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Política & Poder

‘Símbolo de resistência e uma semente’, diz mãe de Marielle

A inauguração da estátua abrirá uma série de eventos na cidade em memória de Marielle

FolhaPress

13/03/2023 22h13

Atualizada 14/03/2023 0h03

Bruna Fantti
Rio de Janeiro, RJ

Marinete Silva, 71, lembra com carinho do chá de hibisco e tangerina que provou em seu último encontro com a filha, Marielle Franco, na véspera da sua morte. “Tomei no gabinete dela, que eu visitava pela primeira vez”, disse.

Menos de 24 horas depois, Mari, que se apresentava como negra, socióloga e cria do Complexo da Maré, eleita com 46.502 votos para a Câmara do Rio de Janeiro, foi assassinada com cinco tiros.

“Ficamos juntas das 17h30 às 22h30. Ela me mostrou a sala onde recebia as pessoas, lanchamos. Acompanhei as sessões no plenário com ela. Entre uma sessão e outra fomos na rua, procurar colírio para a filha dela que estava com conjuntivite. Foi algo preparado por Deus essas horas. Uma despedida.”

Marinete acompanhou, nesta segunda (13), a montagem de uma estátua de 11 metros da filha que será inaugurada nesta terça (14), quando se completam cinco anos do crime, que também vitimou o motorista Anderson Gomes.

A inauguração da estátua abrirá uma série de eventos na cidade em memória de Marielle.

A escultura “Corte Seco – Marielle” foi doada pelo artista Paulo Nazareth para o Instituto Marielle Franco e ficará nos pilotis do Museu de Arte do Rio, na praça Mauá.

Sobre a federalização do caso, ela continua a ser contra. “O crime foi no Rio de Janeiro, é das autoridades do Rio de Janeiro que a resposta tem que ser dada aos eleitores da Marielle, para a sociedade. Nunca perdi as esperanças, mas sigo contrária à federalização”, afirmou.

Nesta segunda, ela foi a uma reunião com a força-tarefa federal montada para auxiliar nas investigações.

O atual diretor da Polícia Federal no Rio de Janeiro, Leandro Almada, foi o responsável por apontar uma trama envolvendo policiais, milicianos e até um ex-conselheiro do TCE (Tribunal de Contas do Estado) como mandante do crime. A partir disso, ocorreu o primeiro pedido de federalização do caso, negado pela Justiça, em 2020.

Investigadores não quiseram dar entrevistas, mas alguns comentaram que uma das vantagens da federalização seria a possibilidade de saber se a arma utilizada pelo crime foi extraviada do próprio acervo da PF.

Isso porque os investigadores concluíram que uma metralhadora HK MP5, utilizada tanto pelas forças especiais quanto pela PF, foi utilizada no crime. Já se sabe que uma arma da Polícia Federal, do mesmo modelo, foi extraviada do arsenal e nunca encontrada. Na época, os investigadores da Polícia Civil chegaram a cogitar ter sido essa arma a utilizada, mas nada foi provado.

O ministro da Justiça, Flávio Dino, anunciou em fevereiro deste ano o auxílio da PF nas investigações.

Vera Araújo, autora com Chico Otávio do livro “Mataram Marielle”, da editora Intrínseca, afirma que Dino encontrou uma forma de burlar a burocracia.

“Ele (Flávio Dino) sabia que federalizar dá muito trabalho porque o assunto já foi analisado pelo pelo STJ (Supremo Tribunal de Justiça) e ele teria que conseguir provar, de forma mais detalhada, que tanto a Polícia Civil quanto o Ministério Público não atuaram da forma que era necessário. Então, ele propôs uma forma de parceria”, apontou.

A socióloga Sílvia Ramos, que também era amiga de Marielle, lembra-se da campanha de difamação que se seguiu após a morte da vereadora. “A difamação das vítimas é um movimento que acontece em uma tentativa de justificar a morte por um suposto envolvimento com o crime. Foi uma tentativa de tirar o foco da atrocidade que essa execução representa como crime político”, disse.

Rafael Borges, presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB/RJ (Ordem dos Advogados do Brasil), afirma que a memória de Marielle foi atacada por grupos avessos ao Estado democrático.

“Marielle tinha uma pauta política de firme compromisso com grupos minorizados e direitos sociais. Essa pauta se contrapunha ao recrudescimento do estado policial”, disse.

As difamações ocorreram principalmente por grupos bolsonaristas, que criticavam a atuação da vereadora em casos de investigação de supostas arbitrariedades de policiais. Antes de ser vereadora, Marielle participou da Comissão de Direitos Humanos da Alerj (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro).

“Quem convivia com a Mari de perto sabia que ela era uma força da natureza. Tinha uma esperança contagiante de que seria possível mudar a vida, além de bom humor e criatividade. Depois de seu assassinato, a lembrança dela é de beleza e coragem. Por isso se diz que Mari é semente”, afirmou a amiga Sílvia.

Se nos detalhes a saudade aperta, é no legado de Marielle que sua mãe encontra forças.

“Tenho consciência do que a minha filha se tornou: um símbolo de resistência, de mudança, uma semente que inspira. Minha filha sempre foi determinada, desde pequena. Quando brincava, gostava de ser ou professora ou mãe. E sempre inspirou, até no turbante, no modo de falar, vejo muitas meninas que ela influenciou. Hoje, mais mulheres negras ocupam lugares que antes não imaginavam por causa dela”, disse Marinete.

Até o momento, os ex-policiais militares Ronnie Lessa e Élcio Queiroz estão presos, aguardando julgamento. Eles negam as acusações.

CRONOLOGIA

  • Assassinato
    Em 14 de março de 2018, Marielle e Anderson são mortos a tiros ao saírem de evento no centro do Rio; a assessora Fernanda Chaves sofre ferimentos, mas sobrevive
  • Investigação federal
    Em novembro de 2018, a Polícia Federal abre “investigação da investigação”, para apurar denúncias de irregularidades e interferências no trabalho da Polícia Civil e do Ministério Público estadual
  • Batalha judicial
    Em agosto de 2018, é expedida a primeira decisão judicial determinando que o Google forneça dados que possam ajudar a solucionar o caso
  • Prisão dos acusados
    Em 12 de março de 2019, o policial militar reformado Ronnie Lessa e o ex-policial militar Élcio Vieira de Queiroz são presos e acusados pelo Ministério Público estadual pela execução do crime
  • 1ª troca de delegado
    Dias depois, a delegacia responsável pela apuração do caso troca de comando: Giniton Lages é substituído por Daniel Rosa na condução da segunda fase, para investigar os mandantes
  • Federalização
    Em setembro de 2019, com base na investigação da PF, a então procuradora-geral Raquel Dodge pede a federalização das investigações e denuncia cinco suspeitos por terem tentado fraudá-las com depoimentos falsos –incluindo Domingos Brazão, conselheiro afastado do TCE-RJ
  • Citação a Bolsonaro
    Em 29 de outubro de 2019, o Jornal Nacional, da Globo, divulga que um porteiro do condomínio Vivendas da Barra disse à polícia que foi Bolsonaro quem liberou a entrada de Élcio no local no dia do crime. Bolsonaro, porém, estava em Brasília e o Ministério Público apurou que essa versão era falsa
  • Não federalização
    Em maio de 2020, STJ decide que caso não seria federalizado por unanimidade (oito votos a zero). A relatora Laurita Vaz não viu “inércia ou inação” das autoridades do RJ
  • Briga com o Google
    Em agosto de 2020, STJ nega recurso do Google e confirma que a empresa deve compartilhar geolocalização de usuários a pedido da promotoria, o que até agora não foi feito. O caso subiu para o STF, ainda sem data marcada para o julgamento
  • 2ª troca de delegado
    Em setembro de 2020, depois que o governador Wilson Witzel (PSC) é afastado e o vice Cláudio Castro assume, um terceiro delegado é colocado no cargo: Moysés Santana
  • Criação de força-tarefa no MP-RJ
    Em março de 2021, o Ministério Público do Rio de Janeiro cria uma força-tarefa para investigar o caso. O grupo foi estruturado com três promotores, sendo um deles Simone Sibilio, que acompanhou a apuração desde 2018
  • Lessa é condenado por destruição de provas
    Em julho de 2021, Ronnie Lessa é condenado a quatro anos e seis meses de reclusão por ocultação e destruição de provas no caso
  • 3ª troca de delegado
    Em julho de 2021, o delegado Henrique Damasceno deixa a 16ª DP (Barra da Tijuca) e assume a chefia da Delegacia de Homicídios da Capital, incluindo o caso Marielle
  • Promotora deixa as investigações
    Em julho de 2021, a promotora Simone Sibilio deixa o caso em meio a divergências causadas pelo acordo de colaboração premiada fechado com Júlia Lotufo, viúva do miliciano Adriano da Nóbrega. MP-RJ anuncia nova força-tarefa com oito promotores
  • 4ª troca de delegado
    Em fevereiro de 2022, a investigação do assassinato de Marielle passa para as mãos do delegado Alexandre Herdy, o quinto a assumir o caso
  • Julgamento
    O tribunal do júri contra Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz ainda não tem data para acontecer, já que a defesa entrou com recurso no STJ. Os mandantes do crime ainda não foram identificados

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