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Saúde

Cirurgiões-dentistas encontram resistência médica para a prática da harmonização orofacial

Inicialmente associada a médicos cirurgiões plásticos, certos procedimentos na face passaram a ser especialidade da odontologia

Vítor Mendonça

27/04/2022 11h53

A atuação de cirurgiões-dentistas em tratamentos estéticos é uma questão que tem levantado discussões jurídicas a respeito da credibilidade para a atuação dos profissionais na área. Inicialmente associada a médicos cirurgiões plásticos, certos procedimentos na face passaram a ser especialidade da odontologia, sendo reconhecida pelo Conselho Federal da profissão como harmonização orofacial.

De acordo com o advogado Guilherme Juk Cattani, especialista em direito médico e hospitalar, com atuações específicas em Saúde e Estética, há uma vivência diária de ir contra a tentativa de descredibilização de profissionais da odontologia especializados em harmonização orofacial no escritório onde atua. Segundo ele, a pressão exercida pela sociedade médica tem origem na descentralização dos procedimentos.

De acordo com ele, os médicos já vinham de uma perda da exclusividade e monopólio de atuação em procedimentos estéticos injetáveis. Em relação às cirurgias, Cattani defende que a ciência foi se aperfeiçoando e, consequentemente, expandindo conhecimento a outros profissionais, que tiveram acesso a estudos relacionados ao tema, já regulamentados pelo Ministério da Educação (MEC).

A maioria dos processos recebidos no escritório Juk Cattani Sociedade de Advogados, porém, são de supostas denúncias que se baseiam no artigo 47 da Lei de Contravenções Penais (nº 3.688/41), que estabelece como crime “exercer profissão ou atividade econômica ou anunciar que a exerce, sem preencher as condições a que por lei está subordinado o seu exercício”.

“O crime seria, na percepção da comunidade médica, configurado por exercer atividades consideradas por muitos deles como exclusiva da medicina. […] E majoritariamente, as denúncias não têm decisões favoráveis [aos autores]. […] Existe um movimento jurisprudencial que tem apoiado a classe odontológica [pelo entendimento da atividade como legítima também aos cirurgiões-dentistas]”, destacou o advogado.

Tentativa de descrédito

Cattani afirma ainda que, a partir de procedimentos estéticos realizados de forma errônea por profissionais não especializados e regulamentados corretamente pela profissão, o movimento feito por entidades médicas é de tentar descredibilizar cirurgiões-dentistas.

“Desabilitados existem em todas as classes profissionais, seja no direito, na medicina ou na odontologia. E, sem dúvida, em qualquer situação com complicações, a partir desses problemas, as entidades [médicas] tentam generalizar [as problemáticas] em decorrência de episódios isolados. Isso não representa a classe toda”, defendeu o advogado.

Segundo ele, há interesses mercadológicos envolvidos em muitos dos processos que recebe. “A classe odontológica lamenta essa situação toda, porque determinado grupo de inaptos faz com que a classe seja vista como inapta. E isso não é verdade”, reforçou.

Confusão

A resistência médica continuou mesmo após a emissão da Resolução CFO-198 do Conselho Federal de Odontologia, de 29 de janeiro de 2019, que reconheceu a harmonização orofacial como especialidade da classe profissional. A comunidade odontológica recebe críticas apesar de já haver conteúdo regulamentado pelo MEC em pós-graduações.

De acordo com o artigo 2º da Resolução, a harmonização orofacial é “um conjunto de procedimentos realizados pelo cirurgião-dentista em sua área de atuação, responsáveis pelo equilíbrio estético e funcional da face”. As áreas de competência do cirurgião-dentista especialista em harmonização orofacial, incluem, segundo o artigo 3º, tratamentos com botox, de rejuvenescimento de tecidos da face e eliminação de gorduras, como bichectomia.

Das seis alíneas presentes no parágrafo, quatro estabelecem os procedimentos e utensílios permitidos com o acréscimo, ao fim das colocações, do termo “e afins”. Tal desfecho, porém, deu margem para interpretações das quais o Conselho não pretendia abranger.

Por isso, em agosto do ano seguinte, o órgão publicou nova resolução (230) devido a interpretações consideradas equivocadas. “Considerando as interpretações extensivas equivocadamente atribuídas a expressão ‘áreas afins’, constante nas alíneas do artigo 3º, da Resolução CFO-198/2019, como justificativa para realização de procedimentos ainda não consagrados como prática odontológica”, o Conselho decidiu vedar a cirurgiões-dentistas seis procedimentos cirúrgicos.

São eles, segundo o artigo 1º, a alectomia (cirurgia nas asas nasais), a blefaroplastia (nas pálpebras), a cirurgia de castanhares ou lifting (levantamento) de sobrancelhas, a otoplastia (redução da proeminência das orelhas), a rinoplastia (alterações estéticas no nariz, podendo ser também funcional), e a ritidoplastia ou “face lifting” (eliminação de rugas).

Nas palavras de Cattani, a Resolução 198 não previa todos os limites sobre o exercício dos procedimentos e o Conselho decidiu então estabelecer regulamentação por meio da Resolução 230, “como uma explicação dos limites de onde deveriam chegar as atuações” dos profissionais.

Suspensão de efetividade

No Distrito Federal, porém, em janeiro deste ano, o desembargador Novély Vilanova, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, suspendeu a efetividade deste primeiro artigo da Resolução 230 emitida pelo CFO. Conforme disposto pelo magistrado na decisão, “é ilegal a vedação […] porque nada tem a ver com a ‘supervisão ética profissional’”, da qual é de responsabilidade do Conselho.

“Não cabe ao Conselho Federal de Odontologia ‘questionar’ a formação acadêmica dos graduados ou pós-graduados (os agravantes/autores). Isso é atribuição do Conselho Nacional de Educação, conforme Resolução 3 de 21.06.2021, editada com fundamento na Lei 9.394/1996, art. 9º, de ‘diretrizes e base da educação nacional’”, defendeu o desembargador.

Deixou-se, assim, aberto o espaço para que dentistas continuem a realizar os procedimentos apontados pelo CFO como não pertencentes à prática odontológica. Para o órgão, é necessário “estabelecer os limites da atuação do cirurgião-dentista em harmonização orofacial”, considerando que os procedimentos não constam no conteúdo programático dos cursos de graduação e pós-graduação em Odontologia, além da “carência de literatura científica relacionando tais procedimentos à prática odontológica”.

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