Matheus Teixeira
BRASÍLIA, DF
Em reação às articulações da classe política, a ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) emitiu uma nota com duras críticas à PEC (Proposta de Emenda à Constituição) em tramitação na Câmara dos Deputados que amplia os poderes do Congresso em relação ao CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público).
A entidade afirma que a medida levará ao “aumento indevido da influência política no órgão” e representa “tentativa legislativa de atingir o coração do Ministério Público, que é a sua autonomia institucional e a independência funcional de seus membros”.
“As mudanças de desenho institucional e o aumento indevido da influência política no órgão afetam a própria existência da instituição”, diz. Atualmente, o conselho, responsável por realizar a fiscalização administrativa, financeira e disciplinar dos integrantes do Ministério Público, é composto por 14 membros.
A ideia em discussão no Parlamento aumenta o colegiado para 15 integrantes e amplia de dois para quatro a quantidade de assentos indicados pelo Congresso para o órgão. Além disso, também determina que o corregedor do CNMP, um dos cargos mais importantes do conselho, deve ser membro da carreira, mas será escolhido pelo Legislativo.
O titular do cargo também acumularia a vice-presidência do conselho, atualmente ocupada pelo vice-procurador-geral da República. A proposta tem apoio de congressitas do centrão, grupo aliado do governo Jair Bolsonaro, e do PT. As polêmicas em torno do texto, porém, têm dificultado a aprovação da matéria.
Com aval do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a votação estava programada para a última quinta-feira (7). Mas, sem acordo, ela acabou adiada para que haja um aperfeiçoamento do texto nos próximos dias em busca de uma maioria na Casa.
A margem apertada na votação (216 contra e 197 a favor) de um requerimento para retirar a PEC da pauta expôs a divisão dos parlamentares e levantou dúvidas sobre a viabilidade para aprovar a matéria na última semana. Para a proposta passar, são necessários, no mínimo, 308 votos em dois turnos. Se chancelado pelos deputados, o texto ainda precisa ser validado pelo Senado, também em votação em dois turnos e com apoio mínimo de 49 senadores (de um total de 81).
Na nota, a ANPR afirma que os procuradores estão abertos a medidas que visem aperfeiçoar o trabalho da instituição. O texto em tramitação na Câmara, porém, não melhoraria os trabalhos do CNMP, de acordo com a entidade. “Ao contrário, ela acarreta politização no conselho e subordinação da agenda correicional a interesses ocasionais contra atuações do Ministério Público em temas de relevância nacional”, diz.
A associação afirma que a proposta é inconstitucional e viola a autonomia institucional do Ministério Público, uma vez que a maioria dos integrantes do CNMP passaria a ser de pessoas de fora da carreira. “A despeito da preservação de maioria (apertada) de membros do Ministério Público no colegiado, constata-se que a minoria dos integrantes do CNMP seria escolhida pelo próprio Ministério Público”, diz.
O texto original do autor da matéria, deputado Paulo Teixeira (PT-SP), já era alvo de críticas de integrantes do órgão de investigação. As alterações do relator, Paulo Magalhães (PSD-BA), ampliaram ainda mais os questionamentos. A proposta é mais um capítulo da guerra entre a classe política e investigadores do MP. A disputa foi reforçada nos últimos anos, principalmente, após operações da Lava Jato mirarem parlamentares e dirigentes partidários, que acusam procuradores de expor investigados antes de serem submetidos a julgamento do Judiciário.
Integrantes da Lava Jato, inclusive, já foram alvo de seguidos processos no órgão nos últimos anos, que já levaram inclusive à punição do procurador Deltan Dallagnol. Um argumento jurídico usado pela ANPR para defender a derrubada da proposta diz respeito à ordem constitucional que prevê uma simetria entre o CNMP e o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), órgão equivalente relativo ao Poder Judiciário.
Ambos os órgãos foram criados por meio de uma PEC aprovada em 2004 como forma de ampliar a transparência e os mecanismos de controle sobre as instituições. Em 2005, o STF julgou uma ação que tratava da criação do CNJ e determinou que é obrigatório manter maioria qualificada de integrantes da carreira para o funcionamento do órgão. Agora, a ANPR argumenta que essa regra também tem que ser seguida no CNMP.
“Com base no entendimento do STF, qualquer proposta de alteração constitucional da organização e funcionamento do CNJ e do CNMP deve curvar-se às diretrizes contidas no acórdão que julgou a ação 3367”, diz o texto da associação.
A ANPR também classifica como “desnecessário” o trecho da PEC que obriga o CNMP a enviar, em 120 dias, uma proposta de lei complementar que institua o Código Nacional de Ética e Disciplina do Ministério Público brasileiro e do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União.
Segundo a associação, essa norma pode ser elaborada e aprovada pelo próprio CNMP, o que torna “desnecessária nova iniciativa legislativa para o regime disciplinar”. Além disso, um dos pontos mais criticados da PEC é o que autoriza o CNMP a rever atos de integrantes do Ministério Público quando se observar a utilização do cargo para “interferir na ordem pública, na ordem política” e na organização interna de outras instituições.
O dispositivo também permite ao órgão derrubar decisões de conselhos superiores. Segundo a ANPR, há “inconstitucionalidade chapada” da proposta sobre essa questão. “O desenho institucional do CNMP não valida a competência para a revisão dos atos finalísticos praticados pelos membros do Ministério Público, no âmbito judicial ou extrajudicial, salvo quanto à sua repercussão na esfera disciplinar”, afirma a nota. A associação também critica o fato de os termos usados na propostas serem muito amplos.
“A vagueza conceitual residente na noção de ‘interferência’ na ‘ordem pública, na ordem política, na organização interna e na independência das instituições e dos órgãos constitucionais’ é de tal ordem que praticamente se inviabiliza a atuação do Ministério Público em temas que envolvam direitos fundamentais e sua implementação”, afirma.
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Outra pauta aprovada na Câmara na última semana que foi interpretada no Ministério Público como represália a membros da instituição diz respeito às mudanças na Lei de Improbidade Administrativa, dificultando punições ao prevê-las apenas em caso de irregularidades decorrente de má-fé comprovada dos gestores.
Mudanças contidas na PEC
- Autoriza o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) a rever atos de integrantes do Ministério Público quando se observar tentativa de “interferir na ordem política”;
- As funções de vice-presidente do CNMP e de corregedor passam a ser exercidas pelo conselheiro indicado alternadamente pela Câmara e pelo Senado e que pertença ao Ministério Público;
- Amplia de 14 para 15 o número de assentos no conselho e aumenta de dois para quatro a quantidade de conselheiros indicados pelo Congresso;
- Altera as regras de prescrição de infrações disciplinares cometidas por integrantes das carreiras do Ministério Público;
- Obriga o CNMP a enviar em 120 dias um projeto de lei complementar que institua o Código Nacional de Ética e Disciplina do Ministério Público e do Ministério Público junto ao TCU, aos tribunais de contas estaduais e municipais.