Menu
Política & Poder

Vai-Vai pode ficar sem sede após negócio que favoreceu suposto chefe do PCC

Ainda conforme investigação policial, Luiz Roberto havia comprado a área em outubro de 2020, meses antes de vendê-la para a Vai-Vai

Redação Jornal de Brasília

14/02/2024 15h11

Foto: Pixabay

ROGÉRIO PAGNAN E CARLOS PETROCILO

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Os dirigentes da escola de samba Vai-Vai levaram às lágrimas parte de seus integrantes quando, em setembro de 2021, apresentaram o projeto da nova sede a ser construída no terreno adquirido para a agremiação de São Paulo. Era um sonho que, enfim, estava perto de ser concretizado.

Passados mais de dois anos do anúncio, o projeto ainda não saiu do papel. E, conforme processo que tramita na Justiça paulista, pode nunca virar realidade porque o terreno adquirido para a escola fica em zona que não permite, em tese, construções desse tipo.

Nessa ação, o Ministério Público anexa documentos que apontam que os terrenos estão, segundo o Plano Diretor do município, em uma zona considerada ZEIS 3. Isto é: trata-se de zona “especial de interesse social” e, por isso, “60% da área construída deve ser destinada para habitação à população com renda entre zero e três salários mínimos”, conforme a Promotoria.

“Portanto, para se respeitar o zoneamento da área, a sede da escola de samba precisaria que o projeto contemplasse um imóvel com parte de uso habitacional e parte para uso não residencial, na forma do percentual estabelecido em lei”, diz trecho de manifestações do promotor Arthur Moreira Barbosa.

A Promotoria também aponta que a sede anunciada pela Vai-Vai teria capacidade de público para 2.500 pessoas. Assim, também precisaria de um estudo de impacto na vizinhança, o que também não tem.

A Secretaria de Urbanismo e Licenciamento diz que “não há alvará deferido para liberar obra no local”.
Procurado, o promotor Barbosa afirmou que, neste momento, salvo decisão da Justiça em contrário, a Vai-Vai não pode construir a quadra no local. “Primeiro, a gente precisa ver se pode ou não construir o que eles estavam pretendendo, e o projeto que eles tinham [anunciado] na época não podia. Então, eles teriam que alterar o projeto”, disse ele à Folha de S.Paulo.

O sonho da sede tornou-se um péssimo negócio para a escola. Mas, conforme a polícia, foi altamente lucrativo para um suposto integrante do PCC e então diretor financeiro da Vai-Vai.

Conforme documentos obtidos pela Folha de S.Paulo, o imbróglio teve início em maio de 2021 quando representantes da Acciona, responsável pela construção da linha 6-laranja do metrô, passaram a negociar com a Vai-Vai valores para que ela deixasse a quadra onde estava.

A área na Bela Vista, ocupada pela escola, deverá abrigar a futura estação 14 Bis. Foi acertada, então, a compra do terreno e o pagamento da construção da nova sede.

“Acciona fixou um valor de indenização de R$ 9,3 milhões à escola de samba, sendo R$ 6,8 milhões para aquisição de um novo espaço, R$ 2,4 milhões para reforma ou construção do novo imóvel e R$ 100 mil para locação provisória durante o período das reformas”, diz trecho do depoimento à polícia de Lucio Souza Pereira Matteucci, engenheiro da empresa Acciona.

O terreno a ser adquirido pela Acciona foi escolhido pela própria Vai-Vai. Três áreas teriam sido indicadas, mas apenas um proprietário concordou com a venda. O dono era justamente o então diretor-financeiro da escola, Luiz Roberto Marcondes Machado de Barros. Ele é conhecido como Beto Bela Vista e, conforme diz a polícia em documentos oficiais, seria chefe do PCC na região.

O empresário, via advogados, nega qualquer relação com a facção criminosa. Também negam qualquer irregularidade na negociação do terreno.

Ainda conforme investigação policial, Luiz Roberto havia comprado a área em outubro de 2020, meses antes de vendê-la para a Vai-Vai. Na ocasião, ele pagou, conforme a investigação, R$ 2,8 milhões. Um ano depois, em outubro de 2021, concretizou a venda para escola por R$ 6,8 milhões.

O lucro do então diretor da Vai-Vai com a venda foi, assim, de R$ 4 milhões.
Curiosamente, Luiz Roberto assumiu como diretor financeiro da Vai-Vai em fevereiro de 2021 e deixou o cargo em setembro do mesmo ano, logo após acertar os detalhes da venda do terreno para a escola.

A investigação indica que Luiz Roberto não tinha “lastro econômico-financeiro, nem origem declarada de valores, para aquisição dos imóveis”. Por isso, os policiais acreditam que ele usou o negócio com a Vai-Vai para lavar dinheiro supostamente arrecadado com o tráfico de drogas.

Segundo documentos da polícia, Luiz Roberto tem passagens por formação de quadrilha, roubo, uso de documento falso, desacato, motim de presos, extorsão mediante sequestro, porte ilegal de armas, lesão corporal, resistência, desobediência e dano.

Ele esteve preso por cerca de dez anos (saiu em agosto de 2014). O seu último endereço no sistema prisional, segundo a SAP (Secretaria da Administração Penitenciária), foi a Penitenciária 2 de Venceslau, no interior de SP, onde fica a cúpula do PCC.

Dois processos tramitam contra o ex-diretor da agremiação sob a suspeita de lavagem de dinheiro.
A polícia não viu indícios de crime por parte dos representantes da Acciona na aquisição do terreno, considerando como tecnicamente correta.

Ouvidos durante a investigação, os antigos donos da área, comprada pelo então diretor e vendida para a Vai-Vai, disseram que até ficaram surpresos com interesse de Luiz Roberto pelas áreas, porque consideravam “elefantes brancos” por não conseguirem comercializá-la “devido ao zoneamento da área”.

OUTRO LADO

Procurada pela Folha de S.Paulo, a escola afirmou que não tinha conhecimento da limitação da área e, agora, está impedida de construir ali. “Não, a escola não tinha conhecimento do impedimento da construção. Pretendia-se construir a sede social da escola e não a quadra de ensaios. As obras estão paralisadas e não serão retomadas por decisão judicial”, afirma a Vai-Vai.

“Hoje, a escola está sem local definitivo, ensaiando na quadra do Sindicato dos Bancários, por omissão do próprio poder público em atender a demanda de instituição tão importante para construção da cultura na cidade e no estado de São Paulo.”

A advogada de defesa de Luiz Roberto diz que todas as relações “comerciais travadas entre ele e a escola de samba Vai-Vai são lícitas e já foram analisadas pela Polícia Civil, que afastou qualquer indício de irregularidade”.

“Todas as transações foram devidamente declaradas às autoridades competentes e não possuem nenhuma ilegalidade”, disse a advogada Luiza Oliver, sócia do Toron Advogados.

Sobre a ligação com o PCC, a advogada diz que Luiz Roberto nunca foi condenado nem denunciado por fazer parte de uma organização criminosa. O que existe, segundo ela, é um processo no qual o irmão dele foi denunciado.

“O Luiz Roberto não tem nenhuma relação com isso. Basta ler a denúncia apresentada pelo Ministério Público para ver. Portanto, é no mínimo temerário associá-lo a essa organização criminosa em razão de condutas atribuídas apenas e tão somente ao irmão. Obviamente, ninguém pode ser responsabilizado por atos de terceiros, mesmo que sejam irmãos”, disse.

Em depoimento à polícia em um dos processos de lavagem de dinheiro, Luiz Roberto negou ligação com o PCC. Disse que não pratica mais atividades ilícitas e que o patrimônio dele é fruto de herança. Por fim, disse frequentar a Vai-Vai desde criança e desconhecer ligação da escola com o crime.

O irmão do ex-presidente da Vai-Vai é Luiz Eduardo Marcondes Machado de Barros, o Du Bela Vista, que está preso no sistema federal. Advogado dele, Marcio Cavicchioli, disse que o seu cliente não tem relacionamento com a Vai-Vai e nem com o PCC.

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado