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Cinema

‘Águias da República’, na Mostra, tira sarro de líderes autoritários e narcisistas

Filmes denúncia, que abordam contra a truculência e a corrupção que corroem o Estado em ambos países, são destaque

Redação Jornal de Brasília

23/10/2025 9h01

Águias da república

Foto: Reprodução


CANNES, FRANÇA (FOLHAPRESS)

Passados cinco meses, os caminhos de Kleber Mendonça Filho e Tarik Saleh voltam a se cruzar, agora na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. O brasileiro e o sueco de ascendência egípcia estiveram, ambos, na competição principal do último Festival de Cannes, com filmes que se aproximaram por diversos motivos.

O primeiro deles foi o gênero escolhido para levar à seleção, o thriller político. “O Agente Secreto” e “Águias da República” ainda se conectavam por fazerem uma denúncia contundente contra a truculência e a corrupção que corroem o Estado -o brasileiro e o egípcio.

E, por fim, ambos são ancorados em interpretações masculinas poderosas, graças a Wagner Moura, no caso brasileiro, e Fares Fares, que é libanês, mas se naturalizou sueco. O prêmio de melhor ator em Cannes acabou nas mãos do primeiro, mas o segundo era candidato sério à estatueta às vésperas da cerimônia de encerramento.

“Verdade e ficção se misturam no cinema, mas eu sempre gosto de terminar os meus filmes escancarando a realidade. A verdade é a única coisa que pode desafiar o poder ou a lei”, disse Saleh após a exibição de seu longa em Cannes, ao ser questionado sobre a entrada de elementos reais, como nomes e rostos de autoridades, em seu roteiro ficcional.

“Águias da República” acompanha um ator de cinema e televisão adorado no Egito, George Fahmy. Apesar de não ser muito politizado, uma declaração crítica ao governo de seu país pega mal e, de repente, ele se vê obrigado a protagonizar uma produção que pretende louvar o presidente, Field Marshal Abdel Fattah el-Sisi.

Autoridades o ameaçam e dizem que sua família e seus amigos estarão em perigo caso ele não aceite o papel. Fahmy, então, passa a ser usado tanto por governistas quanto por opositores, incapaz de protestar ou de dizer o que realmente pensa.

Por causa do forte teor político de sua filmografia, Saleh grava suas obras a partir da segurança de países vizinhos ou da Europa. Em seu último trabalho no Egito, país onde seu pai nasceu, há cerca de uma década, ele recebeu um aviso de autoridades que disseram que não poderiam protegê-lo, ou proteger sua equipe, se eles continuassem trabalhando ali.

“No caminho até o aeroporto, eu percebi que aquela seria a última vez que eu veria aquele lugar. E então o motorista virou para mim e disse: ‘Me desculpe, Tarik’. E foi aí que eu percebi que ele havia sido obrigado a reportar tudo o que eu fazia às autoridades.”

Um tipo de perseguição e ameaça velada bastante comuns ao longo de toda a trama de “Águias da República”. Por mais que o filme fale de um Estado autoritário, tudo é feito por baixo dos panos, do pagamento de propinas a mortes em condições jamais explicadas.

A incerteza em relação aos verdadeiros ideais e intenções dos personagens é o que aumenta a dose de suspense do longa, algo que o cineasta já havia feito em sua última passagem por Cannes e pela Mostra de Cinema de São Paulo, “Garoto dos Céus”, de três anos atrás.

Se no longa anterior ele escolheu minar a credibilidade do comando religioso do Egito, agora critica abertamente sua casta política, na figura caricata de El-Sisi. Ex-general, ele comanda o país com mãos de ferro desde 2014, depois de pôr fim a um breve período de democracia. Seus pleitos de fachada são alvo de zombaria em “Águias da República”, bem como a sua vaidade.

Numa das cenas, Fahmy está na mesa de maquiagem da cinebiografia sobre o ditador que ele é forçado a estrelar. Peruca, nariz e todos os detalhes pertinentes à sua caracterização começam a ser questionados, numa tentativa de embelezar e glorificar El-Sisi.

“Quer ele goste ou não do filme, eu acho que ele vai acabar rindo secretamente. Porque ele vai se reconhecer nele, ele vai se ver no espelho. Pelo menos ele teve a dignidade de não usar bronzeamento artificial e peruca”, afirma Saleh, tirando sarro do líder dos Estados Unidos.

“Vivemos num momento em que ser celebridade é um superpoder. Zelenski é ator, Trump é uma estrela de reality show. As pessoas estão mais interessadas no que uma Kardashian tem a dizer do que num político. As pessoas cometeram o erro de rir e de ridicularizar pessoas como Trump. Fica a lição, deveríamos ter levado ele a sério desde o princípio. É nas crises que o fascismo se revela.”

ÁGUIAS DA REPÚBLICA
Quando Sex. (24), às 21h, e dom. (26), às 14h
Onde Reserva Cultural e Cinemateca
Classificação Não informada
Elenco Lyna Khoudri, Fares Fares, Cherien Dabis
Produção Suécia, França, Dinamarca, 2025
Direção Tarik Saleh

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