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DF é promessa na marcha atlética em Pan-americano

Elianay Barbosa e Caio Bonfim treinam em Sobradinho com o intuito de fazer bonito na competição, no Peru

Vítor Mendonça

18/07/2019 5h00

Foto: Vítor Mendonça/Jornal de Brasília

Foto: Vítor Mendonça/Jornal de Brasília

Vítor Mendonça
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“Um, dois, três, quatro… Um, dois, três…”. É feita a contagem na mente. Elianay Barbosa, 35 anos, precisa manter o ritmo, a concentração na passada. Foco para continuar a marcha nas próximas quatro horas e meia e percorrer os 50 km a que se dedicou cumprir na edição da marcha atlética feminina dos Jogos Pan-americanos, que acontecerão entre 27 de julho e 11 de agosto.

Elianay é uma das 48 convocações brasileiras para o atletismo na competição. Junto com ela, na modalidade marcha atlética, está Caio Bonfim, outro atleta de alto rendimento, que tem se destacado nas provas de 20 e 30 km. Ambos competem nos últimos dias do Pan e pretendem manter a tradicionalidade e qualidade do atletismo brasileiro.

A marcha atlética é um esporte em que os competidores não podem correr, isto é, um dos pés sempre precisa estar no chão. No momento da aterrissagem da passada, a perna precisa estar esticada. A marcha faz com que o movimento do corpo pareça um rebolado, o que gera estranheza à primeira vista de quem não conhece a modalidade.

Elianay Barbosa e Caio Bonfim representam o Brasil na próxima edição do Pan-americano, em Lima, Peru. A treinadora Gianetti Bonfim, mãe de Caio, acompanha os atletas. Foto: Vítor Mendonça/Jornal de Brasília

Elianay

A vida esportiva de Elianay começou cedo e teve inspiração da figura paterna de Adair Pereira. O homem costumava ser corredor de rua e se dividia entre os trabalhos de gari e o trote nas vias de Sobradinho. “Meu pai fazia corrida quando eu era mais nova, quando eu tinha uns oito, dez anos”, diz a atleta. “Ele nunca chegou a ser atleta de alto rendimento, mas tem acumuladas umas 200 corridas de rua. Apesar de não ser um atleta de destaque, ele não era ruim, sempre ficava entre os três primeiros na faixa etária”, comenta.

Por influência do pai, as participações de Elianay eram constantes em competições como a Corrida de Reis, São Silvestre, entre outras corridas de rua. “Ele me colocava pra largar na frente, um pouco antes, mas depois alguém me tirava da pista”, lembra. 

Mas o corpo da atleta não parecia se adaptar àquela modalidade. Aos 18 anos, o atletismo passou para o modo que compete atualmente. “Meu joelho começou a doer muito por conta do atrito. Os médicos disseram que não dava mais pra correr. Daí a gente tentou a marcha, porque não tem atrito, né? Aí comecei”, lembra a marchadora. Pela idade, não chegou a compor a categoria dos mais novos no esporte e iniciou na esfera juvenil.

Por mais que fosse inexperiente na modalidade, a nova competidora começou bem e não teve dificuldades de adaptação.

“Eu lembro que eu comecei a marchar e dois meses depois teve um campeonato que fazia a seletiva para os jogos da juventude na época. Já me classifiquei em quarto lugar e lembro de ficar surpresa com a colocação”, recorda.

No entanto, a dedicação nem sempre foi a mesma. Apesar do pódio ser um lugar comum, a paixão pelo esporte começou a crescer nos últimos anos. “Eu digo que virei atleta por agora, depois de ter filho, porque eu sempre me contentava em ficar entre as três primeiras, para mim estava beleza. De 2015 para cá eu comecei a me dedicar mais”, afirma.

O rendimento evoluiu e a vaga para o Pan-americano chegou. Porém, como os resultados dos classificados ainda não tinha saído, a atleta se dedicou além do recomendado. “Eu queria muito ir para os jogos Pan-americanos, então fiz muitas competições esse ano para ver se conseguia classificação. Eu só não sabia que na primeira prova que eu tinha feito o índice necessário para a classificação em uma prova de 50 km em janeiro”.

O esforço e cansaço levou a uma pequena lesão na posterior esquerda. Mas para ela são quilômetros superados. “Agora é aprender com o erro e ano que vem fazer mais calma, pensando nas olimpíadas”. Em agosto, época da competição, ela está concentrada “Eu sonho com a olimpíada no próximo ano. […] Estou com a chance de me classificar agora nos 50 km do Pan-americano. Acredito que eu consiga fazer a marca necessária”, diz confiante.

Está na passada certa: em março deste ano, na Copa Brasil de Marcha Atlética, Elianay foi campeã brasileira em uma prova dos 20 km.

Foto: Vítor Mendonça/Jornal de Brasília

Caio

A trajetória com esportes de Caio Bonfim também começou cedo. Inicialmente com o futebol, o atleta de 28 anos passou quase metade da carreira jogando futebol, dos 6 aos 16 anos. “Joguei até nas categorias de base do Brasiliense”, afirma. Mas foi na marcha atlética que encontrou a vocação. “Eu acho que eu nasci pra isso”, completa.

Assim como Elianay, teve inspirações dentro de casa para entrar no esporte. Mas a marcha atlética já era parte do cotidiano familiar antes mesmo de nascer. Gianetti Bonfim, mãe e treinadora do atleta, foi 8 vezes campeã brasileira na modalidade.

“Eu fui criado dentro desse contexto. Eu e meu irmão mais velho costumávamos brincar de marcha atlética. Daí comecei a participar de competições e a me apaixonar por esse esporte. Tô aí até hoje”.

Em março de 2019, Caio também conquistou o primeiro lugar na última edição da Copa Brasil de Marcha Atlética, juntamente com Elianay. Foi a oitava vitória consecutiva e a façanha é motivo de divertimento na família. “Agora eu empatei com minha mãe”, brinca Caio.

No entanto, nem sempre as passadas da marcha foram dadas facilmente. As vitórias também precisavam ser vistas fora do esporte. As dificuldades também eram enfrentadas dentro do ambiente escolar e acadêmico. “Era muito complicado. As pessoas achavam que você está viajando pra curtir a vida. Até você provar que as faltas eram justificadas pelas competições era muito difícil”, comenta. 

A característica do rebolado do esporte também já foram motivo de constrangimento. “Sempre tinha uma piadinha ou outra. São status que eu fui vencendo, principalmente depois da prova no Rio, em 2016. As pessoas viram que não estamos brincando de fazer marcha atlética”.

Ele destaca ainda que o estigma é uma característica peculiar no país. “É um esporte muito bem visto no mundo. Já fui em uma prova na Rússia com 100 mil pagantes. Isso a gente não vê nem no futebol aqui, imagina a marcha atlética”, ressalta.

Caio foi o primeiro colocado na classificação geral do atletismo brasileiro e está entre os melhores do mundo na modalidade. Tanto ele quanto Elianay são referências do esporte para novos competidores. “Fiquei muito feliz de entrar no esporte e abrir algumas portas da modalidade”, completa Caio.

Foto: Vítor Mendonça/Jornal de Brasília

Apoio à marcha

Quanto às iniciativas ao esporte, os dois concordam que precisam melhorar tanto no DF quanto no país. Caio avalia que faltam patrocínios de iniciativas privadas. “Fica tudo nas costas do governo. Os programas do governo nesse sentido aqui são fantásticos. […] Minhas três melhores provas que fiz fora do Brasil, por exemplo, foi pelo ‘Compete Brasília’” (um dos programas para atletas da Secretaria de Estado de Esporte e Lazer do Distrito Federal).

Ambos vivem do esporte, mas também há falta de reconhecimento social. “As pessoas perguntam: Você pratica esporte e faz mais o quê? Qual sua profissão? […] É difícil pro atleta ser reconhecido como trabalhador também, recebemos pra isso”, critica Elianay.

“Se eu for comprar um carro, por exemplo, tenho de dizer que sou autônoma ou uso minha formação como administradora, não existe a profissão atleta”.

Rotina

A rotina de treinos em Sobradinho é compatível ao nível de exigência do Pan-americano, que segundo Caio é uma das mais modalidades mais competitivas. “Em outras variedades do atletismo, como os 100 metros rasos, não vão as equipes principais de outros países, normalmente são equipes B. Na marcha não.

Vai equipe A, porque não tem equipe B. Tem que estar muito bem trabalhado e preparado para fazer uma boa competição, porque é um nível muito alto”.

De segunda a quinta, marcham no estádio Augustinho Lima, em Sobradinho. Às sextas trabalham a parte técnica, também no mesmo local, e aos sábados fazem o “longão”, em que praticam as grandes distâncias. Neste último, costumam marchar de 30 a 50 km entre a cidade de Sobradinho e as redondezas da Torre de TV Digital de Brasília, a “Flor do Cerrado” ou o Paranoá. Há também a prática de pilates, musculação e fisioterapia.

Atualmente, nos dias que precedem a competição, os dois treinam em Cuenca, no Equador, onde a altitude é mais que o dobro da de Brasília e quase 17 vezes maior que a de Lima, Peru, sede dos jogos. A cerimônia de abertura do Pan-americano está marcada para o dia 26 de julho e as competições acontecem entre os dias 27 julho e 11 de agosto. O slogan “Joguemos todos juntos” reúne mais de 6 mil atletas e envolve 41 países em 38 esportes diferentes.

Foto: Vítor Mendonça/Jornal de Brasilia

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