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Política & Poder

Toffoli propõe que STF decida direito ao esquecimento em todas as plataformas

Para ele, o reconhecimento do direito ao esquecimento seria um marco civilizatório menos comprometido com o passado e mais com o presente e sobretudo com o futuro

Redação Jornal de Brasília

03/02/2021 18h43

President of Brazil’s Supreme Federal Court Dias Toffoli looks on during an interview with Reuters in Brasilia, Brazil September 12, 2019. Picture taken September 12, 2019. REUTERS/Adriano Machado

Matheus Teixeira

O ministro Dias Toffoli propôs nesta quarta-feira (3) que o STF (Supremo Tribunal Federal) discuta a existência do direito ao esquecimento no Brasil em todas as plataformas, como buscadores da internet, documentos públicos ou reportagens jornalísticas.

O caso concreto em análise diz respeito a um programa veiculado pela TV Globo, mas o magistrado afirmou que o mais adequado é o Supremo discutir o tema sob todas as perspectivas.

O julgamento começou nesta quarta e Toffoli proferiu apenas a primeira parte de seu voto, em que fez um apanhado histórico do direito ao esquecimento no mundo. A análise do caso será retomada nesta quinta (4).

Em resumo, o STF irá decidir se a Justiça pode proibir um fato antigo de ser exposto ao público em respeito à privacidade e à intimidade da pessoa envolvida ou se um veto nesse sentido configuraria censura e violaria a liberdade de expressão.

A corte aplicou repercussão geral ao processo em pauta, o que significa que a decisão valerá para todos os processos em curso no país sobre o tema.

“Se o direito ao esquecimento existe ou não, independerá da plataforma referida. Muito embora o caso concreto seja televisivo, a existência ou não valerá para toda e qualquer plataforma”, sugeriu Toffoli, que é o relator da matéria.

Segundo o ministro, a primeira vez que se discutiu direito ao esquecimento no mundo foi em 1967 na França, quando a ex-amante de um serial killer acionou a Justiça para não ser retratada em um documentário que apresentava trechos da sua vida.

Ele citou estudo de Maryline Boizard, professora da Universidade de Rennes, sobre o tema.

“O direito ao esquecimento era analisado como ‘a prescrição de fatos que já não são relevantes’, por isso a referência naquele julgado à ‘prescrição do silêncio’, a indicar ‘um vínculo entre o direito ao esquecimento e o direito à prescrição’, relação que seria, aponta a autora, ‘particularmente evidente no contexto da prescrição da ação pública que se baseia na ideia de que ‘depois de um certo tempo, é supérfluo levar à justiça os crimes que foram esquecidos e cujos efeitos desapareceram'”, resumiu.

O caso em análise no STF é um recurso movido por irmãos de Aída Curi, assassinada em 1958 no Rio de Janeiro. O programa Linha Direta, da TV Globo, exibiu, 50 anos depois, um episódio em que reconstituiu o crime.

Os familiares dela, que foi violentada e assassinada e cujo caso foi amplamente divulgado pela imprensa à época, pedem uma indenização ao canal de televisão. Eles perderam a causa em todas as instâncias antes de chegar ao STF.

No STJ (Superior Tribunal de Justiça), eles também perderam, mas a corte reconheceu a existência do direito ao esquecimento.

Antes de Toffoli, usaram a palavra os advogados da causa, a PGR (Procuradoria-Geral da República) e representantes de associações que figuram como amici curiae no processo.

O vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques, falou em nome da PGR e defendeu a rejeição do recurso da família de Aída Curi “A pretensa ideia de um direito ao esquecimento é extrair do transcurso do tempo uma possibilidade de afetar a liberdade de expressão”, criticou.

Jacques questionou se o tempo tem condições de “mudar tão profundamente a realidade” para que o país crie o direito ao esquecimento.

“Aquilo que posso dizer hoje o tempo poderá fazer com que decaia a minha possibilidade de falar, de dizer, de expressar?”, argumentou.

Ele defendeu que a Justiça já tem ferramentas para coibir abusos e que não é necessário instituir uma nova figura ao ordenamento jurídico do país.

O advogado da família de Aída Curi, Roberto Algranti Filho, defendeu que o direito à informação não pode ser sempre mais importante do que a dignidade da pessoa humana.

“Nossos traumas do passado devem nos impulsionar um presente mais humano e não nos petrificar de medo. Não podemos incorrer num passadismo jacobino, não podemos aprisionar as próximas gerações nas celas dos nossos próprios ressentimentos”, disse.

Para ele, o reconhecimento do direito ao esquecimento seria um marco civilizatório menos comprometido com o passado e mais com o presente e sobretudo com o futuro.

“Não à toa o Tribunal de Justiça da União Europeia reconheceu o direito ao esquecimento e o instrumentalizou com a desindexação de informação desabonadora sem contemporaneidade com o interesse público dos buscadores”, afirmou.

O advogado da TV Globo, Gustavo Binenbojm, por sua vez, destacou que a decisão da União Europeia diz respeito apenas a buscadores de internet e que a discussão em curso no Supremo é mais ampla e envolve também a atuação da imprensa e a liberdade de expressão na internet.

Ele lembrou que o irmão de Aída Curi escreveu dois livros sobre o crime e afirmou que não há motivo para o veículo de comunicação indenizar a família.

“O mero desejo de alguém de não ser lembrado sobre fatos desagradáveis ou embaraçosos resolvidos no passado pode configurar, quando associado ao decurso do tempo, um direito fundamental? A resposta da Constituição é claramente negativa”, disse.

Ele citou a possibilidade de o direito ao esquecimento restringir e até suprimir direitos fundamentais, como a liberdade de imprensa.

Binenbojm argumentou, ainda, que não há previsão legal para o direito ao esquecimento no Brasil.

“Trata-se no caso de um silêncio muito eloquente. Nem Marco Civil da internet, nem a Lei Geral da Proteção de Dados e muito menos a constituição, já reformada mais de 100 vezes, reconheceu esse direito”, afirmou.

As informações são da Folhapress

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