Menu
Política & Poder

Receita cobra impostos e multa de Ciro Nogueira por suposta propina recebida

Procedimento de fiscalização do órgão assinado em 2018 concluiu que o senador, novo chefe da Casa Civil do governo Jair Bolsonaro, não declarou ao fisco em 2014 R$ 1,4 milhão pago pela empreiteira UTC em esquema alvo da Operação Lava Jato e outros R$ 5 milhões repassados pelo frigorífico JBS

Redação Jornal de Brasília

28/07/2021 7h16

Foto: Agência Senado

Felipe Bächtold
FolhaPress

A Receita Federal autuou o senador Ciro Nogueira (PP-PI) e cobrou impostos e multa sobre valores suspeitos de serem recebidos como propina.

Procedimento de fiscalização do órgão assinado em 2018 concluiu que o senador, novo chefe da Casa Civil do governo Jair Bolsonaro, não declarou ao fisco em 2014 R$ 1,4 milhão pago pela empreiteira UTC em esquema alvo da Operação Lava Jato e outros R$ 5 milhões repassados pelo frigorífico JBS.

Para demonstrar essa tese, os auditores mencionaram diversas movimentações financeiras em dinheiro vivo feitas pelo político e pessoas próximas na época.

O senador, presidente desde 2013 do PP, um dos principais partidos implicados na Lava Jato, recorreu junto ao Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), órgão vinculado ao Ministério da Economia.

A Folha questionou a pasta sobre o estágio de análise desse recurso, e a resposta foi que o Carf não se manifesta sobre processos específicos que constam em seu acervo. Também não informou quanto foi cobrado.

O relatório dos auditores foi anexado em inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal que apura os repasses da JBS ao senador. No início de 2019, ele foi alvo de uma operação da PF dentro dessa investigação, batizada de Compensação. Na ocasião, foram encontrados em endereço dele em Teresina US$ 33,5 mil (equivalente a R$ 173 mil em valores atuais). A investigação criminal ainda não foi encerrada.

O procedimento da Receita afirma que o político foi questionado sobre a movimentação das quantias e que “abdicou de apresentar” explicações.

A principal movimentação em espécie mencionada pelos auditores foi o pagamento em outubro de 2014 de R$ 445 mil em custas do inventário do pai do político, que havia morrido no ano anterior. A transação, feita por um irmão do senador, Raimundo, foi confirmada pela família em depoimentos.

A apuração também lista, por exemplo, depósitos em dinheiro vivo em sua conta que somaram quase R$ 60 mil ao longo de 2014 e pagamentos de despesas pessoais feitas dessa maneira. Há menções a pagamentos efetuados por ele de R$ 20 mil a uma loja de veículos importados, em São Paulo, e outros R$ 2.460 em uma concessionária, no DF.

“Não é razoável acreditar que indivíduos esclarecidos e sem a necessidade de esconder a real origem de suas rendas optariam por transitar com valores significativos em espécie, abdicando da segurança e da celeridade de transações bancárias”, diz o documento.

O porte de dinheiro em espécie não é ilegal. Investigadores, porém, veem essa prática como uma maneira de ocultar a origem de recebimentos ilícitos.

Ciro Nogueira declarou possuir R$ 180 mil em dinheiro vivo na mais recente eleição que disputou, em 2018.

Em outro trecho, a fiscalização também questionou recebimentos de quantias por um assessor parlamentar e identificou transferências dele para o senador, no valor de R$ 11 mil, sem que houvesse qualquer motivação.

Os fiscais também levantam suspeitas de irregularidades sobre transações de imóveis de empresas do congressista. Mencionam, por exemplo, a compra de um imóvel declarada por R$ 75 mil, mas que custou de fato R$ 500 mil.

Diz ainda que a companhia CNLF Empreendimentos Imobiliários buscou camuflar a movimentação de R$ 1,2 milhão na negociação de um outro imóvel, também em 2014.

Os auditores suspeitaram de que a prática representasse uma transação “preparatória a lavagem de dinheiro”.

O relatório fala ainda em “contabilidade paralela” nas empresas, incluindo saída de recursos não contabilizada, e “confusão patrimonial” entre firmas dele e de parentes, como a mãe, Eliane, que é suplente no Senado e irá assumir a vaga quando ele se licenciar para chefiar o ministério.

“As verbas que beneficiaram Ciro Nogueira, legitimas vantagens indevidas, estão sujeitas à tributação pelo Imposto de Renda”, diz o documento.

Para chegar ao valor de R$ 5 milhões vindo da JBS, além da delação da empresa, a fiscalização fez uma apuração junto a uma rede de supermercados do Piauí onde pagamentos foram providenciados.

Segundo afirmam os delatores da JBS, o grupo empresarial combinava com supermercados pelo Brasil pagamentos pelos seus produtos em espécie e, a seguir, destinava as quantias diretamente a emissários dos políticos beneficiados.

No caso do Piauí, isso teria acontecido com a rede Comercial Carvalho. Dirigentes da varejista afirmaram que fizeram diversas entregas, por acordo com a JBS, para outro irmão do senador, Gustavo.

O valor de R$ 5 milhões consta em planilhas dessas entregas. Foram também pesquisadas notas fiscais emitidas pela JBS à rede mediante retiradas de valores em espécie.

Um trecho do relatório, que aborda os repasses da empreiteira UTC, diz que as análises das movimentações financeiras abordam universo diminuto por terem sido feitas por amostragem, embora o mérito seja qualitativo.

As conclusões da Receita foram incluídas em representação fiscal para fins penais encaminhada à Procuradoria-Geral da República. Essa é uma espécie de comunicação formal feita pelos fiscais de eventuais crimes verificados em trabalho de fiscalização tributária.

Ciro Nogueira exerce mandatos parlamentares desde 1995, quando assumiu mandato na Câmara dos Deputados. Desde 2011, é senador. Seu patrimônio declarado na eleição de 2018 foi de R$ 23,3 milhões —a maior parte é relativa à propriedade de uma revendedora de motocicletas.

Além do inquérito decorrente da delação da JBS, Ciro Nogueira já foi alvo de denúncias apresentadas pela Procuradoria-Geral que derivam da Operação Lava Jato.

Em 2020, a Procuradoria o acusou de receber propina de R$ 7,3 milhões da Odebrecht, em 2014 e 2015, em troca de atuação no Congresso em benefício da Braskem, braço petroquímico do grupo.

Em outra denúncia, a PGR acusou o senador, o deputado Eduardo da Fonte (PP-PE) e o ex-deputado Márcio Junqueira (ex-filiado ao PP) por suposta tentativa de atrapalhar os trabalhos da Lava Jato. Nesse caso, a suspeita é de tentativa de comprar o silêncio de um ex-assessor que tem colaborado com os investigadores.

Neste ano, o parlamentar obteve uma vitória no Supremo com o arquivamento de denúncia na qual era acusado de integrar organização criminosa formada por líderes do PP.

OUTRO LADO

A Folha procurou a assessoria de Ciro Nogueira nesta terça-feira (27) e o questionou sobre o teor da fiscalização feita pela Receita Federal. Não houve resposta até a publicação desta reportagem.

O senador sempre negou ter cometidos crimes, conforme foi apontado por investigadores da Lava Jato. Na semana passada, sua defesa na esfera criminal disse que ele foi colocado em foco de investigação quando havia uma “tendência de criminalização da política”.

Também disse que não há, nos inquéritos em trâmite no Supremo, “qualquer coisa que preocupe a defesa” e que o tempo exagerado nas análises das questões “faz com que exista um desequilíbrio entre os Poderes”.

Em depoimento à PF em 2019 na investigação criminal sobre os pagamentos da JBS, Ciro Nogueira disse que, como presidente do partido, procurou apoio financeiro de várias empresas do país na campanha eleitoral. Na época, as doações empresariais de campanha eram permitidas.

Disse que a planilha de pagamentos apresentada pelo grupo Comercial Carvalho, do Piauí, não tem “qualquer fundamento fático” e que não constava nenhum documento legal que a embasasse efetivamente.

Questionado sobre por que o dono da rede de supermercados, Reginaldo Carvalho, daria declarações sobre entrega de dinheiro vivo, o senador sugeriu que o empresário seria próximo da holding dona da JBS.

A reportagem não conseguiu localizar representantes da Comercial Carvalho para comentar o assunto.

Também em depoimento em 2019, Gustavo Nogueira disse que esteve na rede varejista para discutir assuntos de natureza empresarial e pessoal e negou que tenha ido retirar dinheiro em espécie no local.

Sobre o pagamento relacionado ao inventário do pai, disse na audiência que a quitação foi feita pela mãe, Eliane, que havia guardado valores anteriormente.

Procurada, a holding dona da JBS não se manifestou.

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado