curta A Pele do Ouro, com direção de Marcela Ulhoa e Yare Perdomo, e Cantô Meu Alvará, de Marcelo Lin.

Marcela Ulhoa, uma das diretoras da produção roraimense A Pele do Ouro, contou que a história começou em 2017, a partir de uma relação construída com confiança e parceria. A obra é escrita, narrada e protagonizada por Patri, baseada em seus diários sobre a vivência no garimpo. “Nós tivemos contato com os diários dela e ficamos impressionadas com a qualidade de poesia, força e potência em tudo o que ela escreve a partir de situações muito difíceis, desde o processo de imigração, infância, até o recorte do filme, que é o garimpo”.

Antes da exibição, Marcela destacou a riqueza do cinema roraimense, que ela define como “cinema de fronteira”, ainda pouco valorizado. Ela agradeceu a rede de apoio que permaneceu em Roraima para que a equipe, formada majoritariamente por mulheres, pudesse chegar ao festival. “A gente tem filhos, a gente que é mulher sabe que para chegar no mercado de trabalho precisamos ter uma rede de cuidado”, reforçou.

Também na direção, a venezuelana Yare Perdomo ressaltou o privilégio de trazer o cinema de Roraima para o festival. Para ela, a força do filme está na permissão de Patri para que suas experiências profundamente humanas fossem transformadas em cinema. “Ela queria falar. A Marcela já tinha um trabalho de pesquisa com esses diários que hoje se transformam no filme”. Para Yare, Patri é uma inspiração. “É uma obra feita por mulheres, sobre mulheres em contexto de vulnerabilidade. Não tem como não se inspirar. Nós mulheres nos identificamos desde o primeiro minuto”.

Patri, por sua vez, nunca imaginou que seus escritos ultrapassariam as paredes do quarto para chegar à tela do Cine Brasília. “Iniciei meus escritos em 2017, e alguns fatos me levaram a essa história que compartilhei com vocês. Mas não se trata só da minha história, mas de muitas mulheres que não têm acolhimento e nem apoio”. Ela se mostrou grata pela participação no festival: “Agradeço a toda a equipe por terem transmitido a realidade neste filme”.

Na mesma noite, foi exibido o curta Cantô Meu Alvará, de Marcelo Lin. Ao Jornal de Brasília, o diretor contou que suas produções são feitas em família, e que essa não foi diferente. “Esse curta é feito com a minha prima e a minha sobrinha. Os filmes que eu faço sempre são no meu território, com amigos e com a turminha do meu bairro”, relatou. A ideia inicial era rodar um filme infantil, mas a demora no processo mudou o resultado. “Demorou seis anos para que ficasse pronto”.

O cineasta explicou que seu objetivo é fugir dos estereótipos sobre a favela, mostrando sua potência e reinventando o olhar sobre esse espaço. “Eu pego os invisibilizados, as pessoas que estão lá e que não foram pensadas para o cinema, e tento reinventar a potência delas. Os meus filmes tentam sonhar um lugar melhor através do cinema”. Para Marcelo, estrear em Brasília é uma conquista. “Qualquer realizador sonha em estar no festival. É a primeira exibição do filme, a primeira vez que vou vê-lo no cinema”, comemorou.

O longa da noite, Aqui Não Entra Luz, foi um dos dois documentários selecionados para a mostra. Dirigido por Karol Maia, o filme reúne relatos de trabalhadoras domésticas. A cineasta explicou que o impulso inicial veio do desejo de investigar a arquitetura da senzala e do quarto de empregada, mas que, no processo, percebeu a necessidade de ouvir as mulheres que viveram nesses espaços. “Como consequência da pesquisa, eu ia conversando com trabalhadoras domésticas que já dormiram em quartos de empregada”.

Ao longo de oito anos de produção, Karol foi entendendo também a importância da própria trajetória e da história de sua mãe, Miriam, uma das personagens. “O filme mostra a história do Brasil, um país que ainda opera sob a lógica escravagista de pensar o trabalho. Algumas situações são claramente de trabalho escravo e infantil. O trabalho doméstico é extremamente popular, mas extremamente desvalorizado, e o filme faz essa crítica”, explicou. Ela destacou ainda que, com mais de seis milhões de trabalhadoras domésticas no país, a profissão não vai desaparecer. Sua provocação é outra: “Como essas mulheres e essa categoria podem ser mais valorizadas?”.

Emocionada com a participação no festival, Karol celebrou: “É uma grande realização na minha carreira e na do filme. Estou adorando a programação do festival, e todo o cuidado da curadoria está muito claro na tela do cinema”. No palco, ela e a equipe se emocionaram antes da exibição. Miriam, sua mãe, contou que inicialmente resistiu ao convite para participar do documentário. “No começo, fugi, resisti. Mas concordei. Foi difícil, mas fui me abrindo devagar e contando dos trabalhos que já fiz em casa de família”.

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