Menu
Política & Poder

‘A Lava Jato destruiu empresas’, afirma Toffoli

Em quase duas horas de entrevista,Toffoli falou do presidente e do governo Bolsonaro; disse que “o MP deveria ser uma instituição mais transparente

Redação Jornal de Brasília

16/12/2019 14h31

President of Brazil’s Supreme Federal Court Dias Toffoli looks on during an interview with Reuters in Brasilia, Brazil September 12, 2019. Picture taken September 12, 2019. REUTERS/Adriano Machado

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro José Antônio Dias Toffoli, disse ao jornal O Estado de S. Paulo em entrevista na sexta-feira, 13, que o governo do presidente Jair Bolsonaro “tem pessoas e áreas de excelência funcionando muito bem”. Não quis dizer quais são, mas reiterou: “São áreas de excelência, têm feito belíssimos trabalhos, têm tido diálogos com as instituições o tempo todo”.

Com 52 anos, há 10 na Corte e há 15 meses na presidência, o paulista de Marília, ex-advogado e integrante do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que o indicou ao posto, com referendo do Senado, recebeu o Estado na enorme sala de audiências contígua ao seu gabinete no terceiro andar do STF, com ampla vista para o Palácio do Planalto. Aproveitando a costumeira informalidade da sexta-feira, estava sem gravata e sem meias. Uma tosse chata o incomodava de vez em quando – “esse ar condicionado acaba matando a gente”, disse, a tantas, mandando desligar. Tinha um leve ar de cansaço – que explicou como resultado de 18 horas de trabalho por dia. “Estou doido pra descansar”, afirmou.

Em quase duas horas de entrevista, numa histórica mesa de madeira, oval, de 12 lugares, Dias Toffoli falou do presidente e do governo Bolsonaro; disse que “o Ministério Público deveria ser uma instituição mais transparente – como entende que o Judiciário o seja -, e que “a Lava Jato destruiu empresas, o que jamais aconteceria nos Estados Unidos, por exemplo”.

Comentou, também, os momentosos e recentes julgamentos que agitaram o Supremo, como aquele em que deu o voto decisivo para proibir a prisão depois da sentença de segunda instância. A decisão possibilitou a saída do ex-presidente Lula da prisão em que estava há quase dois anos, condenado na Operação Lava Jato. Sobre o Coaf (rebatizado de Unidade de Inteligência Financeira), no qual seu voto foi criticado como difícil de entender – “precisa de um professor de javanês”, disse o ministro Luís Roberto Barroso – Dias Toffoli afirmou que foi um voto “elogiadíssimo”. Comentou, também, o repto que deu em Barroso, durante sessão do plenário, dizendo “respeite seus colegas”.

Na quinta-feira, em mais uma lembrança dos piores momentos da ditadura, o presidente Jair Bolsonaro disse que mandaria ao pau de arara um ministro que descobrisse ser corrupto. O que o sr. acha desse tipo de declaração do presidente, de resto recorrente?

É evidente que a responsabilidade de um cargo impõe uma ritualística mais rigorosa para o uso de determinadas expressões São manifestações que devem ser mais comedidas e mais pensadas.

O que o sr. acha do presidente Bolsonaro?

Ele tem um discurso permanente para a base que o elegeu, mas ele tem uma capacidade de diálogo também. É uma pessoa que muitas vezes é julgado pelo que ele fala, mas ele tem, no governo, pessoas e áreas de excelência funcionando muito bem. Não vou dizer quais são, porque aí vou estar dizendo quais não estão indo bem. Mas são áreas de excelência, têm feito belíssimos trabalhos, têm tido diálogos com as instituições o tempo todo. A impressão, curiosamente, é que é um governo com aquela mensagem mais isolada, mais sectária para determinado segmento da sociedade, e não um governo de todos. Mas, no dia a dia, políticas públicas estão sendo desenvolvidas, como na área de infraestrutura. Na área da economia tem sido sempre feito um amplo diálogo com o parlamento. E aqui mesmo no Supremo.

Por exemplo…

Agora mesmo fizemos uma reunião extremamente importante a respeito dos acordos de leniência (com as empresas processadas na operação Lava Jato). Porque a Advocacia-Geral da União entende de um jeito, o TCU de outro, o Cade de outro, o CVM de outro, o MP de outro. Cada um acha que os acordos realizados têm que ter mais alguma coisa. Quem é que pode arbitrar? Eu chamei uma reunião aqui. Já criamos um grupo de trabalho, um comitê executivo, para criar e ter uma solução efetiva até o final de março, para dar segurança jurídica.

Explique melhor…

A Lava Jato foi muito importante, desvendou casos de corrupção, colocou pessoas na cadeia, colocou o Brasil numa outra dimensão do ponto de vista do combate à corrupção, não há dúvida. Mas destruiu empresas. Isso jamais aconteceria nos Estados Unidos. Jamais aconteceu na Alemanha. Nos Estados Unidos tem empresário com prisão perpétua, porque lá é possível, mas a empresa dele sobreviveu. A nossa legislação funcionou bem para a colaboração premiada da pessoa física. Mas a da pessoa jurídica não ficou clara. Então nós criamos um comitê interinstitucional para dar uma solução para esse problema. Muitas vezes o Judiciário pode ter essa função extrajudicial. Pela respeitabilidade, pode ser um árbitro para proposições e solução de problemas.

Foi um ano tenso, não?

O Brasil vinha de governos de centro e centro-esquerda. E mudou para um governo de direita. Então houve, depois da redemocratização, uma primeira vitória da direita com o apoio da extrema-direita.

Como o sr. entendeu essa mudança?

Como um cansaço da população seja com corrupção, seja com pessoas que a população já não queria mais ver como seus representantes. E com a ideia de uma vontade de destravar o Estado, superar a burocracia estatal. Essa foi a mensagem que foi levada e aceita pelas urnas. Então, em primeiro lugar, tem que se respeitar a vontade popular.

O julgamento mais importante do ano foi o que acabou, por apertada maioria, com a prisão depois de decisão da segunda instância. O sr. esteve no centro da roda, levando tiro de todo lado, virou até boneco nas manifestações. A questão poderia não ter sido votada até hoje – ou até o sr. sair da presidência. Por que o sr. a colocou na pauta?

Era um tema que já estava liberado para a pauta pelo relator, ministro Marco Aurélio, há muito tempo. E tanto o ministro Marco Aurélio quanto o ministro Celso de Mello estão já próximos da aposentadoria – e pediam para mim que isso fosse a julgamento para terem a possibilidade de votar. A outra questão é a pacificação social. Grande parcela da sociedade gostaria de ver isso julgado, embora outra parcela não quisesse. E a nossa função é julgar. Então foi julgado.

Como o sr. administrou a tensão e os ataques?

Se dizia, de um lado, que viria um grande caos, uma tensão na sociedade, que as ruas iam ser tomadas, que as cadeias iam ser abertas. E aí se verificou e se verifica que nada disso aconteceu. Ou seja: era muito mais espuma do que qualquer outra coisa. E, pelo contrário, parece que se deu uma serenidade, inclusive com o Parlamento assumindo as suas competências do ponto de vista de eventual solução normativa para o tema.

A decisão proibindo a prisão depois da sentença de segunda instância vai continuar gerando polêmica. Recentemente o ministro da Justiça, Sérgio Moro, disse que essa decisão fez a população achar que o combate à corrupção diminuiu. O sr. Concorda?

De maneira nenhuma. Isso não tem o menor sentido. O STF julgou o mensalão, condenou várias autoridades, vários empresários, inclusive banqueiro. Foi ali que começou todo esse trabalho de combate à corrupção, e (tiveram início) os projetos de lei que levaram a esse arcabouço jurídico, às leis de combate ao crime organizado. Então, o Supremo está firme no combate à corrupção. Não é uma decisão que faz cumprir a Constituição que vai surtir efeito numa percepção quanto à corrupção.

O sr. não é de brigas ou adjetivos, mas outro dia deu um repto público no ministro Luís Roberto Barroso, “respeite seus colegas”, pelo ímpeto com que o ministro ficava se diferenciando dos demais ministros, como melhor do que todos na preocupação com a corrupção.

Eu tenho uma boa relação com todos os ministros, admiração mesmo A importância de uma Corte constitucional é ter a pluralidade de ideias. É essa pluralidade que faz a riqueza e a decisão ser mais legítima, mais reconhecida. Episódios como esse, ao longo da nossa gestão, diminuíram muito, cessaram mesmo.

Mas nesse caso o repto foi seu. Por que o sr. o fez? O ministro Barroso já estava extrapolando?

É que às vezes o próprio membro da Corte, o próprio juiz, começa a absorver sensos comuns.

O que é que o sr. chama de senso comum na posição do ministro Luís Roberto Barroso?

A ideia de que existem pessoas que combatem mais a corrupção do que outras.

O sr. leu O Homem que sabia javanês, o conto do Lima Barreto?

Não li.

Nem depois que o ministro Barroso disse que precisava de um professor de javanês para traduzir o seu voto no caso do Coaf?

Não li. O meu voto foi elogiadíssimo pelos membros da UIF (Unidade de Inteligência Financeira, antigo Coaf), que o consideraram tecnicamente perfeito. Então, os membros da UIF entendem muito bem de javanês.

O fato é que o sr. fracassou na missão de conseguir um clima cordial no Supremo. O que se vê é uma Corte dividida, em dois grupos bastante radicalizados, embora com alguma mobilidade aqui e ali.

Eu discordo. Não houve fracasso nenhum, houve sucesso nessa pacificação. Os votos que estão sendo proferidos tem poucos apartes, não há mais adjetivos concretos de um contra o outro..

Este ano mesmo houve discussões pesadas…

Aqui nesta mesa, pelo menos uma vez por mês, eu faço um almoço, convido os ministros, senta o Barroso, senta o Marco Aurélio…

Os ministros vivem às mil maravilhas, não há lutas internas?

Aqui todos respeitam todos, a capacidade intelectual de todos. Disso não há dúvida. Em relação aos pontos de vista diferentes, não são posições fechadas entre um lado e outro.

Com relação à Lava Jato, especificamente, que divide os corações, temos dois grupos consolidados – um dos, digamos, lavajatistas por excelência, comandado pelo ministro Barroso..

No Supremo Tribunal Federal ninguém comanda ninguém. Somos todos iguais. Se algum colega acompanha o outro é porque realmente adere àquela posição.

O sr. não vê o Tribunal dividido?

Não vejo. O Tribunal é único. Na sua unidade é que está a sua força. Existe para ter pluralidade.

Ao longo da sua vida aqui no Supremo o sr. foi injustamente marcado por um estigma quanto a ser lulista, ou petista, porque o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é que o indicou. O sr. sempre repeliu essas insinuações, como outros ministros que as sofreram, e até já disse, ao Estado, que o Supremo o transformou em um liberal…

Cada vez mais…

Agora aparece um outro carimbo: que o sr. tomou a decisão de suspender as investigações para beneficiar o senador Flávio Bolsonaro… O sr. facilitou a vida do filho do presidente Jair Bolsonaro?

Não. Antes de chegar a petição, em julho, a respeito desse caso específico, alguns colegas já comentavam: “estão chegando aqui processos pedindo a revisão daquela decisão sobre compartilhamento, é necessário, está tendo extrapolação”. E realmente começou a haver, com compartilhamentos indevidos.

E porque se criou essa lenda urbana – para usar uma expressão que o sr. tem usado – de que quis beneficiar o senador filho do presidente da República, ou a outra, sobre a segunda instância, para beneficiar o Lula?

Usei essa expressão para mostrar que isso não tem a mínima veracidade. Não passa de uma lenda, que querem colocar através de algo que não é verdadeiro.

Por que elas aparecem e o Brasil virou um país de muitas lendas urbanas?

A (filósofa) Hannah Arendt dizia o seguinte: se todo mundo mentir o tempo todo, pra todo mundo, não é que as pessoas acreditarão na mentira; é que elas não acreditarão em mais nada. Então esses ataques que são feitos, alguns direcionados diretamente a mim, não são na verdade para me desacreditar. É para fazer com que as pessoas não acreditem em mais nenhuma instituição. Isso aí é a ruptura da democracia. Então nós temos que combater.

O sr. tem o ar cansado. É pesado ser presidente do Supremo Tribunal Federal?

Eu não tenho preguiça, eu trabalho muito. Em torno de 18 horas por dia. É um momento de dedicação.

Qual é a marca que o sr. quer deixar?

Os três eixos que eu coloquei são eficiência, transparência e a responsabilidade. Os números mostram que é um Judiciário mais eficiente.

E sobre a transparência e a responsabilidade…

O Poder Judiciário é o poder mais transparente que tem. Quanto à responsabilidade, quantos a gente já não pôs para fora no Conselho Nacional de Justiça? Veja se o Conselho Nacional do Ministério Público fazia isso, até pouco tempo. O Judiciário trabalha com muita transparência. O Ministério Público deveria ser uma instituição mais transparente.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado