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Jorge Eduardo Antunes

Arquivo Geral

21/07/2003 0h00

Adamastor sempre foi um cara malandro. Criado nos costados de Bonsucesso, notabilizou-se por faturar as melhores mulheres com a lábia tradicional do suburbano esperto. Mas, como diz a gíria de malandro, um dia a caxanga (casa) cai.

A referida queda aconteceu na semana passada. Integrado recentemente ao mundo da Internet, ele acabou sendo vítima de um dos maiores logros da rede, a chamada propaganda enganosa. E caiu como um bom malandro, de pé.

A situação deu-se da seguinte maneira: Adamastor recebeu um e-mail em seu computador de trabalho (já diz Chico Buarque que malandro, hoje em dia, trabalha, mora lá longe e chacoalha num trem da Central). Na mensagem eletrônica, ele viu uma loura maravilhosa, de 1,80m, anunciando seus préstimos por módicos R$ 500. Juntou dinheiro daqui e dali, mas resolveu que iria torrar sua grana naquelas carnes.

Ligou e marcou encontro no Hotel Copacabana Palace, onde a beldade estava instalada. Ouviu uma voz doce e meiga no telefone, absolutamente encantadora, com leve sotaque mineiro. Em poucos minutos seu carro estava estacionado na praia de Copacabana e ele ingressava no edifício anexo ao Copa.

Chegando ao apê, deu de cara com uma estranha penumbra e uma luz indireta, apesar do sol carioca, sempre convidativo. A voz já não tinha o sotaque mineiro. Era gaúcha. E a loura espetacular não era tão espetacular assim. Aliás, nem se parecia com a foto. Mas, sabe como é, há sempre um programa para melhorar as damas. Que o diga a Playboy, campeã de vender mulheres que não existem. Haja Photoshop.

Mesmo assim, já que estava na cara do gol, e sendo um bom malandro, Adamastor não perdoou. Afinal, já havia perdido os R$ 500 mesmo. O que restava, então, era aproveitar. E assim foi feito, pois a moça era ardente e proporcionou a ele um sexo de excelente qualidade. Só que com um detalhe: sequer desmanchou a cama. Transaram ele em pé, ela de quatro na cama, com a colcha impecavelmente esticada.

Mal terminou o primeiro round, a moça pulou da cama como uma flecha, mesmo com Adamastor desmanchando-se em carinhos, esperançoso numa segunda transa, que reduziria, no seu pensamento, o prejuízo, pois duas por R$ 500 é bem melhor que apenas a primeira.

Só que a loura correu ao banheiro e de lá falou a frase capital, segundo ele. “Ela me perguntou se eu queria tomar banho. Quem se relaciona com as moças da noite sabe que essa é a senha para dizer que acabou”, disse.

Bom malandro não berra, e Adamastor juntou os trapinhos, tomou banho, deu um beijo na moça e vazou. Não sem antes ouvir que, se ele quisesse voltar, pagaria menos, por ser compreensivo. “Mas aprendi mais uma, chefia. Nesta tal de Internet não confio mais. Mulher, agora, só olhando na cara”, disse o sábio.

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    Jorge Eduardo Antunes

    Arquivo Geral

    21/07/2003 0h00

    Adamastor sempre foi um cara malandro. Criado nos costados de Bonsucesso, notabilizou-se por faturar as melhores mulheres com a lábia tradicional do suburbano esperto. Mas, como diz a gíria de malandro, um dia a caxanga (casa) cai.

    A referida queda aconteceu na semana passada. Integrado recentemente ao mundo da Internet, ele acabou sendo vítima de um dos maiores logros da rede, a chamada propaganda enganosa. E caiu como um bom malandro, de pé.

    A situação deu-se da seguinte maneira: Adamastor recebeu um e-mail em seu computador de trabalho (já diz Chico Buarque que malandro, hoje em dia, trabalha, mora lá longe e chacoalha num trem da Central). Na mensagem eletrônica, ele viu uma loura maravilhosa, de 1,80m, anunciando seus préstimos por módicos R$ 500. Juntou dinheiro daqui e dali, mas resolveu que iria torrar sua grana naquelas carnes.

    Ligou e marcou encontro no Hotel Copacabana Palace, onde a beldade estava instalada. Ouviu uma voz doce e meiga no telefone, absolutamente encantadora, com leve sotaque mineiro. Em poucos minutos seu carro estava estacionado na praia de Copacabana e ele ingressava no edifício anexo ao Copa.

    Chegando ao apê, deu de cara com uma estranha penumbra e uma luz indireta, apesar do sol carioca, sempre convidativo. A voz já não tinha o sotaque mineiro. Era gaúcha. E a loura espetacular não era tão espetacular assim. Aliás, nem se parecia com a foto. Mas, sabe como é, há sempre um programa para melhorar as damas. Que o diga a Playboy, campeã de vender mulheres que não existem. Haja Photoshop.

    Mesmo assim, já que estava na cara do gol, e sendo um bom malandro, Adamastor não perdoou. Afinal, já havia perdido os R$ 500 mesmo. O que restava, então, era aproveitar. E assim foi feito, pois a moça era ardente e proporcionou a ele um sexo de excelente qualidade. Só que com um detalhe: sequer desmanchou a cama. Transaram ele em pé, ela de quatro na cama, com a colcha impecavelmente esticada.

    Mal terminou o primeiro round, a moça pulou da cama como uma flecha, mesmo com Adamastor desmanchando-se em carinhos, esperançoso numa segunda transa, que reduziria, no seu pensamento, o prejuízo, pois duas por R$ 500 é bem melhor que apenas a primeira.

    Só que a loura correu ao banheiro e de lá falou a frase capital, segundo ele. “Ela me perguntou se eu queria tomar banho. Quem se relaciona com as moças da noite sabe que essa é a senha para dizer que acabou”, disse.

    Bom malandro não berra, e Adamastor juntou os trapinhos, tomou banho, deu um beijo na moça e vazou. Não sem antes ouvir que, se ele quisesse voltar, pagaria menos, por ser compreensivo. “Mas aprendi mais uma, chefia. Nesta tal de Internet não confio mais. Mulher, agora, só olhando na cara”, disse o sábio.

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      Jorge Eduardo Antunes

      Arquivo Geral

      07/07/2003 0h00

      Há alguns anos conheci o Davi. Seu nome, na verdade, é Godofredo. Ele se parece com o ator David Cardoso (o Rei das Pornochanchadas dos anos 70, que atuou em mais de 60 filmes, entre eles Amadas e Violentadas e Sedução, além de A Moreninha, com Sônia Braga, e da novela O Homem Proibido, na Globo). A diferença é que o Davi carioca mede 30 centímetros a mais que o ator sul-mato-grossense, além de ser mais novo.

      Mas meu amigo carioca, que é fotógrafo, tem outra semelhança com o ator: o gosto pelo exotismo. Se o David Cardoso original largou tudo para viver no Pantanal (no que não estava errado, pois a região é linda), o clone carioca tem como estranheza uma inusitada coleção: a de pêlos. Mais precisamente de pêlos íntimos femininos.

      Descobri essa exótica predileção em um bate-papo com ele. Após algumas cervejas, ele confessou a estranha mania.

      – Coleciono desde menino. E você sabe como é, quem começou a vida sexual nos anos 70 tem uma preferência pela mulheres mais naturais, sem tanta história de depilação – disse, relatando ainda a emoção ao ver a Playboy de uma certa atriz de TV, bem ao estilo dele.

      – E tem mais: os pêlos andam aqui na carteira. Quer ver só? – perguntou, já sacando-a do bolso traseiro da calça e desembainhando, do recipiente para moedas, um tufo de pêlos de procedência duvidosa.

      – Esse louro é da Mariel, lá do jornal. Este aqui, tradicional, é da Amparo, aquela mulata da escola de samba que eu fotografei no carnaval. Esse ruivinho aqui eu acho que é pintado. Olha só como a tonalidade é diferente – exibiu.

      Animado, ele ia desfilando aqueles pêlos todos na mesa do bar, mergulhado nas reminiscências de seu passado. Num dado momento, disparou:

      – Esse é da minha deusa, a Paula. Nunca vi uma mulher como aquela na cama. Transei com ela uma vez só e ela não me deixou tocar lá. Só quis do outro lado, pois era virgem e queria casar assim. Catei o pêlo na cama, quando ela foi ao banheiro. Que saudade… Nem sei o que faria se…

      De repente ele emudeceu. Perguntei o que acontecera e ele confessou que a Paula estava no restaurante e passara pela mesa. Apontou onde ela estava e, decepcionado, lamentou que ela não o viu. Olhei rapidamente. Era uma morena exuberante, mas com algo estranho. Não dei bola e me levantei, rumo ao banheiro. Ela seguiu na direção. Na porta dos toaletes ela disparou a cantada, em voz semitonada, por uma garganta onde saltava aos olhos um pomo-de-adão.

      – E aí, gatinho, vai querer provar da mesma fruta que teu amigo já saboreou?

      Não respondi a ela, que entrou no banheiro feminino. Também não tive coragem de dizer ao Davi que Paula, sua paixão inesquecível, na verdade, era Paulo. Piedade de amigo.

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        Jorge Eduardo Antunes

        Arquivo Geral

        07/07/2003 0h00

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        Mas meu amigo carioca, que é fotógrafo, tem outra semelhança com o ator: o gosto pelo exotismo. Se o David Cardoso original largou tudo para viver no Pantanal (no que não estava errado, pois a região é linda), o clone carioca tem como estranheza uma inusitada coleção: a de pêlos. Mais precisamente de pêlos íntimos femininos.

        Descobri essa exótica predileção em um bate-papo com ele. Após algumas cervejas, ele confessou a estranha mania.

        – Coleciono desde menino. E você sabe como é, quem começou a vida sexual nos anos 70 tem uma preferência pela mulheres mais naturais, sem tanta história de depilação – disse, relatando ainda a emoção ao ver a Playboy de uma certa atriz de TV, bem ao estilo dele.

        – E tem mais: os pêlos andam aqui na carteira. Quer ver só? – perguntou, já sacando-a do bolso traseiro da calça e desembainhando, do recipiente para moedas, um tufo de pêlos de procedência duvidosa.

        – Esse louro é da Mariel, lá do jornal. Este aqui, tradicional, é da Amparo, aquela mulata da escola de samba que eu fotografei no carnaval. Esse ruivinho aqui eu acho que é pintado. Olha só como a tonalidade é diferente – exibiu.

        Animado, ele ia desfilando aqueles pêlos todos na mesa do bar, mergulhado nas reminiscências de seu passado. Num dado momento, disparou:

        – Esse é da minha deusa, a Paula. Nunca vi uma mulher como aquela na cama. Transei com ela uma vez só e ela não me deixou tocar lá. Só quis do outro lado, pois era virgem e queria casar assim. Catei o pêlo na cama, quando ela foi ao banheiro. Que saudade… Nem sei o que faria se…

        De repente ele emudeceu. Perguntei o que acontecera e ele confessou que a Paula estava no restaurante e passara pela mesa. Apontou onde ela estava e, decepcionado, lamentou que ela não o viu. Olhei rapidamente. Era uma morena exuberante, mas com algo estranho. Não dei bola e me levantei, rumo ao banheiro. Ela seguiu na direção. Na porta dos toaletes ela disparou a cantada, em voz semitonada, por uma garganta onde saltava aos olhos um pomo-de-adão.

        – E aí, gatinho, vai querer provar da mesma fruta que teu amigo já saboreou?

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          Jorge Eduardo Antunes

          Arquivo Geral

          30/06/2003 0h00

          A vida é engraçada. Uma hora estamos aqui, felizes. Na outra, partimos para a outra vida e deixamos todo mundo na saudade. Por isso, viver bem é o lema do meu grupo de amigos. A gente vai levando a vida e deixando ela nos levar, no melhor estilo Zeca Pagodinho, embora ninguém tenha um CD dele. A vida é boa, pois nela a gente conhece e sente um monte de prazeres. Bebe refrigerante, cerveja, uísque. Come arroz, feijão, carne moída, caviar, batata frita, macarrão. Transa com louras, morenas, ruivas, mulatas, negras, asiáticas. E ama. Ama mulher, filhos, amigos, vizinhos, pais, avós, amigos. Amar é bom demais. Não sei dizer, caro leitor, o que é melhor na vida. Beijo de filho é bom demais, assim como o de mulher, só que esse tem um gosto diferente. É igual ao macarrão de casa e o do restaurante. Os dois têm seus encantos, mas um provoca mais o paladar. Cafuné de mãe é coisa de gênio, assim como bronca de pai (aquela que ele quer mesmo é rir da besteira que você fez). Picolé de limão comido às mordidas na beira da praia é bom, assim como camarão no espeto, mate-limão e passar filtro solar na mulher. Jantar a dois é bom demais, ainda mais se for fondue em rodízio. Só não dá para pensar em bobagem depois, já que a barriga inchada de tanto comer impedirá a saliência. Um vinhozinho em casa com a patroa também é supimpa. Futebol no Maracanã é um êxtase, embora eu prefira São Januário. Mas uma peladinha num campo careca e poeirento pode ter a dimensão de uma final de Copa do Mundo – que é emocionante, ainda mais quando o Brasil é campeão. Tem coisa mais gratificante que gritar “É campeão”? Deve ter. A vida é mesmo uma mistura de cores (verde), sabores (da laranja), cheiros (de carro novo), gestos (carinho no rosto), medos (de não conseguir chegar lá), anseios (o de dar certo). Por isso, viver é intrigante, instigante, apaixonante. Por isso não queremos e não nos conformamos em morrer e nem em ver os outros (especialmente os amigos) morrerem. A vida é boa, generosa, amiga, mesmo quando ela nos pune com o sofrimento. Viver é o significado de tudo, de ser, de saber, de aprender. Desculpe, caro leitor, acostumado às histórias apimentadas que conto, mas, hoje, não consigo me lembrar de nenhuma. A ausência de um amigo dói demais. Mesmo a de um amigo recente, como o Hamilton, que partiu sexta-feira. Sem querer, no fim da coluna, descobri o sentido da vida. São os amigos, sejam eles filhos, pais, esposa ou os parceiros de trabalho, como o Paulão, o Massimo, o Sylvio, o Paulinho, o Lauro, o Toninho (que não vejo há um tempão), o William (outro que não vejo mais), o Ricardo, o Rodrigo, o Marcelinho, o Agner, o Lupa, o Bob, o André e um monte de gente que eu gosto. Meus amigos, minha segunda família.

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            30/06/2003 0h00

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              23/06/2003 0h00

              Para quem não lembra da coluna da semana passada, aí vai um resumo: Netto, meu amigo fotógrafo, foi preso após debochar de um policial rodoviário que caiu de cara numa poça de lama. Ao chegar na delegacia, o patrulheiro disse ao policial civil para enquadrar o gozador. Mas o detetive, um velho surdo, entendeu para prender o estuprador e Netto foi levado à cela dos criminosos perigosos. Lá, foi salvo pelo berro do xerife local, o Ladrão Peruano, que dizia para que os outros presos não tocassem nele.

              A salvação era só aparente. O Ladrão Peruano, na verdade, conhecia Netto de uma reportagem. E começou um papo estranho. “Eu te conheço, garoto. Você já me fotografou, lembra? Foi quando eu fui preso a primeira vez, embaixo da cama. Você até me esculachou na delegacia. E agora está aqui, por estupro? Quem diria… É a hora da volta…”, disse, para desespero do meu amigo.

              “Que é isso, seu Peruano… o senhor sabe como é reportagem de polícia… Se a gente não esculacha, os canas pegam no nosso pé… E não tem essa de estupro, que não sou homem de fazer essas coisas… Êpa, tira a mão daí…”, disse, assustado com o cerco do Ladrão Peruano, que colocara a mão na cintura dele.

              Como o clima parecia insustentável e a curra inevitável, em vez de relaxar, Netto resolveu encarar. Mirou o nariz do Ladrão Peruano e tascou-lhe um soco. Depois, com uma saraivada de golpes, nocauteou o bandidaço e brigou com metade da cela, arriando vários. Nada como a vontade de defender a própria honra para descobrir nele um misto vitaminado de Karatê Kid com Rock, um lutador.

              A pancadaria, que rendeu alguns hematomas, chamou a atenção dos carcereiros e um deles, reconhecendo o Netto, o tirou do meio do inferno. Colocou-o em uma sala especial e esclareceu a confusão. Permitiu a ele que ligasse para os advogados do jornal e, em poucas horas, ele deixou a delegacia, macho e viril como sempre, mas preocupado com possíveis retaliações dos perigosos bandidos.

              O que se sucedeu, no entanto, foi algo inesperado. Um ano depois ele recebeu uma ligação no jornal. Do outro lado da linha, macio, o Ladrão Peruano. Estava solto e queria falar com o cara que amassara seu rosto.

              Netto evitou o encontro, mas um dia deu de cara com o bandido na porta do jornal. Acreditando viver os últimos segundos de sua existência, ele resolveu falar com o sujeito.

              “O que você quer?”, perguntou Netto.

              “Queria te ver… Desde o dia em que você me bateu não te tiro da cabeça… Você foi tão másculo, tão valente, que me apaixonei…”

              Foi o fim do mito do Ladrão Peruano. E, para Netto, o motivo que faltava para se mudar de Rondônia de volta ao Rio. Seria para esquecer a paixão?

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                A salvação era só aparente. O Ladrão Peruano, na verdade, conhecia Netto de uma reportagem. E começou um papo estranho. “Eu te conheço, garoto. Você já me fotografou, lembra? Foi quando eu fui preso a primeira vez, embaixo da cama. Você até me esculachou na delegacia. E agora está aqui, por estupro? Quem diria… É a hora da volta…”, disse, para desespero do meu amigo.

                “Que é isso, seu Peruano… o senhor sabe como é reportagem de polícia… Se a gente não esculacha, os canas pegam no nosso pé… E não tem essa de estupro, que não sou homem de fazer essas coisas… Êpa, tira a mão daí…”, disse, assustado com o cerco do Ladrão Peruano, que colocara a mão na cintura dele.

                Como o clima parecia insustentável e a curra inevitável, em vez de relaxar, Netto resolveu encarar. Mirou o nariz do Ladrão Peruano e tascou-lhe um soco. Depois, com uma saraivada de golpes, nocauteou o bandidaço e brigou com metade da cela, arriando vários. Nada como a vontade de defender a própria honra para descobrir nele um misto vitaminado de Karatê Kid com Rock, um lutador.

                A pancadaria, que rendeu alguns hematomas, chamou a atenção dos carcereiros e um deles, reconhecendo o Netto, o tirou do meio do inferno. Colocou-o em uma sala especial e esclareceu a confusão. Permitiu a ele que ligasse para os advogados do jornal e, em poucas horas, ele deixou a delegacia, macho e viril como sempre, mas preocupado com possíveis retaliações dos perigosos bandidos.

                O que se sucedeu, no entanto, foi algo inesperado. Um ano depois ele recebeu uma ligação no jornal. Do outro lado da linha, macio, o Ladrão Peruano. Estava solto e queria falar com o cara que amassara seu rosto.

                Netto evitou o encontro, mas um dia deu de cara com o bandido na porta do jornal. Acreditando viver os últimos segundos de sua existência, ele resolveu falar com o sujeito.

                “O que você quer?”, perguntou Netto.

                “Queria te ver… Desde o dia em que você me bateu não te tiro da cabeça… Você foi tão másculo, tão valente, que me apaixonei…”

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                  16/06/2003 0h00

                  Nessa vida de jornalista conheci um monte de gente interessante e muitos malucos. Um deles é o Netto, um carioca que vive em Rondônia e foi meu colega na faculdade. Optou pela fotografia e acabou atravessando o País em busca de emprego. Mas sempre se metendo em confusão, sua maior especialidade desde os tempos de menino.

                  A mais recente ocorreu há um ano e acabou por marcar seu destino. Netto saiu de manhã para trabalhar e deu de cara com a pauta: cobrir o governador em solenidade numa estrada de administração federal. Até aí, nada demais. Mas, chegando lá, os jornalistas e fotógrafos depararam-se com um protesto. Índios fecharam a estrada e exigiam a demarcação de suas terras. Com a presença do governador no local, o clima era explosivo. Prato cheio para Netto se meter numa confusão. E ele não se fez de rogado. Primeiro, encrespou com um índio, acusando-o de cercear o trabalho da imprensa. Depois foi a vez de pegar briga com um PM de Rondônia, por “estar no meio do meu enquadramento”. Por fim, a coisa esquentou de vez. Netto meteu-se com um policial rodoviário. Tudo porque, no meio da baderna, o cara o empurrou. Indignado, Netto começou a bater boca com o patrulheiro.

                  – Só podia ser puliça mesmo… Seu grosso…

                  Netto tinha certa razão, pois o patrulheiro, que baixara a borduna em um índio, começou a arrumar um jeito de prender o Netto. A chance veio quando o policial rodoviário se meteu, de propósito, na frente da lente do Netto, que retribuiu a gentileza com outro palavrão. Já babando, o tira resolveu dar um soco no meu amigo, mas errou o passo e caiu de cara numa poça de lama na beira da estrada. Vendo a cena, Netto resolveu tripudiar um pouquinho do patrulheiro. – Aí puliça, torces para o Palmeiras? Cara de porco você já tem… A gracinha saiu cara, pois Netto foi preso imediatamente por desacato à autoridade. Encaminhado à delegacia, seus problemas (ou soluções) estavam apenas começando. Na hora do registro, o patrulheiro rodoviário disse ao policial civil para enquadrar o gozador. Mas o detetive, um velhinho meio surdo, entendeu para prender o estuprador… Netto foi levado à chamada cela do boi, aquela dos criminosos mais perigosos. Não adiantou nem o argumento de que era jornalista, tinha curso superior e direito à prisão especial. O destino parecia pregar nele uma peça de custo altíssimo. Mas eis que surge seu salvador. Quando todos já babavam pelo rapaz e gritavam que vinha “carne nova”, do fundo da cela ecoou a voz do xerife local, o mitológico Ladrão Peruano. “No menino ninguém toca”, gritou, calando a massa. A aparente salvação, no entanto, era o começo do problema para Netto. Continua semana que vem

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                    16/06/2003 0h00

                    Nessa vida de jornalista conheci um monte de gente interessante e muitos malucos. Um deles é o Netto, um carioca que vive em Rondônia e foi meu colega na faculdade. Optou pela fotografia e acabou atravessando o País em busca de emprego. Mas sempre se metendo em confusão, sua maior especialidade desde os tempos de menino.

                    A mais recente ocorreu há um ano e acabou por marcar seu destino. Netto saiu de manhã para trabalhar e deu de cara com a pauta: cobrir o governador em solenidade numa estrada de administração federal. Até aí, nada demais. Mas, chegando lá, os jornalistas e fotógrafos depararam-se com um protesto. Índios fecharam a estrada e exigiam a demarcação de suas terras. Com a presença do governador no local, o clima era explosivo. Prato cheio para Netto se meter numa confusão. E ele não se fez de rogado. Primeiro, encrespou com um índio, acusando-o de cercear o trabalho da imprensa. Depois foi a vez de pegar briga com um PM de Rondônia, por “estar no meio do meu enquadramento”. Por fim, a coisa esquentou de vez. Netto meteu-se com um policial rodoviário. Tudo porque, no meio da baderna, o cara o empurrou. Indignado, Netto começou a bater boca com o patrulheiro.

                    – Só podia ser puliça mesmo… Seu grosso…

                    Netto tinha certa razão, pois o patrulheiro, que baixara a borduna em um índio, começou a arrumar um jeito de prender o Netto. A chance veio quando o policial rodoviário se meteu, de propósito, na frente da lente do Netto, que retribuiu a gentileza com outro palavrão. Já babando, o tira resolveu dar um soco no meu amigo, mas errou o passo e caiu de cara numa poça de lama na beira da estrada. Vendo a cena, Netto resolveu tripudiar um pouquinho do patrulheiro. – Aí puliça, torces para o Palmeiras? Cara de porco você já tem… A gracinha saiu cara, pois Netto foi preso imediatamente por desacato à autoridade. Encaminhado à delegacia, seus problemas (ou soluções) estavam apenas começando. Na hora do registro, o patrulheiro rodoviário disse ao policial civil para enquadrar o gozador. Mas o detetive, um velhinho meio surdo, entendeu para prender o estuprador… Netto foi levado à chamada cela do boi, aquela dos criminosos mais perigosos. Não adiantou nem o argumento de que era jornalista, tinha curso superior e direito à prisão especial. O destino parecia pregar nele uma peça de custo altíssimo. Mas eis que surge seu salvador. Quando todos já babavam pelo rapaz e gritavam que vinha “carne nova”, do fundo da cela ecoou a voz do xerife local, o mitológico Ladrão Peruano. “No menino ninguém toca”, gritou, calando a massa. A aparente salvação, no entanto, era o começo do problema para Netto. Continua semana que vem

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                      Jorge Eduardo Antunes

                      Arquivo Geral

                      09/06/2003 0h00

                      Esta história não aconteceu comigo, mas me orgulharia de tê-la no currículo. O protagonista é um dos meus maiores amigos, senão o maior, o Pança. Na época ele não podia ser chamado exatamente assim, visto que suas formas não estavam tão arredondadas como ultimamente. E como não era casadão, metia-se em aventuras que, na maioria das vezes, davam erradas. Foi assim quando decidiu ter “um pouco mais de espaço” no relacionamento com Lilian, uma polaca moradora de Copacabana que ele namorava havia dois anos. Saturado da rotina, ele planejou uma festinha com os amigos num sítio, junto com várias coleguinhas de faculdade. Disse à namorada que ia visitar uma tia doente em São Paulo e rumou em direção aos prazeres mundanos de Raiz da Serra, localidade pacata do Rio. Chegando lá, tudo transcorreu como de costume. As moças, dadivosas, proporcionaram aos rapazes muito mais que um simples churrasco. Pança, naturalmente sedutor e um tanto exibido, resolveu mostrar seus dotes de atleta mergulhando numa pequena lagoa do sítio, que tinha cerca de dois metros de profundidade.

                      À medida que o dia ia passando, Pança, assim como os outros amigos, iam aumentando o grau etílico de seus corpos aos poucos. Na mesma proporção, os mergulhos ficavam mais ousados e relaxados. Por sorte, ninguém se feriu. Mas o dia não ficaria sem um incidente. Pança, justamente ele, deu um mortal com os óculos de sol – claro que eram presente de Lilian – e, na volta, emergiu desoculado. O incidente fez com que todos maneirassem a bebida e passassem parte da tarde atrás dos óculos, que, claro, não foram localizados por nenhum dos bebuns. Conformado, Pança inventou a mentira de que perdera os óculos dormindo no ônibus, na volta. A mentira foi contada e aceita sem problemas e iria ser apenas uma historinha banal não fosse o trágico desfecho. Meses depois, Pança voltou à cena do crime. Desta vez com Lilian e um conjunto de mergulho, que consistia de pés-de-pato, máscara e snorkel, aquele tubo para respiração em mergulhos. O brinquedinho foi a atração da tarde, com todos os casais se revezando nos mergulhos na lagoa. Até que Juca, outro amigo nosso, teve o supremo azar de achar os óculos. Empolgado com a descoberta no fundo lodoso da lagoa escura, ele veio à tona, gritando a plenos pulmões:

                      – Pança, Pança… Achei teus óculos!!! Imediatamente, Lilian virou para o namorado com aquele olhar típico da reprovação feminina. Mas o hábil gordinho foi mais rápido e humorado.

                      – Procura aí, agora, o ônibus. Ele tá em algum lugar, Juca! Pelo bom humor e savoir-vivre, Pança levou o perdão. E virou história…

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                        À medida que o dia ia passando, Pança, assim como os outros amigos, iam aumentando o grau etílico de seus corpos aos poucos. Na mesma proporção, os mergulhos ficavam mais ousados e relaxados. Por sorte, ninguém se feriu. Mas o dia não ficaria sem um incidente. Pança, justamente ele, deu um mortal com os óculos de sol – claro que eram presente de Lilian – e, na volta, emergiu desoculado. O incidente fez com que todos maneirassem a bebida e passassem parte da tarde atrás dos óculos, que, claro, não foram localizados por nenhum dos bebuns. Conformado, Pança inventou a mentira de que perdera os óculos dormindo no ônibus, na volta. A mentira foi contada e aceita sem problemas e iria ser apenas uma historinha banal não fosse o trágico desfecho. Meses depois, Pança voltou à cena do crime. Desta vez com Lilian e um conjunto de mergulho, que consistia de pés-de-pato, máscara e snorkel, aquele tubo para respiração em mergulhos. O brinquedinho foi a atração da tarde, com todos os casais se revezando nos mergulhos na lagoa. Até que Juca, outro amigo nosso, teve o supremo azar de achar os óculos. Empolgado com a descoberta no fundo lodoso da lagoa escura, ele veio à tona, gritando a plenos pulmões:

                        – Pança, Pança… Achei teus óculos!!! Imediatamente, Lilian virou para o namorado com aquele olhar típico da reprovação feminina. Mas o hábil gordinho foi mais rápido e humorado.

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                          02/06/2003 0h00

                          Conheci, vida afora, jornalistas que sempre tiveram muito sucesso com as mulheres. A profissão ajuda, mas é inegável que o magnetismo pessoal decide. E isso o meu amigo Jorge Chaves tem de sobra.

                          JC é um cariocão típico. Malandro o suficiente para se dizer América e torcer descaradamente para o Flamengo, com o argumento que era o time dos filhos. Bagre ensaboado com as mulheres desde a separação. E acima de tudo bom filho, pois voltou para a casa da família, onde vive cercado de carinhos da mãe. Tudo isso, pasmem, aos 50 anos de idade.

                          Jorjão era um matador nato, e suas histórias nos faziam rolar de rir. Bom bebedor de chope, ele usava a bebida para amaciar as gatas que iria matar. Uma vez passou por um sufoco. A dona encheu o pote de chope e os dois foram para o motel. No meio da noite, caidaços depois do sexo e entorpecidos pelo álcool, eles adormeceram. A moça teve vontade de ir ao banheiro, mas estava tão fora de si que se levantou em cima da cama, deu uma leve agachadinha e despejou o conteúdo da bexiga no colchão. Um vexame histórico. Mas a melhor história rolou comigo do lado. Estávamos eu, Dona Patroa, JC e a namorada em um barzinho da Ilha do Governador tomando uns chopes. Jorjão tinha um Voyage verde, e, na porta do bar, um carro idêntico ao dele estava parado. Entramos, sentamos e pedimos as bebidas. Cinco minutos depois, adentrou no bar uma ex-recente de JC. O clima prometia. A moça era barraqueira e o Jorjão estava cheio de amores com a nova namorada. Pressentindo o clima, assim que ele foi ao banheiro o segui, para dar cobertura, evitando que ele apanhasse. Dona Patroa permaneceu na mesa monitorando a ex-namorada do Jorge Chaves e escoltando a companhia do meu amigo. Estranhamente a mulher colocou-se numa mesa próxima e entornou vários chopes olhando para nós, mas sem se manifestar. Parecia uma tortura mental, mas resolvemos seguir no clima da noite. Afinal, a namorada atual não sabia do risco que corria na mão da doida da mesa ao lado e o melhor era disfarçar. Depois de umas dez tulipas, a ex desistiu. Pediu uma saideira e a conta. Pagou e levantou-se com o copo na mão, rumando para a porta do bar. Saiu e, em frente ao Voyage, espatifou o copo no vidro do carro, gritando bem alto: “Seu cachorro desgraçado”. A noite estava salva. Sem ela por perto, tivemos uma papo agradável. O mesmo não pode ser dito pelo motorista do Voyage verde. A esposa dele estava no restaurante, assistiu à cena e começou uma briga daquelas com ele. E nem adiantava ele dizer que não conhecia a mulher. “Rodolfo, ela te chamou de cachorro e você é mesmo um cachorro”, repetiu, horas a fio, para desespero do pobre homem e para o alívio do Jorge Chaves.

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                              19/05/2003 0h00

                              Quando conheci o Leonésimo não achei que ele seria grande coisa. O que dizer daquele gordão, com a barriga sobrando para fora da camisa, com a calça cortando ao meio o resto da pança? Pouca coisa. Mas não é que o cara era um dos maiores malandros (no bom sentido) que conheci nos áureos tempos do Rio de Janeiro? Trabalhávamos no extinto Banco Francês e Brasileiro, na Avenida Rio Branco. Vez por outra, saíamos para uns chopes nas redondezas, preferencialmente no Amarelinho e num árabe, que ficavam perttíssimo do trabalho. Foi numa noitada dessas que ele contou o rolo que se metera com duas vizinhas de Padre Miguel, Soraya e Surama (males do tempo em que a novela que fazia sucesso chamava-se Sheik de Agadir). A encrenca era grande. Primeiro ele começou a namorar a Soraya, uma morena deliciosa (segundo a descrição dele). Surama era vizinha e os três viviam para cima e para baixo. Faladeira, a namorada contou para a amiga as vantagens anatômicas e habilidades especiais que Leonésimo tinha. A propaganda, alma do negócio, atiçou a curiosidade da moça.

                              Em menos de um mês, Leonésimo faturava as duas. Só Surama sabia da Soraya. Apaixonada e metida a esperta, ela resolveu tomar o rapaz da outra usando a velha e cansada técnica das aproveitadoras: engravidou dele no primeiro descuido – nem foi tão difícil, bastou uma cervejada para que ele perdesse o controle. No dia seguinte, ciente da besteira que fez, decidiu que teria de dar um fim técnico à situação. Para escapar do casamento na polícia (naquele tempo era assim, acreditem), ele não conversou: engravidou Soraya na mesma semana. Quando ele me contou que tinha conseguido engravidar na mesma época duas meninas diferentes, caí na gargalhada. Eis que o malandro me deu a lição que norteou a minha vida. “Chefia, preste atenção: se eu engravidasse só a amiga, viraria o bandido. Mas como quis engravidar a namorada e ocorreu um acidente alcoólico com a outra, fiquei de bonzinho e ela ficou como a megera que pegou barriga do namorado da amiga. Gênio, não?”, disse. Tive de concordar. A armação era perfeita. Mas não era só isso. Com as duas grávidas, uma não podia contar à outra quem era o pai. Conseguiu o silêncio de uma, mas precisava escapar do casório. “Foi aí que eu evitei o casamento: contei para a Soraya a gravidez da amiga. Ela não quis mais saber de mim. Hoje, quando vou à rua, os meninos vêm me ver e as mães nem querem saber de mim. O interesse é só a pensão que o banco repassa. Conclusão: sou pai de dois garotos vizinhos, que se chamam de mano, fiquei respeitado como matador e ainda por cima estou solteiro”. Não é coisa de gênio?

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                                  12/05/2003 0h00

                                  Trabalhei, entre 1995 e 1996, num jornal de economia do Rio. Era um coringa: resolvia todos os problemas. O trabalho era cansativo, mas divertido. Não havia rotina. A única coisa certa era que, nas sextas, a turma do jornal acabava se esbaldando numa boate insólita: o extinto Cabaret Kalesa. O lugar ficava em plena Praça Mauá – para quem não conhece, é perto da área de desembarque de passageiros e marujos no Porto do Rio. Inicialmente era freqüentado por tripulantes, especialmente filipinos, de navios fundeados na Baía de Guanabara. Era o que se chama de lupanar. Um belo dia, alguém descobriu a casa, que tinha som ótimo, palco retrátil para strip-tease e pista de dança enorme. O lugar passou a ser freqüentado por jovens da Zona Sul, e DJs famosos, entre eles o jornalista e crítico Marcelo Janot, passaram a trabalhar para a casa, que não abria mão dos strip-teases. Cheio de gente bonita misturando-se com os marinheiros, com bebida barata e sem complicações para entrar e se divertir, o lugar bombou. Eu, que ia todas as sextas, tinha o benefício da entrada gratuita, extensiva a quem eu quisesse do jornal. A fama do Kalesa (em filipino significa carruagem, segundo me contaram) chegou à direção do jornal. À época estava por lá um dos meus mestres, um jornalista da antiga, conservador, cinquentão de respeitáveis cabelos grisalhos, com quem aprendi muito. Hoje ocupa importante função em outro grande jornal carioca. Uma sexta ele me chamou na sala dele e pediu detalhes sobre a noite no Kalesa e o comportamento das moças e rapazes do jornal. Dei uma de Nélson Rubens e aumentei (mas não inventei) o que acontecia, detalhando o strip-tease. Na mesma hora ele quis ir lá e armamos uma chegada triunfal, com direito a carro de reportagem entregando-o na porta do cabaré e séquito de jornalistas o esperando. Quis o destino que o fechamento do jornal atrasasse e o homem chegou depois do strip. Mas rapidamente fiz a coleta do dinheiro da stripper (módicos R$ 25, doados só pelas moças do jornal, que queriam ver o diretor de redação assistindo ao espetáculo).

                                  Stripper paga, palco baixando na pista de dança (havia tecnologia naquele lugar cujas paredes eram decoradas por garrafas pintadas), eis que o chefão me chama:

                                  – Jorginho, me arruma um cigarro!

                                  – Chefe, o senhor não fuma há seis anos.

                                  – Meu filho, em certas ocasiões um homem tem de fumar!

                                  E foi tragando o Carlton que filei com uma colega que aquele homem sério, metido em um terno importado, assistiu a um strip-tease ao som de Na boquinha da garrafa, da Cia. do Pagode, com a stripper rebolando freneticamente sobre um casco de Antarctica. Uma cena inesquecível…

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                                      Jorge Eduardo Antunes

                                      Arquivo Geral

                                      05/05/2003 0h00

                                      Corria o ano de 1990 e eu cursava o último período da faculdade de comunicação. Vivia na dureza tradicional dos estudantes, como a maioria dos que eu conheço e conheci vida afora. Arrumava um trocado aqui, ajudando alguém nos trabalhos, outro ali, mordendo minha caderneta de poupança, faturava um troco acolá com um estágio. A vida era difícil, mas me divertia. Bastava ir à praia ou sair com uns amigos de sala de aula. Foi assim que, num dia de sorte, recebi uma grana por trabalho que fiz para um colega. Como ele tirou dez, foi generoso. Pagou o dobro do que combinamos. Entusiasmado, resolvi gastar toda a grana com o que mais me seduzia na era pré-Dona Patroa: farra na faculdade. Afinal de contas, estava separado da primeira mulher e tinha a desculpa de “viver intensamente para esquecer”. Quando cheguei ao prédio em que estudava, deparei-me com um show. Ia ter, após a aula, uma apresentação do Sebastião Tapajós. O pátio da faculdade fervia de gente. Alguns colegas montavam barraquinhas para vender uns tragos. Fui logo em uma e comprei uma garrafa de um litro de “pau de índio”, beberagem que misturava ervas com cachaça. Era o passaporte para o prazer. Munido da garrafa, me preparei para o show. Aula? Nem pensar. Comecei o aquecimento à medida em que o palco era montado. Com parcimônia, pois às 11 da noite um gole valia uma beijoca. E daí para a frente era um pulo. Só não contava com o destino. Assim que o Sebastião Tapajós tocou a primeira nota, o céu desabou. Eu, prá lá de Marrakesh, nem percebi. Só me toquei quando todo mundo correu. Achei um cantinho no segundo andar e umas meninas. Tinha uma gordinha e outras magrelas. Ataquei a gordinha. Para um sujeito feio, é infalível começar pela menos atraente. Ou as outras avançam, ou você garante a noite com ela mesma. Misturado no embalo daquela noite, bebi horrores. Só me lembro de acordar, horas depois, numa cama redonda. Que, claro, não era a minha. Fui ao banheiro e expulsei do estômago tudo o que me deixava naquele estado. Inteiro, comecei a ver o que fizera. O plano não dera certo. Tá bom, eu tinha conseguido faturar alguém. Mas quando olhei o volume sob o lençol, me assustei. Parecia alguém do tamanho do meu pai. Tive de conferir de perto quem era(m). Por sorte (ou azar) era a gordinha. Ela acordou, me beijou e exigiu uma nova rodada. Encabulado (como gastara o dinheiro com bebida, ela pagou o hotel), compareci. Daí em diante, passei a fugir do “pau de índio”. Da gordinha, não consegui. Virou minha namorada. Mas não me agüentou muito. Para ela, eu devia beber sempre. “Nunca tive uma noite como aquela”, reclamava, relembrando o dia em que o índio trabalhou por mim.

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                                          28/04/2003 0h00

                                          O e-mail é uma invenção divina. Facilitou tudo, pois elimina aquele telefonema chato, aquela ligação em que o sujeito pede uma forcinha. Não importa qual seja, ele sempre força a barra. Mas o e-mail tem um lado abjeto: o spam, aquela mensagem que se repete à exaustão. Tenho uma, que me oferece férias grátis em Miami, que cai em todas as minhas contas de e-mail, sejam pessoais ou profissionais. Só de ver a oferta de vacaciones en Miami fico arrepiado.

                                          Mas nada é igual ao rastro deixado pelo Outlook Express, programa de nove entre dez usuários do Windows. Existe ali uma pasta chamada itens enviados que deve ser apagada sempre, para o sujeito não dançar. Se o cara usa o e-mail de casa para mandar fotos de mulheres nuas, vai deixar para a esposa um caminho para ser desmascarado caso não apague todas as mensagens.

                                          E foi num descuido desses que o irmão de um amigo meu, o Yuri, dançou. Tudo começou num bucólico domingão, após almoçar na casa da namorada. Depois de instalar alguns programas no micro dela, ele mandou um e-mail para um amigo pela caixa da moça. Na resposta, o cara quis saber como andava o namoro. Sozinho, desabafou.

                                          “A coisa está mais morna que canja no fim da noite. Só tou com ela por falta de opção. Ela é chata demais”, disse na mensagem de volta.

                                          Como a namorada chegou, fechou o programa e foi tocar a vida. Namorou um pouco e foi embora, completamente esquecido do e-mail. Mas ela, com a peculiar curiosidade feminina, desconfiada do comportamento do namorado, resolveu fuçar os programas. Olha daqui, olha dali, achou a mensagem. Resolveu se vingar.

                                          Primeiro, deixou-o uma semana no gelo. Nesse ínterim, saiu com todos os ex-namorados que pôde. Transou com todos, coroando o namorado desinteressado com uma série de chifres. A despedida, no entanto, seria inesquecível.

                                          Depois do silêncio da pouco inocente, ela chamou o Yuri para um almoço. Corroendo o ódio dele, preparou um leitãozinho à pururuca. Temperado, claro, por doses cavalares de lacto-purga (quem já o usou sabe os efeitos laxantes do remédio).

                                          Yuri comeu o leitão sem perceber que ela preferiu mastigar arroz integral. Dez minutos após o almoço, ela concluiu a vingança: pegou o e-mail impresso, mostrou a ele e perguntou o que era aquilo. Ele gaguejava a resposta quando ela acertou um soco em cheio seu nariz, fazendo o melado escorrer. “Cai fora daqui, pilantra”, completou.

                                          Na rua, a caminho do carro, ele sentiu a primeira pontada. Tentou voltar, mas ela fechou a porta e não abriu, apesar de ele bater insistentemente. Desesperado, só teve tempo de entrar no carro antes de a tragédia se consumar no banco dianteiro. O efeito leitão o fez tomar cuidados. De agora em diante, e-mail só em casa. E deletando a pasta Itens Enviados.

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                                            Mas nada é igual ao rastro deixado pelo Outlook Express, programa de nove entre dez usuários do Windows. Existe ali uma pasta chamada itens enviados que deve ser apagada sempre, para o sujeito não dançar. Se o cara usa o e-mail de casa para mandar fotos de mulheres nuas, vai deixar para a esposa um caminho para ser desmascarado caso não apague todas as mensagens.

                                            E foi num descuido desses que o irmão de um amigo meu, o Yuri, dançou. Tudo começou num bucólico domingão, após almoçar na casa da namorada. Depois de instalar alguns programas no micro dela, ele mandou um e-mail para um amigo pela caixa da moça. Na resposta, o cara quis saber como andava o namoro. Sozinho, desabafou.

                                            “A coisa está mais morna que canja no fim da noite. Só tou com ela por falta de opção. Ela é chata demais”, disse na mensagem de volta.

                                            Como a namorada chegou, fechou o programa e foi tocar a vida. Namorou um pouco e foi embora, completamente esquecido do e-mail. Mas ela, com a peculiar curiosidade feminina, desconfiada do comportamento do namorado, resolveu fuçar os programas. Olha daqui, olha dali, achou a mensagem. Resolveu se vingar.

                                            Primeiro, deixou-o uma semana no gelo. Nesse ínterim, saiu com todos os ex-namorados que pôde. Transou com todos, coroando o namorado desinteressado com uma série de chifres. A despedida, no entanto, seria inesquecível.

                                            Depois do silêncio da pouco inocente, ela chamou o Yuri para um almoço. Corroendo o ódio dele, preparou um leitãozinho à pururuca. Temperado, claro, por doses cavalares de lacto-purga (quem já o usou sabe os efeitos laxantes do remédio).

                                            Yuri comeu o leitão sem perceber que ela preferiu mastigar arroz integral. Dez minutos após o almoço, ela concluiu a vingança: pegou o e-mail impresso, mostrou a ele e perguntou o que era aquilo. Ele gaguejava a resposta quando ela acertou um soco em cheio seu nariz, fazendo o melado escorrer. “Cai fora daqui, pilantra”, completou.

                                            Na rua, a caminho do carro, ele sentiu a primeira pontada. Tentou voltar, mas ela fechou a porta e não abriu, apesar de ele bater insistentemente. Desesperado, só teve tempo de entrar no carro antes de a tragédia se consumar no banco dianteiro. O efeito leitão o fez tomar cuidados. De agora em diante, e-mail só em casa. E deletando a pasta Itens Enviados.

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                                              21/04/2003 0h00

                                              A infidelidade não compensa. Pelo menos para Ademar. Ele passou, sábado passado, por uma situação incomum. Trabalhando num ministério, Ademar sempre viveu de casa para o trabalho. Mas Delzita, sua esposa, cismou de freqüentar uma comunidade religiosa em busca da iluminação. Com isso, negligenciou o papel de esposa, deixando Ademar numa secura pior que a de agosto. Quando começava a se convencer que a vida seria parecida com um retiro, a solução apareceu no cafezinho. Ângela, de 19 anos, despontou aos olhos cansados do cinqüentão. E, o que é melhor, deu bola para Ademar. Pudera. Com um DAS no contracheque, ele era presa fácil para uma jovem bonita, gostosa e ambiciosa, mas que ganhava salário mínimo. Ângela mostrou-se uma capetinha. Seduziu o quanto pôde o carente Ademar, extraindo orgasmos inesquecíveis de seu corpo e reais de sua carteira. Ademar foi ficando ousado. Os encontros passaram a ser descarados, caronas ficaram maiores. Primeiro, passou a levá-la a Taguatinga. Depois, a Ceilândia. Finalmente, na esquina de casa. Passou a ligar em casa, falando com a mãe da moça. Mas sentia uma certa má vontade de dona Guida com ele. Achava-a uma chata.

                                              A casa caiu quando ele foi buscar Ângela para um fim de semana de sexo, já que a esposa viajara para um retiro. Chegou à quadra de Ceilândia, manobrou o carro na porta da casa dela e deu a buzinadinha. A moça veio à janela, sorriu e entrou. A mãe repetiu a cena, sem sorriso.

                                              Ângela saiu, alegre e faceira, com Guida atrás. Irritada, a mulher começou a bater boca com a filha. “Você não presta, vagabunda”, gritava.

                                              “Me deixa, mãe. Tou atrasada para sair com o Dedê”, respondeu.

                                              “O pilantra é casado. Olha a aliança. Não te coloquei no mundo para você virar amante”, disse, dando um tapa na filha. Ademar tentou defender a moça. “Calma, minha senhora”, pediu. “Calma nada. Não se meta comigo ou com a minha filha. Vá embora, satanás”, gritava. A rua estava cheia. Vizinhas batiam bolo no meio da confusão. Homens paravam a lavagem do carro. Do fim da rua, cinco rapazes do movimento foram dar uma conferida. “Tia, o que houve?”, perguntou um deles.

                                              “É tua prima, essa pecadora, metida com um sujeito casado”, disse.

                                              Sentindo que o tempo ia fechar, Ademar ligou o motor do carro, abriu a janela e virou-se para Ângela, despedindo-se rápido. “Não tem clima pra gente sair. Ligo depois”, falou e arrancou. Só parou em frente à PM da EPTG. Estava salvo. Lembrou-se do retiro em que estava a esposa e tocou para lá. Pecador arrependido, vai à igreja três vezes por semana. E Ângela? Bem, Ângela está se enrabichando com Manoel, chefe do transporte, outro casado carente.

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                                                A casa caiu quando ele foi buscar Ângela para um fim de semana de sexo, já que a esposa viajara para um retiro. Chegou à quadra de Ceilândia, manobrou o carro na porta da casa dela e deu a buzinadinha. A moça veio à janela, sorriu e entrou. A mãe repetiu a cena, sem sorriso.

                                                Ângela saiu, alegre e faceira, com Guida atrás. Irritada, a mulher começou a bater boca com a filha. “Você não presta, vagabunda”, gritava.

                                                “Me deixa, mãe. Tou atrasada para sair com o Dedê”, respondeu.

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                                                “É tua prima, essa pecadora, metida com um sujeito casado”, disse.

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