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Política & Poder

Rebu na Res publica

Letra do Hino Nacional custou “cinco miréis” ao contribuinte

Gustavo Mariani

06/09/2023 5h24

Assim como a República brasileira, proclamada por motivos sexuais – o marechal Deodoro da Fonseca não perdoava o conselheiro imperial Silveira Martins, por ganhar a mulher que ambos disputavam -, a letra do Hino Nacional, também, foi oficializada por conta de um rebu.

Seguinte: compositores ‘brazucas’ criavam hinos que só puxavam o saco do Imperador Pedro I, que era músico – tocava vários instrumentos – e compositor – autor do Hino da Independência, que muitos especialistas gostariam que fosse o nosso Hino Nacional, sustentando que o atual tem plágios de ‘Matinas da Conceição’, do Padre José Maurício Nunes Garcia, e árias de Franz List, em Elixir do Amor, além de influências da Sonata Nº 1 em Lá Menor (Centone di Sonate), de Niccolò Paganini (1782-1840), e da sinfonia Eroica, de Ludwig van Beethoven (1770-1827).

Proclamada a República (a coisa pública), o presidente e marechal Deodoro da Fonseca sumiu com as letras feitas em 1831 – por Ovídio Saraiva de Carvalho, com ataques irados aos portugueses – e em 1841 – de autor desconhecido, lambendo as botas de Pedro I -, mas manteve a melodia composta pelo maestro Francisco Manoel da Silva. Depois, organizou concurso público para se ter novos versos, pois só cantores profissionais dominavam técnicas de alongamento de sons vocálicos e de ajuste de uma sílaba em mais de uma nota.

Versos monárquicos banidos, ouvia-se só o som seco dos metais, numa marchinha animada que o povo gostava e queria cantar. Lá pelas tantas era 15 de janeiro de 1890 e comemorava-se o segundo mês de Brasil republicano. Rolava a festa no palácio Itamaraty – sede do governo provisório, no Rio de Janeiro – quando o ministro da Guerra, Benjamin Constant, levou ao marechal Deodoro argumentos pela manutenção do Hino Nacional. Já que era dia de festa, o homem até topou. Então, uma banda militar mandou ver na partitura escrita pelo maestro Francisco Manuel da Silva. Rolou o som e tocou o rebu.

Quem estava na casa apavorou-se e uma tremenda correria tomou conta do recinto, pois circulou que que a música seria a senha para início de contragolpe monárquico, a derrubada do marechal ‘traíra’, que esquecera ter o Pedro II alavancado a sua carreira, após a guerra contra o Paraguai (1860-1870).

Mesmo com o rebuliço no Itamaraty, o concurso foi mantido – terminou em “pizza”, com o marechal Deodoro mantendo o hino, mas sem letra, livrando o povão de ouvir, futuramente, “lábaro estrelado; brado retumbante; raios fúlgidos; margens plácidas; penhor dessa igualdade; raio vívido; impávido colosso; berço esplêndido; fulguras; florão; terra mais garrida; clava forte e até a indesejável palavra ‘morte’.

Chegado 1906, o maestro Alberto Nepomuceno, diretor do Instituto Nacional de Música, ouviu bandas executando o hino por formas diferentes. Recorreu à partitura original do maestro Francisco Manoel da Silva e achou ser hora de aquela parte voltar a ter letra, pois esta vinha sendo uma esculhambação, cantada do jeito que o povo de cada Estado bem entendesse.

Nepomuceno, então, convenceu o presidente da República do momento, Afonso Pena, a enviar ao Congresso Nacional projeto de lei abrindo concurso público para a escolha de novos versos, proposta que foi rejeitada. Então, ele enviou cópias de uma letra de Osório Duque Estrada para escolas e quartéis de todo o país, autêntica tentativa de “golpe de estado musical”.

Em 1910, o deputado/escritor famoso Coelho Neto apresentou nova emenda, determinando que versos de Duque-Estrada, apresentados durante concurso de 1909, fossem oficializados, por “já vir sendo cantados por todos os brasileiros”, afirmava. Mais uma vez, proposta recusada.

O tempo passava e os congressistas engavetando vários projetos de letra para o Hino Nacional. Faltando poucos dias para o centenário da Independência do País – 7 de setembro de 1922 -, não havia tempo para se promover novo concurso.

Como o presidente Epitácio Pessoa queria hino tocado durante a inauguração do rádio no Brasil, o Congresso Nacional comprou, por cinco contos de reis, a letra de Duque-Estrada e, em 6 de setembro de 1922, a tal foi oficializada por símbolo da pátria – primeira letra de hino nacional do planeta negociada na grana viva.

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