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Torcida

Em ocupação do MTST, clima é de otimismo com a seleção brasileira

A torcida estava protegida da chuva forte na região por telhas de amianto, sustentadas por paredes pregadas de folhas de madeirite e colunas feitas com tronco cortado

FolhaPress

28/11/2022 20h30

O atacante foi o principal responsável por trazer a vitória para o Brasil no jogo contra a Sérvia, no dia 24/11.

Eduardo Marini
São Paulo, SP

A segunda vitória e a classificação antecipada do Brasil às oitavas da Copa do Mundo, mesmo no sufoco, empolgou os moradores da ocupação Nova Canudos, em Taipas, na região norte de São Paulo. Sentados em cadeiras escolares apoiadas sobre chão de terra batida, os torcedores encheram o maior barraco da ocupação MTST para ver Brasil e Suíça.

A torcida estava protegida da chuva forte na região por telhas de amianto, sustentadas por paredes pregadas de folhas de madeirite e colunas feitas com tronco cortado.

Algumas frestas deixavam a chuva entrar, mas a sala já estava cheia: eram 92 pessoas, sendo a maioria parte das 420 famílias que vivem na ocupação. Sentados ou de pé, acompanhavam a partida por uma projeção em tela, feita com ajuda de voluntários do movimento.

As paredes leves estavam decoradas com bandeiras do Brasil -uma delas com “Lula 13 já!” substituindo “Ordem e progresso”. A maioria não vestia camisas da seleção, mas, segundo Thayna Maneti, 27, uma das coordenadoras de Nova Canudos, não era por rejeição às cores ou pela recente ligação do uniforme brasileiro com movimentos bolsonaristas.

“O pessoal não tem dinheiro para comprar a camisa mesmo. Senão, estariam com ela”, disse a coordenadora.

Para compensar, alguns usavam roupas comuns, mas nas cores da bandeira. Thayna vestia uma camisa da seleção personalizada pelo movimento, toda vermelha, com o escudo brasileiro em branco no canto esquerdo do peito. No centro, a sigla do MTST, e, na direita, seu símbolo. Nas costas, o número 25, em referência ao 25 anos da organização.

Antes da partida, moradores subiram as cadeiras até a parte de cima do terreno, onde fica o espaço de convivência e o barracão, que normalmente serve para reuniões.

Ao lado, fica a ciranda, usada para o estudo das crianças e o desenvolvimento de atividades culturais. Ela está fechada para reforma: a chuva acabou derrubando seu telhado.

Em seguida, outro barracão, este projetado para se tornar uma biblioteca comunitária, que será aberta para toda a comunidade, não só aos que vivem na ocupação.

Na parte de baixo do terreno, conectada por escadas, ficam as fileiras de barracos. Além das 420 famílias que moram na Nova Canudos, ali transitam também os acampados -pessoas que não moram no terreno, mas participam da organização e de atividades coletivas, como mutirões de limpeza e trilhas, como são chamadas as rondas de segurança. Somando eles, são 2.000 famílias organizadas na ocupação.

Entre moradores e acampados, o primeiro tempo começou animado, mas logo a empolgação baixou. Num canto, um rapaz fazia tranças verde-amarelas na mulheres, enquanto baldes de pipoca passavam pela sala. Com pouca pressão brasileira sobre os suíços, brincadeiras também pipocaram no fundo do barraco.

Antes do fim da etapa inicial, mulheres da ocupação começaram a trazer comida das cozinhas coletivas: há 12 em Nova Canudos. Em caixinhas de isopor, estavam misturas de arroz, feijão preto, alface, batata palha e estrogonofe. Alguns trouxeram garrafas de refrigerante, distribuídos entre todo o público, e latinhas de cerveja eram vendidas por R$ 4.

No intervalo, os relatos eram de insatisfação com a equipe de Tite.

José Aparecido, 59, um dos coordenadores da ocupação, estava insatisfeito com a partida. “Bom mesmo era o Zico, o Ronaldo”, respondeu quando perguntado sobre Neymar. “Ele já ganhou muito dinheiro, nem liga pra seleção”

Para Irineu Teles, 63, desempregado, os melhores jogadores do Brasil são Vinicius Junior e Rodrygo. Palmeirense, ele queria ver Weverton no gol da seleção. Dudu, segundo ele, também merecia uma vaga.

“O Neymar é cai-cai. Eu nunca gostei do estilo dele, ele só dribla e cai.”, disse Irineu.

Dayane Fernandes, 23, que trabalha em uma das cozinhas solidárias do grupo, tem a mesma opinião sobre o astro. Para ela, craque mesmo é Richarlison, que marcou os dois gols do Brasil na vitória sobre a Sérvia. Pedro Marcolino, pedreiro de 58 anos, discorda: em sua opinião, o camisa 10 da seleção, lesionado no último jogo, fez falta contra os suíços.

O segundo tempo começou em clima tenso. Com poucas chances brasileiras, a Suíça avançou. Na torcida da ocupação, o som era um só: “MTST, a luta é pra valer!”, gritavam, independentemente do momento do jogo: fosse falta, chute da Suíça, do Brasil ou até mesmo substituição.

Com o gol de Vinicius Junior, a vibração foi intensa, mas murchou assim que Paulo César Oliveira, comentarista de arbitragem da Globo, avisou que o tento seria invalidado. Débora Lima, 25, organizadora geral da ocupação, ficou indignada.

Na Nova Canudos, Débora comanda os coordenadores. Cada um cuida do seu G -como são chamados os setores da ocupação, que são numerados- e discutem com a organizadora suas demandas e iniciativas.

Com uma bandeira do Brasil nas costas, o garoto Mateus do Santos estava vidrado na tela, sentado na primeira fileira. Quem reclamava dos jogadores, especialmente de Vinicius Junior, levava bronca do menino.

No finalzinho, saiu o gol. Pairava na sala o medo de mais uma anulação, que não veio. Após a vitória suada, a sensação era de alívio.

“Tá bom, né? Ganhando já tá ótimo” disse Dayane. José Carlos dos Santos, 38, entregador, ficou feliz com o resultado, mas disse já estar contentado com o fato de que a seleção não voltará a ser como antes. “1 a 0 não é resultado, tinha que fazer mais um”, disse Irineu.

O clima geral é de otimismo com a seleção brasileira na Nova Canudos. A maioria acredita no título e torce sem rejeição aos símbolos nacionais agregados ao bolsonarismo, com exceção de Neymar.

Apesar da chuva, alguns ainda se reuniam em áreas de convivência após a partida, enquanto outros voltavam para seus barracos, para descansar ou continuar os trabalhos que realizavam antes do jogo, consertando barracos afetados pela chuva, cuidando das hortas coletivas e planejando sua vida na ocupação.

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