CLARA BALBI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A passagem de Mosab Hassan Yousef pelo Brasil foi breve –o combatente do Hamas transformado em espião a serviço de Israel ficou no país por apenas quatro dias, de quinta-feira (23) a domingo (26).
Seus compromissos no período foram, contudo, mais do que suficientes para atiçar a guerra entre ativistas da causa palestina e os defensores de Israel nas redes sociais, em mais um exemplo de como o conflito no Oriente Médio vem irradiando pelo mundo inteiro.
Yousef é o primogênito de Hassan Yousef, um dos fundadores da facção terrorista palestina cujo atentado a Israel em 7 de outubro disparou a guerra atual na Faixa de Gaza. Sua vinda ao Brasil foi motivada em parte pelo relançamento de sua autobiografia, “O Filho do Hamas”, pela editora Sextante, e patrocinada pela organização StandWithUs Brasil, voltada para o combate ao extremismo e o antissemitismo por meio da educação.
A história que ele narra no livro, sobre como e por que se voltou contra a organização no seio da qual foi criado e as consequências disso, foi tema de duas grandes aparições no país –ambas alvos de ataques e elogios nas redes sociais. A primeira, no sábado (25), consistiu em um evento com plateia no clube Hebraica, na zona oeste de São Paulo; a segunda, no domingo (26), na exibição de uma entrevista ao Fantástico.
Vale notar que as declarações de Youssef se prestam à polarização. Isso ficou evidente sobretudo durante a sua fala no Hebraica, na qual afirmou que aqueles que defendem a solução de dois Estados (isto é, a convivência entre Israel e uma eventual nação palestina) como resolução para o atual conflito são “perdedores” que “chegaram na hora errada, no lugar errado” e disse que os ativistas pró-Palestina que defendem o Hamas deveriam ir viver com os terroristas em Gaza.
A maioria das publicações nas redes se voltou, porém, para dois momentos específicos da conferência. Em um deles, aplaudido por antipetistas, o palestino critica Lula por não ter chamado o Hamas de terrorista. A equipe do presidente afirmou repetidas vezes que, historicamente, o governo brasileiro segue a classificação da ONU nesse quesito.
Em outro instante, Yousef diz que “a Palestina não existe”. Questionado sobre a declaração pela reportagem, André Lajst, presidente da StandWithUs Brasil, argumenta que o trecho foi tirado de contexto. Segundo o porta-voz, em outros instantes da fala do convidado fica claro que ele não rejeita a ideia de um Estado palestino, e sim defende que antes de se pensar na fundação em um país é preciso que a população se una de forma a conviver em paz com Israel. Isso seria impossível com o Hamas no poder, uma vez que a organização nem sequer reconhece a existência do Estado judeu.
Lajst também responde a críticas à StandWithUs Brasil de internautas que dizem que a entidade não deveria ter trazido Yousef ao Brasil devido a outras falas polêmicas recentes dele. Uma das mais citadas nas redes, retirada de uma entrevista ao podcaster americano Jordan Harbinger, traz o palestino afirmando não querer outro país árabe na região porque já “há 22 Estados árabes na região e todos eles são um lixo” ao se queixar do fato de que as nações não reconhecem o Hamas como terrorista.
“Obviamente não somos responsáveis pela forma como ele respondeu a perguntas em outras entrevistas, e a StandWithUs não compartilha de todas as crenças de todos que convida”, diz Lajt. Mais importante para a organização é que Yousef tem um “lugar de fala que pouquíssimas pessoas têm” –é isso que justificaria sua presença em um evento da organização.
“Ele entende como funciona a ideologia e a estrutura do grupo, e cresceu em uma casa da onde saiu o movimento. Tem uma educação a respeito do Hamas, que não tem a ver [necessariamente] com a causa palestina ou o povo palestino. Acho que é importante para as pessoas que são pró-Palestina ou solidárias aos palestinos conseguir distinguir uma coisa da outra.”
Outras das críticas de ativistas e o rganizações pró-Palestina foram especificamente contra a entrevista que Yousef deu ao Fantástico. A Fepal (Federação Árabe Palestina do Brasil), por exemplo, fez uma série de publicações no X, o antigo Twitter, pontuando aspectos que considerou problemáticos na condução e na edição da conversa.
Ualid Rabah, presidente da Fepal, afirma à reportagem que o maior deles é justamente o tal “lugar de fala” do ex-espião israelense. Para ele, “é muito estranho que alguém que trabalhou como infiltrado para um serviço de inteligência estrangeiro tenha condições éticas e morais de falar” sobre o grupo que foi contratado para minar. “Uma pessoa dessas não pode ser uma fonte [jornalística], menos ainda sem ser confrontada.”
Outra queixa de Rabah é em relação ao uso que o programa fez de imagens que parecem ser da Segunda Intifada (2000-2005) que não foram identificadas ou postas em contexto. O movimento, que começou como uma rebelião palestina contra a ocupação de seu território por Israel e foi marcado pela atuação de homens-bombas, terminou com a morte de cerca de mil israelenses e 4.000 palestinos.
A reportagem entrou em contato com a Globo pedindo um posicionamento diante das críticas de Rabah, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.