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Marcelo Torres

Arquivo Geral

25/08/2003 0h00

Quase todos os amigos que conheço em Brasília são umas figuraças. Às segundas-feiras, uns e outros nos encontramos num boteco da Asa Sul – para falar de política, de futebol e da vida dos outros (especialmente daqueles ausentes) e para olhar as mulheres que lotam as mesas. Quem chega primeiro é João, um executivo garanhão, que dá em cima até de secretária eletrônica (sem contar as estagiárias e prestadoras de serviço). O cara não pode ver rabo de saia, aliás, não pode ver mulher de calça, de vestido, de calça, de biquíni, do que for. No bar, não fica perna de cadeira em que ele não dê uma encarada. Outro amigo é Oséas, que é rápido em tudo, até no falar. O nome dele bem que poderia ser Enéas, o candidato que ganhou milhões de votos apenas com 15 segundos de aparição na TV. Enéas, ou melhor, Oséas, num piscar de olhos já está sentado numa mesa de mulheres. Mas dificilmente ele emplaca um voto – fica que nem mosca de padaria. Mais apressado que Oséas só Bruno, que é assessor parlamentar. Antes de tomar todas, ele já está beijando a primeira que encontra. No carro, quando estamos indo para o bar, antes de a gente fechar a porta do veículo, ele já está dizendo: “Tá aberta!”. Parece que o cara adivinha que a porta não vai fechar direito. Aí, você fecha com força, para não ouvir o “tá aberta”, e ele reclama: “Minha porta não é cancela, não!”. Na mesa do bar, antes de o celular tocar, Bruno já está dizendo alô. Às vezes, ele está falando sozinho, com o aparelho grudado no ouvido, e o bichinho toca…Trrrriiiim! Ele não perde as estribeiras, diz que é mania, visão de futuro, coisa e tal. Ele atende no “toque zero” – isso que é rapidez! Já Luiz, bancário, é o rei do trocadilho: “Sou caixa de banco e trabalho em pé”. O cara passa o dia todo em pé, autenticando papel e ouvindo reclamação de cliente. Ela parafraseia Euclides: “Sou, antes de tudo, um forte: trabalho em pé, com todo dinheiro do mundo, mas não tenho onde cair”. Otávio, ou “Contrávio”, é o último que chega. E já vem com a cara amarrada. “Não sei do que vocês estão falando, mas antecipo que sou contra desde já”. Para ele, a cerveja está sempre quente, a comida tá estragada e a conta vem sempre errada (para mais). E ainda diz que só tem mulher feia no pedaço. Feio é ele! Agora, pense numa confusão. Oséas virou-se para uma gatinha e pediu: “Me empresta seu fogo?”. E a mocinha, que não fumava, sorriu: “Você quer com açúcar, adoçante ou batata frita?”. Oséas não teve alternativa: “OK, você venceu: batata frita”. E voltou à mesa, onde fizemos um brinde às batatas.

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    Marcelo Torres

    Arquivo Geral

    25/08/2003 0h00

    Quase todos os amigos que conheço em Brasília são umas figuraças. Às segundas-feiras, uns e outros nos encontramos num boteco da Asa Sul – para falar de política, de futebol e da vida dos outros (especialmente daqueles ausentes) e para olhar as mulheres que lotam as mesas. Quem chega primeiro é João, um executivo garanhão, que dá em cima até de secretária eletrônica (sem contar as estagiárias e prestadoras de serviço). O cara não pode ver rabo de saia, aliás, não pode ver mulher de calça, de vestido, de calça, de biquíni, do que for. No bar, não fica perna de cadeira em que ele não dê uma encarada. Outro amigo é Oséas, que é rápido em tudo, até no falar. O nome dele bem que poderia ser Enéas, o candidato que ganhou milhões de votos apenas com 15 segundos de aparição na TV. Enéas, ou melhor, Oséas, num piscar de olhos já está sentado numa mesa de mulheres. Mas dificilmente ele emplaca um voto – fica que nem mosca de padaria. Mais apressado que Oséas só Bruno, que é assessor parlamentar. Antes de tomar todas, ele já está beijando a primeira que encontra. No carro, quando estamos indo para o bar, antes de a gente fechar a porta do veículo, ele já está dizendo: “Tá aberta!”. Parece que o cara adivinha que a porta não vai fechar direito. Aí, você fecha com força, para não ouvir o “tá aberta”, e ele reclama: “Minha porta não é cancela, não!”. Na mesa do bar, antes de o celular tocar, Bruno já está dizendo alô. Às vezes, ele está falando sozinho, com o aparelho grudado no ouvido, e o bichinho toca…Trrrriiiim! Ele não perde as estribeiras, diz que é mania, visão de futuro, coisa e tal. Ele atende no “toque zero” – isso que é rapidez! Já Luiz, bancário, é o rei do trocadilho: “Sou caixa de banco e trabalho em pé”. O cara passa o dia todo em pé, autenticando papel e ouvindo reclamação de cliente. Ela parafraseia Euclides: “Sou, antes de tudo, um forte: trabalho em pé, com todo dinheiro do mundo, mas não tenho onde cair”. Otávio, ou “Contrávio”, é o último que chega. E já vem com a cara amarrada. “Não sei do que vocês estão falando, mas antecipo que sou contra desde já”. Para ele, a cerveja está sempre quente, a comida tá estragada e a conta vem sempre errada (para mais). E ainda diz que só tem mulher feia no pedaço. Feio é ele! Agora, pense numa confusão. Oséas virou-se para uma gatinha e pediu: “Me empresta seu fogo?”. E a mocinha, que não fumava, sorriu: “Você quer com açúcar, adoçante ou batata frita?”. Oséas não teve alternativa: “OK, você venceu: batata frita”. E voltou à mesa, onde fizemos um brinde às batatas.

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      Marcelo Torres

      Arquivo Geral

      18/08/2003 0h00

      Que rebuliço essa história da galinha preta que o estudante jogou na prefeita, hein, gente! O pior é que o ministro da Justiça quis cantar de galo e acabou soltando não a franga, mas as penas da galinha no ventilador. E voou pena para todos os lados.

      Galo velho, que sabe onde a coruja dorme, o até então lacônico ministro Bastos disse que atirar galinha numa mulher é o mesmo que jogar veado num homem. Aqui tudo pirou: o que é tem a ver arroz-doce com beiço de jumento? Nada vezes nada!

      Faltou ao ministro lembrar que canja de galinha não faz mal a ninguém. O doutor Bastos botou o bico onde não devia, entrando em pasta que não é a sua.

      Deus é mais! Quem já viu uma coisa dessas – arremesso de alce?! Esse “veado” do ministro, com certeza, foi um mico maior que a galinha preta da prefeita. A emenda do doutor saiu pior que o soneto do moleque. O Luiz Mott, do Grupo Gay da Bahia, deve estar rodando a baiana – e com toda razão, afinal, a frase foi uma esculhambação mesmo!

      O que teria passado pela cabeça do ministro? Por acaso teria sido o pé-na-bunda que a prefeita deu no senador Suplicy? A própria “Martaxa”, ops, Marta Suplicy, que foi a vítima da bordoada, não pôs as penas, não vestiu a carapuça, não achou que o rapazote quisesse chamá-la de namoradeira (por ela ter trocado recentemente o marido por um argentino).

      Político que se preza, principalmente aquele que cria imposto, sabe o que é uma galinha preta. E a prefeita achou melhor dizer que a galinha não era galinha, era tucano.

      Outro dia jogaram uma torta na cara do presidente do PT e ninguém fez comparação. E se, em vez da galinha, o estudante jogasse um rolo de papel higiênico? E se no lugar da prefeita a galinha fosse jogada no Zé Dirceu? Provavelmente o doutor Bastos diria: “Jogar galinha em ministro é achar que o poder é um poleiro” – e assim seria ovacionado (e não “galinhacionado”). E se a galinha fosse jogada no José Graziano, talvez o doutor dissesse: “Esta é uma doação ao Fome Zero.” Quem sabe não estava ali a galinha dos ovos de ouro do programa?

      Agora, pense na confusão: se a moda de jogar galinha preta em político pegar, como é que vai ficar o céu que cobre a Esplanada dos Ministérios e a Praça dos Três Poderes? Sei não, este país está mesmo de penas pro ar. Afinal, o que pode valer a pena quando a decepção não é pequena? Não, não é uma pena, gente! São muitas, mas muitas penas.

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        Marcelo Torres

        Arquivo Geral

        18/08/2003 0h00

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        Galo velho, que sabe onde a coruja dorme, o até então lacônico ministro Bastos disse que atirar galinha numa mulher é o mesmo que jogar veado num homem. Aqui tudo pirou: o que é tem a ver arroz-doce com beiço de jumento? Nada vezes nada!

        Faltou ao ministro lembrar que canja de galinha não faz mal a ninguém. O doutor Bastos botou o bico onde não devia, entrando em pasta que não é a sua.

        Deus é mais! Quem já viu uma coisa dessas – arremesso de alce?! Esse “veado” do ministro, com certeza, foi um mico maior que a galinha preta da prefeita. A emenda do doutor saiu pior que o soneto do moleque. O Luiz Mott, do Grupo Gay da Bahia, deve estar rodando a baiana – e com toda razão, afinal, a frase foi uma esculhambação mesmo!

        O que teria passado pela cabeça do ministro? Por acaso teria sido o pé-na-bunda que a prefeita deu no senador Suplicy? A própria “Martaxa”, ops, Marta Suplicy, que foi a vítima da bordoada, não pôs as penas, não vestiu a carapuça, não achou que o rapazote quisesse chamá-la de namoradeira (por ela ter trocado recentemente o marido por um argentino).

        Político que se preza, principalmente aquele que cria imposto, sabe o que é uma galinha preta. E a prefeita achou melhor dizer que a galinha não era galinha, era tucano.

        Outro dia jogaram uma torta na cara do presidente do PT e ninguém fez comparação. E se, em vez da galinha, o estudante jogasse um rolo de papel higiênico? E se no lugar da prefeita a galinha fosse jogada no Zé Dirceu? Provavelmente o doutor Bastos diria: “Jogar galinha em ministro é achar que o poder é um poleiro” – e assim seria ovacionado (e não “galinhacionado”). E se a galinha fosse jogada no José Graziano, talvez o doutor dissesse: “Esta é uma doação ao Fome Zero.” Quem sabe não estava ali a galinha dos ovos de ouro do programa?

        Agora, pense na confusão: se a moda de jogar galinha preta em político pegar, como é que vai ficar o céu que cobre a Esplanada dos Ministérios e a Praça dos Três Poderes? Sei não, este país está mesmo de penas pro ar. Afinal, o que pode valer a pena quando a decepção não é pequena? Não, não é uma pena, gente! São muitas, mas muitas penas.

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          Marcelo Torres

          Arquivo Geral

          04/08/2003 0h00

          A cliente parou diante de um terminal de auto-atendimento bancário carregada de coisas: com o braço direito ela segurava uma criancinha; a mão esquerda, duas sacolas de compras e, logo atrás dela, segurando a sua saia, o filho mais velho, um capetinha de quatro anos. Bóris, que é um funcionário solícito, aproximou-se:

          “Deseja ajuda, senhora?” Ela suspirou aliviada e disse que sim. O bancário viu que a cliente não iria conseguir realizar as operações carregando tantas coisas – optou por segurar as compras. “Quer que eu segure?”, indagou ele, levando as mãos na direção das sacolas.

          “Quero, sim”, ela disse, soltando imediatamente as compras no chão e empurrando com gosto e alívio o bebê nos braços do ajudante. “Fica com o tio enquanto a mamãe saca um dinheiro”.

          Prestativo, apesar de surpreso, Boris acolheu a criancinha no colo – e ainda ficou orientando a cliente: “Ponha o cartão, retire o cartão, digite a senha, faça isso, faça aquilo”.

          Por incrível que pareça, o bebezinho gostou do novo colo, tanto que passou mexer no nariz, nos olhos, nas orelhas do tio.

          Quem agrada o filho, agrada a mãe também. Então, a mãe passou a pegar as bochechas da criancinha: “Gostou do tio, gostou?”. No chão, o mais velho passou a pedir colo também, pulando, gritando, implorando:

          “Eu quero, eu quero!” Com aquele coração grande e mole, Bóris pegou a outra criança, afinal, o mundo não iria se acabar por causa de 15 quilos a mais ou a menos. A cliente digitava uma tecla e falava “Gostou do tio?”. Outra tecla e repetia “Gostou do tio?”. Os outros clientes assistiam a cena com interesse, atenção e aprovação. Até os outros funcionários, colegas de Bóris, pararam um pouco o serviço para ver aquele exemplo de doação ao próximo. “Que lindo, que lindo!”, diziam as mulheres. “O Bóris não é um gentleman, gente?”. “Ah! Se todos homens fossem assim!”. Sabe qual foi o desfecho do caso? Um dos bebês deu aquela golfada cheirosinha no nosso herói, que nem por isso reclamou. E, em seguida, quando a cliente indicou um saque de apenas dez reais… não havia uma banda de conto na conta. “Desgraçado!”, ela esbravejou, esmurrando a máquina. “Não depositou a pensão das crianças!”. Ela olhou para a cara de lamento de Bóris e concluiu: “Meu saldo tá zero, mas o seu tá dez”.

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            Marcelo Torres

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            04/08/2003 0h00

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            “Deseja ajuda, senhora?” Ela suspirou aliviada e disse que sim. O bancário viu que a cliente não iria conseguir realizar as operações carregando tantas coisas – optou por segurar as compras. “Quer que eu segure?”, indagou ele, levando as mãos na direção das sacolas.

            “Quero, sim”, ela disse, soltando imediatamente as compras no chão e empurrando com gosto e alívio o bebê nos braços do ajudante. “Fica com o tio enquanto a mamãe saca um dinheiro”.

            Prestativo, apesar de surpreso, Boris acolheu a criancinha no colo – e ainda ficou orientando a cliente: “Ponha o cartão, retire o cartão, digite a senha, faça isso, faça aquilo”.

            Por incrível que pareça, o bebezinho gostou do novo colo, tanto que passou mexer no nariz, nos olhos, nas orelhas do tio.

            Quem agrada o filho, agrada a mãe também. Então, a mãe passou a pegar as bochechas da criancinha: “Gostou do tio, gostou?”. No chão, o mais velho passou a pedir colo também, pulando, gritando, implorando:

            “Eu quero, eu quero!” Com aquele coração grande e mole, Bóris pegou a outra criança, afinal, o mundo não iria se acabar por causa de 15 quilos a mais ou a menos. A cliente digitava uma tecla e falava “Gostou do tio?”. Outra tecla e repetia “Gostou do tio?”. Os outros clientes assistiam a cena com interesse, atenção e aprovação. Até os outros funcionários, colegas de Bóris, pararam um pouco o serviço para ver aquele exemplo de doação ao próximo. “Que lindo, que lindo!”, diziam as mulheres. “O Bóris não é um gentleman, gente?”. “Ah! Se todos homens fossem assim!”. Sabe qual foi o desfecho do caso? Um dos bebês deu aquela golfada cheirosinha no nosso herói, que nem por isso reclamou. E, em seguida, quando a cliente indicou um saque de apenas dez reais… não havia uma banda de conto na conta. “Desgraçado!”, ela esbravejou, esmurrando a máquina. “Não depositou a pensão das crianças!”. Ela olhou para a cara de lamento de Bóris e concluiu: “Meu saldo tá zero, mas o seu tá dez”.

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              Marcelo Torres

              Arquivo Geral

              28/07/2003 0h00

              Depois dessa, Ricardão nunca mais será o mesmo. Logo ele, um motorista de caminhão cheio de treitas e manhas, um sujeito rodado, nascido e criado na malandragem, pulador de tantas e tantas cercas, foi cair como um principiante no conto da loira fácil e farta! E na estrada!

              Ele é um quarentão com cara de cinqüenta e cabeça de quinze. Viaja pelas estradas da vida desde os dez anos, quando perdeu os pais e subiu na boléia de um tio. É um cão sem dono e sem teto. Mora no próprio caminhão – sem família, sem filhos, sem mulher. Quer dizer, sem mulher fixa, pois em seu diário de viagem tem sempre um rabo de saia na carona. As frases de pára-choque parecem feitas por ele, que as solta pelos cotovelos – sempre com um traço de gabolice ou de machismo. “Não sou pipoca, mas dou os meus pulinhos”. Chegou até a trocar o slogan do sujeito arteiro. Era “Em rio que tem piranha jacaré nada de costas”. Agora é “Em rio que tem piranha jacaré usa camisinha”.

              O fato ocorreu no mês passado: ele trazia um caminhão de coco para Brasília. Num ponto da estrada, viu um tremendo avião. Era uma linda loira, seios graúdos, lábios carnudos e o bumbum numa micro-saia. Ricardo ofereceu carona, ela fez charminho e disse “Não posso”, mas enfim aceitou. “É a primeira vez que pego carona com um desconhecido”.

              O cara ficou fascinado por ela, que aos poucos abria a guarda, exibindo a língua entre os lábios, os seios fartos empinados e as belas coxas à mostra – como se estivessem à oferecê-los. Ele dirigia com um olho na estrada e o outro na loira. Em cinco minutos, ele já estava beijando o pescoço dela, um dedinho bobo no ouvido. E ela se contorcia fingida: “Não posso”.

              Em dez minutos ele pegou um atalho na estrada, um canto escondido entre árvores. Ainda não estava escuro. Ricardo avançava com apetite voraz. E ela se contorcendo, ora aproximando a orelha e o ombro para prender a mão de Ricardo; ora juntando as coxas, e sempre dizendo “Não posso, não posso”.

              Quando Ricardo tentou avançar a mão boba entre as coxas dela, a loira segurou a mão dele e falou sério: “Preciso te contar um segredo”. Ela puxou uma fotografia do bolso. Era foto de um homem. “Já sei, é seu marido?”, ele indagou. Ela disse que não. “Namorado?”. Não. “Irmão?”. Também não. Aí, ele elevou perguntou irritado: “E quem é, afinal?”. A loira baixou a cabeça levemente e falou em sussurro: “Sou eu… antes da operação”.

              Com tantos anos de estrada e o Ricardão caiu nessa! Também, nunca mais ele vai dar carona a loira. A não ser que confira os documentos dela antes.

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                Marcelo Torres

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                28/07/2003 0h00

                Depois dessa, Ricardão nunca mais será o mesmo. Logo ele, um motorista de caminhão cheio de treitas e manhas, um sujeito rodado, nascido e criado na malandragem, pulador de tantas e tantas cercas, foi cair como um principiante no conto da loira fácil e farta! E na estrada!

                Ele é um quarentão com cara de cinqüenta e cabeça de quinze. Viaja pelas estradas da vida desde os dez anos, quando perdeu os pais e subiu na boléia de um tio. É um cão sem dono e sem teto. Mora no próprio caminhão – sem família, sem filhos, sem mulher. Quer dizer, sem mulher fixa, pois em seu diário de viagem tem sempre um rabo de saia na carona. As frases de pára-choque parecem feitas por ele, que as solta pelos cotovelos – sempre com um traço de gabolice ou de machismo. “Não sou pipoca, mas dou os meus pulinhos”. Chegou até a trocar o slogan do sujeito arteiro. Era “Em rio que tem piranha jacaré nada de costas”. Agora é “Em rio que tem piranha jacaré usa camisinha”.

                O fato ocorreu no mês passado: ele trazia um caminhão de coco para Brasília. Num ponto da estrada, viu um tremendo avião. Era uma linda loira, seios graúdos, lábios carnudos e o bumbum numa micro-saia. Ricardo ofereceu carona, ela fez charminho e disse “Não posso”, mas enfim aceitou. “É a primeira vez que pego carona com um desconhecido”.

                O cara ficou fascinado por ela, que aos poucos abria a guarda, exibindo a língua entre os lábios, os seios fartos empinados e as belas coxas à mostra – como se estivessem à oferecê-los. Ele dirigia com um olho na estrada e o outro na loira. Em cinco minutos, ele já estava beijando o pescoço dela, um dedinho bobo no ouvido. E ela se contorcia fingida: “Não posso”.

                Em dez minutos ele pegou um atalho na estrada, um canto escondido entre árvores. Ainda não estava escuro. Ricardo avançava com apetite voraz. E ela se contorcendo, ora aproximando a orelha e o ombro para prender a mão de Ricardo; ora juntando as coxas, e sempre dizendo “Não posso, não posso”.

                Quando Ricardo tentou avançar a mão boba entre as coxas dela, a loira segurou a mão dele e falou sério: “Preciso te contar um segredo”. Ela puxou uma fotografia do bolso. Era foto de um homem. “Já sei, é seu marido?”, ele indagou. Ela disse que não. “Namorado?”. Não. “Irmão?”. Também não. Aí, ele elevou perguntou irritado: “E quem é, afinal?”. A loira baixou a cabeça levemente e falou em sussurro: “Sou eu… antes da operação”.

                Com tantos anos de estrada e o Ricardão caiu nessa! Também, nunca mais ele vai dar carona a loira. A não ser que confira os documentos dela antes.

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                  Marcelo Torres

                  Arquivo Geral

                  17/07/2003 0h00

                  Trabalhar numa agência do Banco do Brasil no interior me fez lidar com nomes estranhos. Lembro-me do dia em que comecei a atender os clientes chamando-os pelo nome. Lá pelas tantas, chamei um Emanoel – uns dez se levantaram, se entreolharam, quase saem no palitinho. Mas o sobrenome resolveu.

                  Naquele tempo, descobri que o prenome Emanoel é um dos mais populares no Brasil. É que na hora de registrar a criança, após o oficial do cartório perguntar o nome do menino, o pai responde “É Manoel”. E aí o oficial escreve Emanoel.

                  Um dia, fiquei meio sem graça em pronunciar Boaventura Torrada em voz alta. Então chamei baixinho: “Senhor Boaventura!” Silêncio no salão, uns olhando para outros. Aumentei o tom: “Senhor Boaventura Torrada!”. Nada, ninguém se mexeu.

                  Quando iniciei um brado, uma senhora se levantou, e eu quase me engasgo com as palavras. Ela se aproximou, eu respirei, tentei fugir da saia justa: “Tá na cara que é mulher”, reagi, procurando quebrar o gelo. Ela retrucou, com salto alto: “Tá na cara, não! Tá nas letras, são duas palavras femininas”. Que senhora explicação, eu pensei. Era uma trabalhadora rural com terra – e com letras.

                  Desse dia em diante, passei a pedir o nome da pessoa primeiro. Logo de cara, um teste de fogo – o cliente se chamava “Esparadrapo Bandeira”. Fiquei mais branco que um esparadrapo de verdade. Mas procurei não dar bandeira, recorri à listagem e vi que o dito-cujo estava lá. Dei um ok e segui adiante.

                  – O nome do senhor, por favor? – Joaquim Santos. – Ok, e o senhor? – Antônio Martins. – Maravilha, e o senhor? – Fonfon da Silva. [aqui, confesso que não fiquei surpreso, mas o nome não estava na lista]. – O nome do senhor não consta aqui. – É que Fonfon é apelido, meu nome é Holofontino Esperendeus Amém. Eu corri os olhos pela lista e estava lá: Holofontino Esperendeus Amém.

                  E não parou por aí: conheci dona Deusarina Vênus do Milho, seu Dezembrino Fofocas de Jesus e um senhor muito vivo chamado Necrotério Pereira da Silva. Ele era tão vivo que quis botar no filho o nome NPS (suas iniciais), NPS da Silva.

                  Como não conseguiu, questionou os critérios do oficial do cartório: “Ele não aceita registrar NPS da Silva no meu filho porque eu sou pobre. Mas a filhinha do prefeito, Aidê, foi registrada sem problema”.

                  Por prudência ou não, seu Necrotério acabou dando um nome sugestivo ao menino: Prudêncio, Prudêncio Pereira da Silva. Ainda bem. Melhor que NPS da Silva ou Necrotério Júnior. Filho de Necrotério, Prudêncio é…

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                    17/07/2003 0h00

                    Trabalhar numa agência do Banco do Brasil no interior me fez lidar com nomes estranhos. Lembro-me do dia em que comecei a atender os clientes chamando-os pelo nome. Lá pelas tantas, chamei um Emanoel – uns dez se levantaram, se entreolharam, quase saem no palitinho. Mas o sobrenome resolveu.

                    Naquele tempo, descobri que o prenome Emanoel é um dos mais populares no Brasil. É que na hora de registrar a criança, após o oficial do cartório perguntar o nome do menino, o pai responde “É Manoel”. E aí o oficial escreve Emanoel.

                    Um dia, fiquei meio sem graça em pronunciar Boaventura Torrada em voz alta. Então chamei baixinho: “Senhor Boaventura!” Silêncio no salão, uns olhando para outros. Aumentei o tom: “Senhor Boaventura Torrada!”. Nada, ninguém se mexeu.

                    Quando iniciei um brado, uma senhora se levantou, e eu quase me engasgo com as palavras. Ela se aproximou, eu respirei, tentei fugir da saia justa: “Tá na cara que é mulher”, reagi, procurando quebrar o gelo. Ela retrucou, com salto alto: “Tá na cara, não! Tá nas letras, são duas palavras femininas”. Que senhora explicação, eu pensei. Era uma trabalhadora rural com terra – e com letras.

                    Desse dia em diante, passei a pedir o nome da pessoa primeiro. Logo de cara, um teste de fogo – o cliente se chamava “Esparadrapo Bandeira”. Fiquei mais branco que um esparadrapo de verdade. Mas procurei não dar bandeira, recorri à listagem e vi que o dito-cujo estava lá. Dei um ok e segui adiante.

                    – O nome do senhor, por favor? – Joaquim Santos. – Ok, e o senhor? – Antônio Martins. – Maravilha, e o senhor? – Fonfon da Silva. [aqui, confesso que não fiquei surpreso, mas o nome não estava na lista]. – O nome do senhor não consta aqui. – É que Fonfon é apelido, meu nome é Holofontino Esperendeus Amém. Eu corri os olhos pela lista e estava lá: Holofontino Esperendeus Amém.

                    E não parou por aí: conheci dona Deusarina Vênus do Milho, seu Dezembrino Fofocas de Jesus e um senhor muito vivo chamado Necrotério Pereira da Silva. Ele era tão vivo que quis botar no filho o nome NPS (suas iniciais), NPS da Silva.

                    Como não conseguiu, questionou os critérios do oficial do cartório: “Ele não aceita registrar NPS da Silva no meu filho porque eu sou pobre. Mas a filhinha do prefeito, Aidê, foi registrada sem problema”.

                    Por prudência ou não, seu Necrotério acabou dando um nome sugestivo ao menino: Prudêncio, Prudêncio Pereira da Silva. Ainda bem. Melhor que NPS da Silva ou Necrotério Júnior. Filho de Necrotério, Prudêncio é…

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                      Marcelo Torres

                      Arquivo Geral

                      10/07/2003 0h00

                      Recebi uma relação de “coisas que se atraem”, uma lista que corre mundos via Internet, sem menção de autoria. Meti o bedelho e incluí outras coisinhas.

                      A atração que abre a lista é a de camisa branca por molho de tomate – maior atração que essa só a de Bush por uma guerra. Outra: ponta de móveis é um ímã que atrai dedo de pé – e dá aquela dorzinha danada! Essa agora é batata: jato de urina de homem e tampa de vaso sanitário (eis aí um motivo legal para separação).

                      No trânsito, o sujeitinho apressado só entra em congestionamento – e todos os semáforos da cidade se fecham para ele, coitado! E essa dói como o quê: diz-se que sapato novo atrai calo no pé. Eu acho que todo calçado novinho atrai é o nosso olhar, isso sim! A gente fica olhando só pra ver se pegou bem no pé.

                      O celular chato sempre toca em reuniões de trabalho, no cinema e no teatro. Já o telefone fixo gosta de tocar quando você já está saindo de casa, trancando a porta e com um pé ali no elevador. Quando não é na saída, é na chegada: a mão abrindo a porta, a outra segurando as compras, a bolsa despencando e… O telefone bradando na sala: Triiiiiiimmm!

                      Um símbolo de atração perfeita é o trio jogador de futebol, maria-chuteira loira e carrão importado. Tem mais: em festa ruim só dá cerveja quente, mas não tem briga alguma – só existe briga em festa boa. Toda esquina de cidade pequena é chegada a uma fofoquinha, aliás, fofoca também combina com playground em cidade grande (o prédio todo sabe de sua vida – mais até do que você).

                      Quando você pára o carro num semáforo, preste atenção: ao lado tem sempre alguém metendo o dedo no nariz, limpando o salão (e sujando a rua – ou o próprio carro). Dedo e nariz se atraem como unhas e dentes, como criança suja de chocolate e rosto de adulto, como bolsa de madame e porta de banco travada.

                      Programa de tevê aberta no domingo só atrai controle remoto – para nós mudarmos de canal (só passa coisa ruim). Na telinha, show de final de ano combina com cantores breganejos. E Faustão não se cansa de elogiar toda pessoa que vai ao seu programa, que deveria ser chamado Domingão da Rasgação.

                      Café tem grande atração por toalha de mesa branquinha. É um desastre colocar xícara de café quente na mão de velho que não funciona mais: queima o dedo e a língua. Mas a atração mais desastrosa é a de motorista bêbado com os postes de iluminação pública. Aliás, bêbado e cachorro adoram poste – para tirar a água do joelho. É por isso que se diz por aí: alegria de poste é ficar no mato sem cachorro – e sem motorista embriagado.

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                        Marcelo Torres

                        Arquivo Geral

                        10/07/2003 0h00

                        Recebi uma relação de “coisas que se atraem”, uma lista que corre mundos via Internet, sem menção de autoria. Meti o bedelho e incluí outras coisinhas.

                        A atração que abre a lista é a de camisa branca por molho de tomate – maior atração que essa só a de Bush por uma guerra. Outra: ponta de móveis é um ímã que atrai dedo de pé – e dá aquela dorzinha danada! Essa agora é batata: jato de urina de homem e tampa de vaso sanitário (eis aí um motivo legal para separação).

                        No trânsito, o sujeitinho apressado só entra em congestionamento – e todos os semáforos da cidade se fecham para ele, coitado! E essa dói como o quê: diz-se que sapato novo atrai calo no pé. Eu acho que todo calçado novinho atrai é o nosso olhar, isso sim! A gente fica olhando só pra ver se pegou bem no pé.

                        O celular chato sempre toca em reuniões de trabalho, no cinema e no teatro. Já o telefone fixo gosta de tocar quando você já está saindo de casa, trancando a porta e com um pé ali no elevador. Quando não é na saída, é na chegada: a mão abrindo a porta, a outra segurando as compras, a bolsa despencando e… O telefone bradando na sala: Triiiiiiimmm!

                        Um símbolo de atração perfeita é o trio jogador de futebol, maria-chuteira loira e carrão importado. Tem mais: em festa ruim só dá cerveja quente, mas não tem briga alguma – só existe briga em festa boa. Toda esquina de cidade pequena é chegada a uma fofoquinha, aliás, fofoca também combina com playground em cidade grande (o prédio todo sabe de sua vida – mais até do que você).

                        Quando você pára o carro num semáforo, preste atenção: ao lado tem sempre alguém metendo o dedo no nariz, limpando o salão (e sujando a rua – ou o próprio carro). Dedo e nariz se atraem como unhas e dentes, como criança suja de chocolate e rosto de adulto, como bolsa de madame e porta de banco travada.

                        Programa de tevê aberta no domingo só atrai controle remoto – para nós mudarmos de canal (só passa coisa ruim). Na telinha, show de final de ano combina com cantores breganejos. E Faustão não se cansa de elogiar toda pessoa que vai ao seu programa, que deveria ser chamado Domingão da Rasgação.

                        Café tem grande atração por toalha de mesa branquinha. É um desastre colocar xícara de café quente na mão de velho que não funciona mais: queima o dedo e a língua. Mas a atração mais desastrosa é a de motorista bêbado com os postes de iluminação pública. Aliás, bêbado e cachorro adoram poste – para tirar a água do joelho. É por isso que se diz por aí: alegria de poste é ficar no mato sem cachorro – e sem motorista embriagado.

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                          03/07/2003 0h00

                          Antônio Vigia se diz um vigilante no sentido mais amplo da palavra – trabalha como segurança de um banco. Com ele, mulher bonita é barrada na porta giratória, como se estivesse com objeto metálico na bolsa. Por outro lado, mulher feia e homem bêbado têm passagem livre. Essa esquisitice dele não é nenhuma norma do banco, que nem sabe disso. Talvez Antônio tenha essa mania porque se casou com uma mulher feia e vive de bar em bar nas horas vagas. O vigilante diz que mulher bonita traz no ar um cheiro de perigo e traição. “Pode ver, toda mulher de quadrilha é bonita e sedutora”, garante. Em relação aos bêbados e às feiosas, ele diz que essas pessoas são inofensivas e já sofrem muito na vida. “Maltratar mulher feia ou homem bêbado é chutar cachorro morto”.

                          Quando a bonitinha vem toda se requebrando, com a bolsinha pendurada, a porta giratória é travada. E não adianta ela ficar com cara de tacho, rodar a baiana ou dar chilique. A decisão é dele, que se aproxima devagarzinho, em posição ereta, e imposta a voz: “Favor se desaproximar”. É assim que ele diz: desaproximar! Sem dúvida, um desapreço com a bela, que só quer entrar naquela joça de banco – e não tem culpa de ser bonita. Antônio continua: “Se tiver objeto metálico de metal (?), debite da bolsa e credite na caixinha”. Esse “objeto metálico de metal” é de matar. Mas até que o trocadilho entre débito e crédito é bonito, e soa poético se comparado ao bordão “Positivo-operante!”.

                          Pois bem: outro dia uma mulher feia, mas alegre, passou pela porta, aproximou-se de Antônio e propôs em desafio: “Agora você vai ter de me revistar todinha”. Ele não vacilou. Sem olhar para a moça, o vigilante respondeu impávido: “Aqui a senhora tem passagem livre”. Sem dúvida, até que foi uma saída do tipo profissional.

                          Na semana passada, João Pileque passou tão embriagado pela porta que não teve onde apoiar o corpo e acabou se esborrachando no chão, no saguão da agência. Caído, ainda resmungou revoltado: “Esta joça de boteco não tem mesa, não!”. O vigia, que estava impassível, permaneceu imóvel. Mas uma atendente solícita foi ajudar o cliente a se levantar: “O senhor quer um pouco de água?”, indagou ela, educadamente. Ingrato, o bêbado sapecou: “Eu caí de fraqueza, não foi de sede!”. Ainda assim, a moça lhe trouxe água, ele tomou um golinho quase forçado e… “Que cachaça ruim é essa, minha filha?” Ela riu, disse que era água. Pileque ficou surpreso: “Ah, é essa que é a tal da água?”. De lá do canto, o impávido vigilante não se agüentou e sorriu – até ser visto pelo colega de pé de balcão: “Você taí, rapaz! Parece que erramos de bar hoje, não?”

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                            03/07/2003 0h00

                            Antônio Vigia se diz um vigilante no sentido mais amplo da palavra – trabalha como segurança de um banco. Com ele, mulher bonita é barrada na porta giratória, como se estivesse com objeto metálico na bolsa. Por outro lado, mulher feia e homem bêbado têm passagem livre. Essa esquisitice dele não é nenhuma norma do banco, que nem sabe disso. Talvez Antônio tenha essa mania porque se casou com uma mulher feia e vive de bar em bar nas horas vagas. O vigilante diz que mulher bonita traz no ar um cheiro de perigo e traição. “Pode ver, toda mulher de quadrilha é bonita e sedutora”, garante. Em relação aos bêbados e às feiosas, ele diz que essas pessoas são inofensivas e já sofrem muito na vida. “Maltratar mulher feia ou homem bêbado é chutar cachorro morto”.

                            Quando a bonitinha vem toda se requebrando, com a bolsinha pendurada, a porta giratória é travada. E não adianta ela ficar com cara de tacho, rodar a baiana ou dar chilique. A decisão é dele, que se aproxima devagarzinho, em posição ereta, e imposta a voz: “Favor se desaproximar”. É assim que ele diz: desaproximar! Sem dúvida, um desapreço com a bela, que só quer entrar naquela joça de banco – e não tem culpa de ser bonita. Antônio continua: “Se tiver objeto metálico de metal (?), debite da bolsa e credite na caixinha”. Esse “objeto metálico de metal” é de matar. Mas até que o trocadilho entre débito e crédito é bonito, e soa poético se comparado ao bordão “Positivo-operante!”.

                            Pois bem: outro dia uma mulher feia, mas alegre, passou pela porta, aproximou-se de Antônio e propôs em desafio: “Agora você vai ter de me revistar todinha”. Ele não vacilou. Sem olhar para a moça, o vigilante respondeu impávido: “Aqui a senhora tem passagem livre”. Sem dúvida, até que foi uma saída do tipo profissional.

                            Na semana passada, João Pileque passou tão embriagado pela porta que não teve onde apoiar o corpo e acabou se esborrachando no chão, no saguão da agência. Caído, ainda resmungou revoltado: “Esta joça de boteco não tem mesa, não!”. O vigia, que estava impassível, permaneceu imóvel. Mas uma atendente solícita foi ajudar o cliente a se levantar: “O senhor quer um pouco de água?”, indagou ela, educadamente. Ingrato, o bêbado sapecou: “Eu caí de fraqueza, não foi de sede!”. Ainda assim, a moça lhe trouxe água, ele tomou um golinho quase forçado e… “Que cachaça ruim é essa, minha filha?” Ela riu, disse que era água. Pileque ficou surpreso: “Ah, é essa que é a tal da água?”. De lá do canto, o impávido vigilante não se agüentou e sorriu – até ser visto pelo colega de pé de balcão: “Você taí, rapaz! Parece que erramos de bar hoje, não?”

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                              26/06/2003 0h00

                              Tenho algumas amigas e colegas que vivem dizendo que falta homem no pedaço, que homem é espécie em extinção e coisas que tais. Até mesmo mulheres casadas, bem-amadas e bem-resolvidas, quando aconselham uma amiga solteira a dizer um “sim” a um pretendente, falam coisas como: “Aproveite, amiga, pois homem tá em falta”.

                              Por outro lado, não se vê homem reclamando da falta de mulher, mesmo que ele esteja na pindaíba, com teia de aranha na língua, aquele cara que a mulher já se assusta só de olhar. Eu mesmo (que devo ser um desses) já passei dos 30 e estou solteirinho da silva. Mas não me queixo da falta. Não. Eu reclamo é da sobra, pois estou sobrando há tempos, num zero-a-zero de bater o motor. Não estou pegando nem gripe nessas noites em que até pingüim está vestindo jaqueta pra se proteger do frio.

                              Ora, minhas caras, se há mesmo falta de homem, então por que as Piovanis e Arósios apresentam um namorado a cada capa da revista Caras? E mais: por que os versos dos Tribalistas fazem tanto sucesso entre vocês? “Não sou de ninguém, eu sou de todo mundo e todo mundo é meu também”.

                              A mulherada reclama porque quer: em todo lugar tem um cara que não pode ver perna de cadeira, que já fica logo babando: “Que pernas!” No barzinho está assim de homem que não pode ver mulher entrando na área que fica logo inquieto, doidinho pra fazer pênalti, um gol de placa.

                              Sabe qual é o problema? É que elas e eles só querem um príncipe ou uma princesa. E o Brasil, gente, não tem mais família real! A mulherada só quer os Rodrigos Santoros da vida. E a nós outros, que não somos Santoros e ficamos zanzando solitários por aí, só resta admirar perna de cadeira, peito de frango e coxa de retalhos.

                              Quem é “gente boa” está fora do páreo, pois é sinônimo de “canhão”. E não venha dizer que “o que importa é a cabeça” – interior é coisa de decorador. Quem se casa com gente feia odeia feriado, embora também se fale que remédio pra feiúra é bebida – apesar da ressaca no dia seguinte. Se virtudes valessem, os honestos tinham atrás deles um bilhão de pretendentes.

                              Ele diz que “mulher só gosta de homem descarado.” Ela fala que “homem só gosta de mulher que não presta.”

                              E uma gaiata ainda zomba: “As medidas do homem ideal são 40 X 90 X 5: 40 milhões na conta, 90 anos de idade e 5 pontes de safena”. Este homem realmente está difícil de encontrar. E só há um exemplar de Rodrigo Santoro. Para mim, o problema não é – nem nunca foi – a falta de homem. É a sobra.

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                                26/06/2003 0h00

                                Tenho algumas amigas e colegas que vivem dizendo que falta homem no pedaço, que homem é espécie em extinção e coisas que tais. Até mesmo mulheres casadas, bem-amadas e bem-resolvidas, quando aconselham uma amiga solteira a dizer um “sim” a um pretendente, falam coisas como: “Aproveite, amiga, pois homem tá em falta”.

                                Por outro lado, não se vê homem reclamando da falta de mulher, mesmo que ele esteja na pindaíba, com teia de aranha na língua, aquele cara que a mulher já se assusta só de olhar. Eu mesmo (que devo ser um desses) já passei dos 30 e estou solteirinho da silva. Mas não me queixo da falta. Não. Eu reclamo é da sobra, pois estou sobrando há tempos, num zero-a-zero de bater o motor. Não estou pegando nem gripe nessas noites em que até pingüim está vestindo jaqueta pra se proteger do frio.

                                Ora, minhas caras, se há mesmo falta de homem, então por que as Piovanis e Arósios apresentam um namorado a cada capa da revista Caras? E mais: por que os versos dos Tribalistas fazem tanto sucesso entre vocês? “Não sou de ninguém, eu sou de todo mundo e todo mundo é meu também”.

                                A mulherada reclama porque quer: em todo lugar tem um cara que não pode ver perna de cadeira, que já fica logo babando: “Que pernas!” No barzinho está assim de homem que não pode ver mulher entrando na área que fica logo inquieto, doidinho pra fazer pênalti, um gol de placa.

                                Sabe qual é o problema? É que elas e eles só querem um príncipe ou uma princesa. E o Brasil, gente, não tem mais família real! A mulherada só quer os Rodrigos Santoros da vida. E a nós outros, que não somos Santoros e ficamos zanzando solitários por aí, só resta admirar perna de cadeira, peito de frango e coxa de retalhos.

                                Quem é “gente boa” está fora do páreo, pois é sinônimo de “canhão”. E não venha dizer que “o que importa é a cabeça” – interior é coisa de decorador. Quem se casa com gente feia odeia feriado, embora também se fale que remédio pra feiúra é bebida – apesar da ressaca no dia seguinte. Se virtudes valessem, os honestos tinham atrás deles um bilhão de pretendentes.

                                Ele diz que “mulher só gosta de homem descarado.” Ela fala que “homem só gosta de mulher que não presta.”

                                E uma gaiata ainda zomba: “As medidas do homem ideal são 40 X 90 X 5: 40 milhões na conta, 90 anos de idade e 5 pontes de safena”. Este homem realmente está difícil de encontrar. E só há um exemplar de Rodrigo Santoro. Para mim, o problema não é – nem nunca foi – a falta de homem. É a sobra.

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                                  12/06/2003 0h00

                                  Feio, pobre e sem lábia, João parecia sem chance com a mulherada. Nunca teve namorada, paquera ou ficante. Por isso, era revoltado com as meninas, que o rotulavam um Mala-Sem-Alça. Bastava tomar um fora para disparar veneno contra as mulheres. “Mulher só quer saber de homem bonitinho e malhadão” – e ele não era uma coisa nem outra. “Mulher só quer saber de carro importado” – e ele só andava a pé. “Mulher só quer saber de homem que bota pra lá” – e ele não botava pra lá nem pra cá. “Quem gosta do bráulio é bicha, mulher gosta é de dinheiro” – e ele não tinha onde cair morto. O cara foi ao programa Namoro na TV, e nada. Tentou o Big Brother, mas nem sequer foi selecionado (lá também só entra gente bonita, malhada e que bota pra lá). E também ouviu os sortudos no amor. “Nenhuma mulher solteira resiste a uma boa cantada – e às vezes nem as casadas”; “Cantada boa é inteligente e romântica.” Pesquisou poemas e letras de música. Selecionou versos, decorou-os em casa e saiu à cata. Quando a primeira lindinha passou, ele cantou: “Você caiu do céu, um anjo lindo que apareceu!” A moça caiu fora, desapareceu. Veio a próxima: “Quando a luz dos olhos meus e a luz dos olhos teus…” Ela nem tchun pra ele, que disse: “Sua cega!”. A última tentativa foi com uma espevitada. “Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça”. E a sirigaita devolveu o gracejo: “Olha que coisa mais feia no meio da praça!”. No início de junho, pediu orientação a um amigo bom de saliva e que laçava as gatinhas da faculdade. O amigo orientou: “Nunca aborde uma mulher quando ela tiver indo ao banheiro”; “Não chegue sozinho em roda de mulheres”; “O melhor lugar para se abordar uma mulher é na saída do banheiro – mas só se estiver sozinha”; “Diga uma frase de efeito que desarme a mulher”. Com essas dicas, esperou ansioso pelo Dia dos Namorados, que para ele sempre era um dia de angústia e solidão. Chegou o dia esperado, a Festa dos Namorados. Ele posicionou-se em frente ao banheiro feminino, certo daquilo que iria fazer. E quando a primeira moça saiu, linda e leve, ele se aproximou. Nem lembrou dos versos, coisa antiga e cafona. Agora seria outro papo. A voz do amigo ecoava no ouvido: “Diga uma frase de efeito…”. E ele ergueu o peito, respirou fundo, encarou a gata e falou decidido: “Tava fazendo um xixizinho, hein!!”. A história tragicômica pára por aqui, pois o espaço é curto. Mas nem precisa dizer o que aconteceu depois. João até hoje não venceu os seus tabus – e continua um Mala-Sem-Alça.

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                                    12/06/2003 0h00

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                                      08/05/2003 0h00

                                      Ajoelhou, tem que rezar, senador Ribamar. Pra que o senhor foi despir um santo para vestir outro? Agora o Senado vai ter de cassar o senhor, ops! – o Senhor do Bonfim. Só pode ter sido ele o mandante dos grampos ilegais na Bahia. E tem que ser dupla punição: perda do título de santo e cassação do mandato de padroeiro da Bahia. Se ACM não tem culpa no cartório, o crime só pode ter sido cometido pelo Senhor do Bonfim. Foi ACM quem disse: “Toda graça ou desgraça que há na Bahia é atribuída a mim ou ao Senhor do Bonfim”. E como o santo não se pronunciou, nem mandou carta ao finado Conselho de Ética, perdeu à revelia, vale o dito pelo não dito. Se a desgraceira no caminho da feira não foi arte de ACM, só pode ser obra e graça do Senhor do Bonfim. O motivo? Ciúme, que mais poderia ser? O santo ficou com ciúme do amor da Bahia por Antônio Carlos e deste pela Bahia.

                                      Não se avexe não, seu Ribamar, se o santo pedir foro privilegiado, mande o processo lá pra riba, pro Supremo Tribunal Celestial (STC), ou para a Corte de Justiça do Inferno – lá as coisas devem ser mais sérias e céleres. Outra opção é mandar o abacaxi para a Assembléia Legislativa da Bahia descascar. Dois terços dos deputados baianos rezam no terço de ACM; e, como eles abriram uma CPI da qual até Deus duvidava, um processo de cassação do Senhor do Bonfim vai cair do céu, e eles “vão lavar a jega” (o que significa sair no lucro). E vai ser criada uma lei canonizando ACM e substituindo o padroeiro do Estado da Bahia. Agora, Santo Antônio Carlos Magalhães será o padroeiro de fato e de direito. Ele já era o rei da cocada preta, pois a Bahia tem governador desde mil novecentos e antigamente, mas quem mandou sempre foi ele.

                                      Obra de Deus ou arte do capeta? Toda graça ou desgraça na Bahia tem um carimbo: ou é obra de ACM ou é arte do Senhor do Bonfim. Foi ACM quem levou o mar para a Bahia, antes de Conselheiro dizer: “O sertão vai virar mar, o mar vai virar sertão”. Foi Antônio Carlos quem atraiu (e não traiu) Pedro Álvares Cabral em 1500. E foi ACM quem inventou o acarajé e o trio elétrico. Então viva Santo Antônio Carlos Magalhães. E casse-se o Senhor do Bonfim. É justo, Justo Veríssimo. Parabéns, Ribamar Sarney. Afinal, alguém tinha de dar um fim nesse arranca-rabo apimentado, uma guerra entre Deus e o diabo na terra de Glauber. Salve-se ACM. E “morreu maria-preá”, como dizemos nós, os baianos.

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                                        Não se avexe não, seu Ribamar, se o santo pedir foro privilegiado, mande o processo lá pra riba, pro Supremo Tribunal Celestial (STC), ou para a Corte de Justiça do Inferno – lá as coisas devem ser mais sérias e céleres. Outra opção é mandar o abacaxi para a Assembléia Legislativa da Bahia descascar. Dois terços dos deputados baianos rezam no terço de ACM; e, como eles abriram uma CPI da qual até Deus duvidava, um processo de cassação do Senhor do Bonfim vai cair do céu, e eles “vão lavar a jega” (o que significa sair no lucro). E vai ser criada uma lei canonizando ACM e substituindo o padroeiro do Estado da Bahia. Agora, Santo Antônio Carlos Magalhães será o padroeiro de fato e de direito. Ele já era o rei da cocada preta, pois a Bahia tem governador desde mil novecentos e antigamente, mas quem mandou sempre foi ele.

                                        Obra de Deus ou arte do capeta? Toda graça ou desgraça na Bahia tem um carimbo: ou é obra de ACM ou é arte do Senhor do Bonfim. Foi ACM quem levou o mar para a Bahia, antes de Conselheiro dizer: “O sertão vai virar mar, o mar vai virar sertão”. Foi Antônio Carlos quem atraiu (e não traiu) Pedro Álvares Cabral em 1500. E foi ACM quem inventou o acarajé e o trio elétrico. Então viva Santo Antônio Carlos Magalhães. E casse-se o Senhor do Bonfim. É justo, Justo Veríssimo. Parabéns, Ribamar Sarney. Afinal, alguém tinha de dar um fim nesse arranca-rabo apimentado, uma guerra entre Deus e o diabo na terra de Glauber. Salve-se ACM. E “morreu maria-preá”, como dizemos nós, os baianos.

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                                          24/04/2003 0h00

                                          Quando todo mundo pensava que o vocativo “companheiros e companheiras” iria ser institucionalizado, o presidente acha de mudar o discurso. Agora, ao invés de “companheiros e companheiras”, Lula fala “meus amigos e minhas amigas” (isso só pode ter o dedo do Duda Mendonça!). Justo agora, quando os brasileiros começavam a saudar uns aos outros como companheiros e companheiras! Logo agora, quando patrão começava a tratar peão como companheiro!

                                          Tudo bem, Vossa Excelência hoje é presidente de todos os brasileiros, e não apenas dos companheiros. Mas esse negócio de “meus amigos e minhas amigas” não cola. Vossa Excelência, apesar dos 51 milhões de votos, não é amigo de todos os brasileiros. Eu mesmo, presidente, não sou seu amigo, apesar de ter votado no senhor a vida toda. E mais: se Vossa Excelência tem mesmo amigos, estes só podem ser os três zés: Zé Dirceu, que é “seu”, não é meu; Zé Genoíno, o incendiário que virou bombeiro; e Zé Sarney, que já deve estar se filiando ao PT.

                                          É claro que Lula não vai fazer como Collor, que chamava a todos de “minha gente”, como se fôssemos gente dele. Também não vai saudar o povo de uma forma fria e seca: “Senhoras e Senhores”. Isso não! O Duda sabe que hoje em dia ninguém quer ser chamado de senhor ou senhora. “O Senhor tá no céu”, reage o coroa. “Senhora é a vovozinha”, ofende-se a perua quarentona. (Tratar os mais velhos de “senhor” é um sinal de respeito, mas hoje é como se fosse o contrário, um desrespeito.) Com todo respeito, chamar a todos de “amigos e amigas” só pode ser plágio de ACM (outro amigo do presidente).

                                          E já que Lula é a cara (e o cara) do Brasil, a saudação poderia ser: “Meus caros e minhas caras!”. Haveria saudação mais próxima do povo? Cara é pessoa querida, amada, tida em grande estima e valor. O presidente falaria “meus caros e minhas caras” e o brasileiro comum, diante da TV (como diante do espelho), com a cara cheia de satisfação. Porém, presidente, como Vossa Excelência gosta de quebrar formalismos, sugiro duas frases. A primeira é: “Gente que come e gente que tem fome”. Poderia haver vocativo mais poético, sonoro e simbólico?

                                          Se, contudo, Vossa Excelência não gostar, sugiro outro: “Cidadãos e cidadoas”. Cidadoas, sim, qual o problema? É a língua do povo. Toda senhora ou senhorita, empregada ou patroa, perua ou patricinha, gente má ou gente boa… é cidadoa (pode olhar no Aurélio). “Cidadãos e cidadoas” é bem melhor que “amigos e amigas”. Até porque, presidente, o senhor não tem amigos – presidente não tem amigo. Lembro muito bem de uma de suas queixas no dia da posse: “Nas minhas derrotas eleitorais, nunca recebi um telefonema sequer”. Portanto, meu caro, chame a todos nós de cidadãos… e cidadoas. Numa boa.

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                                            Tudo bem, Vossa Excelência hoje é presidente de todos os brasileiros, e não apenas dos companheiros. Mas esse negócio de “meus amigos e minhas amigas” não cola. Vossa Excelência, apesar dos 51 milhões de votos, não é amigo de todos os brasileiros. Eu mesmo, presidente, não sou seu amigo, apesar de ter votado no senhor a vida toda. E mais: se Vossa Excelência tem mesmo amigos, estes só podem ser os três zés: Zé Dirceu, que é “seu”, não é meu; Zé Genoíno, o incendiário que virou bombeiro; e Zé Sarney, que já deve estar se filiando ao PT.

                                            É claro que Lula não vai fazer como Collor, que chamava a todos de “minha gente”, como se fôssemos gente dele. Também não vai saudar o povo de uma forma fria e seca: “Senhoras e Senhores”. Isso não! O Duda sabe que hoje em dia ninguém quer ser chamado de senhor ou senhora. “O Senhor tá no céu”, reage o coroa. “Senhora é a vovozinha”, ofende-se a perua quarentona. (Tratar os mais velhos de “senhor” é um sinal de respeito, mas hoje é como se fosse o contrário, um desrespeito.) Com todo respeito, chamar a todos de “amigos e amigas” só pode ser plágio de ACM (outro amigo do presidente).

                                            E já que Lula é a cara (e o cara) do Brasil, a saudação poderia ser: “Meus caros e minhas caras!”. Haveria saudação mais próxima do povo? Cara é pessoa querida, amada, tida em grande estima e valor. O presidente falaria “meus caros e minhas caras” e o brasileiro comum, diante da TV (como diante do espelho), com a cara cheia de satisfação. Porém, presidente, como Vossa Excelência gosta de quebrar formalismos, sugiro duas frases. A primeira é: “Gente que come e gente que tem fome”. Poderia haver vocativo mais poético, sonoro e simbólico?

                                            Se, contudo, Vossa Excelência não gostar, sugiro outro: “Cidadãos e cidadoas”. Cidadoas, sim, qual o problema? É a língua do povo. Toda senhora ou senhorita, empregada ou patroa, perua ou patricinha, gente má ou gente boa… é cidadoa (pode olhar no Aurélio). “Cidadãos e cidadoas” é bem melhor que “amigos e amigas”. Até porque, presidente, o senhor não tem amigos – presidente não tem amigo. Lembro muito bem de uma de suas queixas no dia da posse: “Nas minhas derrotas eleitorais, nunca recebi um telefonema sequer”. Portanto, meu caro, chame a todos nós de cidadãos… e cidadoas. Numa boa.

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