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Política & Poder

PT liga alerta e aciona base de campanha para ajudar Lula em início turbulento de governo

O primeiro passo do partido será retomar os chamados Comitês Populares de Luta, que funcionaram como embaixadas da campanha em 2022

FolhaPress

14/04/2023 9h30

EVARISTO SA / AFP

JOELMIR TAVARES
SÃO PAULO, SP

O PT quer reativar estratégias de mobilização adotadas na campanha pela eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em meio às crescentes cobranças internas pela busca de maior envolvimento da população com as bandeiras governistas.

A baixa conexão do Planalto com setores da sociedade, os tropeços na comunicação e o cenário pedregoso no Congresso têm preocupado aliados, com alertas de que é preciso uma ação rápida em um contexto de “disputa de narrativas”, expressão usada pela militância petista.

O primeiro passo do partido será retomar os chamados Comitês Populares de Luta, que funcionaram como embaixadas da campanha em 2022. Mantidas por filiados e voluntários, as unidades se valiam do contato direto para apresentar propostas, desmentir fake news e motivar apoiadores.

A secretária nacional de mobilização do PT, Mariana Janeiro, diz que o objetivo é retomar as atividades de “todos os comitês possíveis”. Segundo ela, ainda estão registrados cerca de 4.000 espaços.

“É natural as coisas darem uma arrefecida depois do período eleitoral. Agora, temos um governo para dar sustentação. Vencer a eleição é um passo, manter o governo é outro, e é um momento perene. Para isso, precisamos das bases organizadas para disputarmos a narrativa que está posta”, afirma Mariana.

A retomada dos comitês para fortalecer o trabalho de base foi apontada como prioridade nas discussões do seminário de comunicação que o PT abriu em Brasília nesta quinta (13) e conclui nesta sexta-feira (14).

A manutenção das estruturas já tinha sido determinada em uma resolução do diretório nacional da sigla.

Pela proposta, partidos aliados e movimentos sociais estão debatendo o melhor formato, fixando o que Mariana descreve como “função social” dos comitês.

Pressões para que o governo acerte os ponteiros levam em conta a divisão política do país -Lula teve 50,9% dos votos válidos no segundo turno, apenas 1,8 ponto percentual à frente de Jair Bolsonaro (PL)-, a força de uma oposição turbinada nas urnas e a frágil base de apoio no Legislativo.

Segundo pesquisa Datafolha, 38% dos brasileiros acham o atual governo ótimo ou bom, 30% o consideram regular, e 29% o avaliam como ruim ou péssimo.

Apoiador do PT, o teólogo e escritor Frei Betto afirmou em artigo publicado na Folha de S.Paulo nesta semana que Lula não vencerá os “imensos desafios” do Brasil “sem educação política do povo e mobilização popular”.

O ex-ministro Tarso Genro também apontou a necessidade de novas abordagens no convencimento político e disse que os comitês populares são importantes, mas sozinhos não bastam, em entrevista à edição mais recente da revista semanal da Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT.

“Cada um tem que ter uma estrutura em rede para se comunicar de maneira direta, horizontal, com toda a comunidade, não somente com o seu grupo”, afirmou ele.

A direita que empoderou Bolsonaro e mantém vivo o bolsonarismo é bem-sucedida ao explorar o boca a boca digital e atingir novos públicos.

Os movimentos sociais com formato tradicional mantêm com o governo Lula uma relação delicada, em que tentam equilibrar demandas por avanços com ações para dar respaldo ao mandato.

Em aceno ao Planalto, o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) decidiu brecar a onda de invasões que faz anualmente em abril. A ideia de manter a jornada Abril Vermelho, para chamar a atenção para a pauta da reforma agrária, vinha sendo criticada por oposição e situação.

A simbiose entre movimentos e governo foi exposta também na revisão do novo ensino médio, anunciada em reação às críticas de entidades de estudantes e professores ao modelo atualizado de grade curricular.

Raimundo Bonfim, coordenador nacional da CMP (Central de Movimentos Populares) e filiado ao PT, defende que o governo estimule “uma participação popular de outro tipo”, que não fique restrita a conselhos e conferências resgatados por Lula após o desmonte de Bolsonaro.

“Não pode ser mais do mesmo. Precisa ser um caminho que envolva a participação das massas no debate político e na construção das políticas públicas, com ações de conscientização do povo para enfrentar o fascismo”, diz Bonfim, citando ainda a resistência de setores econômicos à agenda petista.

Um dos órgãos recém-criados pelo Executivo é o Conselho de Participação Social, que fará interlocução com movimentos populares e organizações da sociedade civil. A instalação do colegiado está agendada para a próxima quarta-feira (19), em ato com a presença de Lula.

Para Bonfim, o presidente acertou até aqui ao privilegiar políticas de inclusão social, mas não pode descuidar de temas como organização popular e consciência cidadã. “Para essa segunda parte, o governo precisa muito mais do que cem dias, mas não pode demorar muito”, opina.

No início do ano, Dilma Rousseff (PT) fez um discurso em tom de advertência para endossar que um governo como o de Lula não se mantém “sem uma estrutura de organização popular”. A fala ganhou conotação grave por vir de uma presidente que perdeu apoio e sofreu impeachment.

“Temos de nos organizar para conseguir apoiar que as medidas legislativas e políticas que o governo venha a tomar tenham apoio, tenham sustentação, e que não ocorra nenhuma ruptura que nós não possamos enfrentar”, afirmou em janeiro a atual presidente do NDB, o Banco do Brics.

Na análise do cientista político Luis Felipe Miguel, professor da UnB (Universidade de Brasília), o quadro é muito diferente do experimentado por Lula em seus primeiros governos, com a habitual fase de lua de mel.

“Não acho que o governo deva ter a tarefa de mobilizar. O papel é dos movimentos. Há, no entanto, uma baixa capacidade de mobilização desse campo, em parte por responsabilidade das gestões do PT. Essa insuficiência é um dos grandes problemas da nossa democracia hoje”, diz.

Miguel avalia que, se Lula falhar na implementação de medidas que melhorem a vida dos mais pobres, “não apenas terá fracassado no seu governo e na sua ressurreição política, como terá contribuído para o novo fortalecimento da extrema direita”.

Daí a importância de ter as forças sociais jogando junto, inclusive para tentar influenciar os parlamentares, que são suscetíveis a desgastes na opinião pública. O jogo tradicional feito por Lula com o Congresso no primeiro mandato não funciona mais, afirma o professor.

“Um ingrediente novo seria mostrar à elite política que o boicote ao governo tem custo. Para isso, precisa de mobilização. Se continuar no ritmo de hoje, o governo terá muita dificuldade de apresentar resultados palpáveis para a sua base. E isso não se faz com meme de picanha barata.”

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