Francis Lawrence retorna ao terreno das distopias com “A Longa Marcha: Caminhe ou Morra”, adaptação do romance de Stephen King publicado em 1979 sob o pseudônimo Richard Bachman. O filme, que estreia nesta quinta (18), parte de uma premissa simples e cruel: um grupo de jovens precisa caminhar sem parar até restar apenas um sobrevivente. O vencedor conquista fortuna e um desejo; os demais caem diante das balas dos soldados que acompanham a jornada. O que poderia soar como metáfora distante se transforma em um espelho perturbador de sociedades que naturalizam a violência como espetáculo.
Desde a cena inicial, quando Ray Garraty (Cooper Hoffman) se despede da mãe antes de entrar na competição, Lawrence deixa claro que não se trata apenas de um thriller sangrento. Há intimidade, fragilidade e um senso de tragédia inevitável pairando sobre os personagens. Esse adeus é filmado com a gravidade de um campo de batalha — e é exatamente isso que a estrada se tornará.

O roteiro de JT Mollner mantém o essencial: jovens anônimos, de origens distintas, reunidos em uma marcha transmitida como show nacional. A ausência de explicações sobre o regime totalitário que organiza a competição é uma escolha, não um descuido. O silêncio narrativo reforça a atmosfera sufocante de um Estado que já não precisa justificar sua crueldade, apenas exibi-la.
No centro da trama está a relação entre Garraty e McVries (David Jonsson), que sustenta a espinha dorsal emocional do longa. A amizade entre os dois cresce à medida que se torna insustentável. É o paradoxo cruel: quanto mais próximos, mais inevitável a separação definitiva. A estrada se converte em metáfora de laços condenados a terminar com o próximo disparo.

Visualmente, Lawrence e o diretor de fotografia Jo Willems transformam a monotonia da caminhada em poesia sombria. Os enquadramentos ora se fecham nos rostos exaustos, ora se abrem em planos coletivos que lembram procissões fúnebres. Cada corte lembra ao público que, embora o passo seja repetitivo, a contagem regressiva é única.
A violência nunca é gratuita. Quando o tiro ecoa, a câmera se demora nas reações, não no sangue. O horror está menos no ato em si do que na sua banalização. O espectador é forçado a encarar não só a morte, mas o silêncio de quem continua caminhando logo depois. Essa naturalização é o verdadeiro alvo da crítica da trama.
O elenco entrega intensidade física e emocional. Hoffman imprime em Garraty uma mistura de inocência e obstinação cega, enquanto Jonsson constrói um McVries complexo, oscilando entre dureza e compaixão. Juntos, sustentam dilemas filosóficos que atravessam a narrativa: resistir é seguir em frente ou recusar o jogo?

Ainda que poderoso, a produção hesita no desfecho. A escolha de suavizar a crueldade absoluta, optando por uma abertura interpretativa, dilui parte da força da obra. É nesse ponto que a adaptação se afasta do impacto implacável do texto original de King, resultando em uma catarse menos devastadora.
Mesmo assim, “A Longa Marcha: Caminhe ou Morra” encontra potência em seus próprios limites. Não oferece respostas fáceis, mas lança perguntas sobre obediência, fascínio pelo espetáculo e a capacidade humana de se adaptar ao inaceitável. O incômodo persiste muito além dos créditos.
Conclusão
No fim, Lawrence entrega menos uma história sobre vitória e mais sobre o percurso: uma reflexão sombria sobre juventude sacrificada em nome de regimes que transformam dor em entretenimento. Um cinema distópico de fôlego, que marcha firme em direção ao espelho de nossas contradições.
Confira o trailer:
Ficha Técnica
Direção: Francis Lawrence;
Roteiro: JT Mollner, baseado no romance de Stephen King;
Elenco: Cooper Hoffman, David Jonsson, Garrett Wareing, Tut Nyuot, Charlie Plummer, Ben Wang, Roman Griffin Davis, Jordan Gonzalez, Josh Hamilton, Judy Greer, Mark Hamill;
Gênero: Suspense, Terror, Distópico;
Duração: 108 minutos;
Distribuição: Paris Filmes;
Classificação indicativa: 16 anos;
Assistiu à cabine de imprensa a convite da Espaço Z