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Política & Poder

Presidente do TRE de São Paulo defende ‘reação firme’ à intolerância política e alerta para ‘pandemia de desinformação’

O magistrado diz não ver um ‘risco muito claro’ para a democracia, mas aponta que é necessário atenção aos ataques à mesma

Redação Jornal de Brasília

18/07/2022 5h44

Divulgação/TRE-SP

Um cenário de acirramento, com pouca tolerância e episódios que podem ser barrados por uma ‘reação firme das instituições’. Essa é a avaliação do desembargador Paulo Galizia, presidente do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo – maior colégio eleitoral do País – sobre os meses que antecedem as eleições 2022. O magistrado diz não ver um ‘risco muito claro’ para a democracia, mas aponta que é necessário atenção aos ataques à mesma.

A análise do magistrado tem sustentação em sua larga experiência conquistada nos últimos pleitos – Galizia atuou como juiz efetivo no TRE entre 2011 e 2013 e depois como desembargador substituto de 2016 a 2019. Em 2018, integrou a comissão de propaganda da corte eleitoral. Em 2020, era vice-presidente do Tribunal. Ocupando agora a presidência da corte, Galizia diz que seu primeiro momento de gestão foi focado em ‘acessibilidade’, ressaltando o alistamento de jovens eleitores e o voto de presos provisórios.

O desembargador concedeu entrevista ao Estadão em meio à repercussão sobre o assassinato do tesoureiro do PT Marcelo Arruda pelo bolsonarista Jorge Guaranho em Foz do Iguaçu, no oeste do Paraná. Galizia defendeu uma ‘investigação isenta’, que esclareça os fatos, com ‘punição exemplar’, para ‘coibir esse tipo de atitude’. “Porque se há uma certa tolerância com isso, isso pode agravar. A gente percebe que uma atuação firme pode intimidar num bom sentido, de fazer com que as pessoas não repitam. E aparentemente tem acontecido”, indicou.

O desembargador ainda disse acreditar em uma tendência de estabilização da desinformação em 2022, ressaltando a atuação da Justiça Eleitoral, com mecanismos de contenção, e ainda apontando a responsabilidade do eleitor, que já está ‘escolado’ no assunto. Já com relação ao interesse das Forças Armadas no pleito – o que gerou um imbróglio em Brasília – o presidente do TRE diz que ‘não há previsão’ para a participação dos militares nas eleições.

O magistrado também teceu comentários sobre a ‘PEC Kamikaze’, a proposta de unificação da legislação eleitoral e a preparação da Justiça Eleitoral em meio ao recebimento de ações complexas, envolvendo caixa 2 e corrupção. Leia a seguir a íntegra da entrevista:

ESTADÃO: O sr já chegou a falar em ‘pandemia’ de desinformação. O sr vê riscos dessa desinformação para essas eleições? Como vai ser a atuação do TRE com relação a esse tema?

DESEMBARGADOR PAULO GALIZIA: Bom, quando eu uso essa expressão, eu quero dizer que a desinformação extrapola o campo eleitoral. Sempre uso essa expressão e faço essa associação com a pandemia, porque justamente um dos setores em que a informação mais se desenvolveu foi na questão da pandemia, e para tentar demonstrar que isso não é algo isolado, nem da Justiça Eleitoral, e nem do Brasil.

Existem mecanismos de contenção, de verificação dessas desinformações. Nós temos aqui, também no próprio TSE, um setor que busca identificar o mais rápido possível, qualquer tipo de desinformação, para fazer uma checagem. Agora como o próprio ministro (Alexandre de Moraes) disse, o que nós vamos fazer é amenizar.

Eu acho que nós estamos, à medida que as informação tem aumentado, melhor preparados do que estivemos em 2018. Eu acho que o efeito da desinformação foi grande 2018, foi menor em 2020 e tende a se estabilizar agora em 2022. Até porque o eleitor, e eu sempre chamo essa responsabilidade do eleitor também, ele já tá um pouco escolado. No que diz respeito a esse tipo de desinformação.

A gente recebe algumas coisas que, com um pouquinho de reflexão, a gente percebe que aquilo lá não é não é verdade. Então também paciência se o eleitor foi tão ingênuo a ponto de votar com base numa coisa sem pé nem cabeça, como por exemplo, alguém que deixa de se vacinar. Tem limite.

Agora qual vai ser a principal vítima? Vai ser o próprio eleitor. A gente só se preocupa também, além da questão da veracidade ou não da informação, é até que ponto esse tipo de informação vai além da desinformação e prejudica a moral, a liberdade individual, a intimidade do adversário.

Porque a gente tem algumas situações em que não é só uma desinformação, é uma desinformação que ataca a reputação do adversário. E aí isso tem um efeito eleitoral, mas para isso nós temos uma comissão de propaganda, composta de dois juízes e um desembargador que vão se dedicar exclusivamente a isso, que está aberta a todo tipo de denúncia que houver por parte da população, por parte do Ministério Público, por parte da própria imprensa. Eu sei que o volume vai ser grande porque eu exerci essa função em 2018, mas eu acho que uma grande parte desses abusos que são contidos pela ação da Justiça Eleitoral. Essa comissão já está atuando, está esquentando os motores.

ESTADÃO: Como funciona a atuação da Justiça Eleitoral com relação às fake news? Qual a punição?

DESEMBARGADOR PAULO GALIZIA: São duas questões. Quando uma desinformação atinge a honra de um outro candidato, ele se defende no âmbito da propaganda eleitoral e isso pode resultar na multa daquele ofensor e da retirada daquela notícia no meio em que ela foi publicada, seja em jornal, seja em rede social. Agora, quando uma desinformação, dentro do âmbito da campanha de um determinado candidato, pode gerar um desequilíbrio ou atentar, isso pode gerar uma cassação daquele que foi responsável pela difusão de no caso de uma de uma matéria sabidamente inverídica, visando favorecer ou não um candidato. Então são duas questões.

No que diz respeito à campanha, se isso refletiu no resultado, ainda que potencialmente, pode levar a cassação. É a mesma coisa de um candidato, às vezes a gente vê no interior que “contrata” um jornal e o jornal fica quatro cinco meses só falando desse candidato. Aí ele ganha eleição, mas depois se verifica que aquele jornal era um jornal fictício, que foi formado só para aquela eleição, então houve um abuso do poder de informação. Porque isso desequilibrou.

Os abusos dos meios econômicos. Eu me lembro do caso de uma eleição passada. Um candidato mandou imprimir não sei quantos mil exemplares de um comunicado, fazendo propaganda, e declarou na sua prestação de contas que aquilo tinha custado um x, mas custou 50 vezes mais. Buscou-se a gráfica, concluiu-se que houve abuso de poder econômico e isso levou a cassação dele. Essas são as nuances. Quando me referi no primeiro momento, eu estava mais preocupado com a questão pessoal.

ESTADÃO: O sr comentou sobre a atuação nas eleições 2018 e no pleito de 2020 o sr era vice-presidente. O sr vê diferenças com relação à de 2022?

DESEMBARGADOR PAULO GALIZIA: Está havendo um acirramento maior e isso acho que é tudo um fruto dos movimentos de 2013. Eu acho que as posições estão se firmando e não há tolerância, ela tem diminuído entre os grupos em geral. Isso surgiu de movimentos que levaram ao impeachment da ex-presidente, o vice-presidente assumiu. Nós tivemos várias reações inclusive na residência dele ali em Pinheiros. Então isso é um processo.

O que aconteceu em 2020, eu acho que houve um arrefecimento, primeiro, porque nós estávamos no auge da pandemia, segundo porque a eleição de 2020 tem um outro tipo de acirramento, um acirramento local, mas até físico, eu diria, mas assim de cara a cara, de região para região, do vereador que conhece o prefeito. É forte também, mas acho que tem uma natureza completamente diferente, não é tão ideológico. É mais de espaço político por aquela região.

Agora voltando para a eleição presidencial, temos a questão da influência dela no resto do Brasil, mas eu gostaria de ressaltar que o estado de São Paulo tradicionalmente, as eleições para governador, senadores têm transcorrido com uma certa civilidade. A gente vê um limite entre os adversários, respeito.

Tivemos na eleição do Doria e do Márcio França, mais próximo do segundo turno, alguma coisa assim mais exagerada, mas eu acho que está bem abaixo da temperatura que nós estamos vendo em Brasília. Até porque os nossos candidatos, muito respeitáveis, com um bom aspecto político de representatividade, eles não têm essa força popular. Por exemplo, diferente um adepto do Lula ou do Bolsonaro, em relação a um adepto do Rodrigo Garcia. Eu estou falando assim nomes para mostrar que é uma liderança, mas não é aquela liderança que suscita paixão. Mais ou menos isso que eu quero dizer. E isso acaba mantendo um relacionamento mais adequado para o eleitor.

ESTADÃO: O sr vê risco para democracia? Vimos alguns episódios, como o assassinato de Marcelo Arruda em Foz. O sr considera que esse caso e outros episódios acendem um alerta para essa campanha deste ano?

DESEMBARGADOR PAULO GALIZIA: Eu acho que sim, são fatos importantes que não podem ser desconsiderados, mas vamos lembrar que fatos semelhantes aconteceram durante a campanha em 2018. Eu quero crer que sejam fatos isolados, mas uma reação firme das instituições é capaz de brecar ou minimizar isso. Eu sempre tenho defendido isso, porque hoje o ataque é o TSE, ontem o ataque foi a ciência, amanhã o ataque vai ser Universidade, à imprensa.

Então essas instituições não estão aqui por acaso, o Tribunal Regional Eleitoral tem 90 anos, nós já fizemos plebiscitos, eleições municipais, eleições suplementares. A gente já fez mais de 100 eleições. A gente não pode jogar fora isso ou não reagir às críticas.

O Estado de São Paulo tem uma história secular. A gente precisa, nós que fazemos parte dessas instituições, abrir os olhos e verificar, nos defendermos, na união, a OAB, a academia, as instituições democráticas. Não importa quem vai ganhar a eleição, mas se você desqualifica o meio pelo qual as pessoas chegam no poder você começa a desqualificar tudo. Então se existem esses ataques e são organizados, a gente precisa, em primeiro lugar, não ignorá-los e, em segundo lugar, tentar reafirmar a nossa crença nas instituições com relação a casos como esse.

ESTADÃO: Como deve ser essa reação? Mais na esfera de investigação ou institucional?

DESEMBARGADOR PAULO GALIZIA: Acho que as duas questões. Acho que as principais autoridades e algumas delas o fizeram, tem de reafirmar o repúdio a esse tipo de ação. E que haja uma investigação isenta, que se esclareça o que realmente aconteceu, que essas pessoas sejam punidas exemplarmente para coibir esse tipo de atitude. Porque se há uma certa tolerância com isso, isso pode agravar. A gente percebe que uma atuação firme pode intimidar num bom sentido, de fazer com que as pessoas não repitam. E aparentemente tem acontecido. Do comício, o rapaz foi preso. Essa questão ficou muito facilitada pela filmagem, eu acho que tá muito claro o que aconteceu lá, então acredito que seja difícil não há muita dúvida sobre o que aconteceu.

ESTADÃO: Mas há risco para a democracia? O sr considera que as instituições estão reativas?

DESEMBARGADOR PAULO GALIZIA: Eu acho que falta um pressuposto. É difícil a gente prever o que pode acontecer, até porque tem tempo para chegar às eleições, pode acontecer fatos novos. Ninguém imaginava, por exemplo, que isso ia acontecer (em relação ao crime em Foz). Então fica difícil. Agora, a democracia brasileira tem seus mecanismos de autodefesa. Acho também que existe muito mais ruído do que realmente um movimento organizado. Se a gente for fazer uma comparação com a ruptura que aconteceu em 1964, por exemplo, é uma coisa bem diferente. Lá uma grande parte da sociedade era favorável à mudança de regime, uma boa parte da classe política, então tinha uma sustentabilidade maior.

Eu acho que a gente não tem um risco muito claro, que a gente está sofrendo alguns ataques e precisa ficar atento ao que está acontecendo, porque fatos novos podem acontecer. E às vezes a gente tem exemplos da história que um fato aparentemente isolado, ele é capaz de gerar um estopim. Se a gente for pensar na primeira guerra mundial, aqui mesmo no Brasil aquele assassinato de João Pessoa, em 1930, foi uma coisa passional, mas ela foi utilizada com mote político. Então isso pode acontecer.

ESTADÃO: O sr. comentou sobre a ‘temperatura’ desse pleito. Vemos muita discussão sobre ódio e intolerância. Como controlar esse clima?

DESEMBARGADOR PAULO GALIZIA: Eu acho que a melhor forma de controlar esse clima é mostrar, com o passado da nossa atuação aqui na Justiça Eleitoral, que sempre houve uma restrição aos abusos e sempre também se deixou as ideias circularem. Nós temos muita sorte aqui no Estado de São Paulo que nós temos advogados muito experientes na área eleitoral, que atuam aqui há muitos anos. Eu comecei a atuar em 2004 e conheço a maioria dos advogados, com os quais eu tenho um bom diálogo e eu tenho certeza de que eles não são fomentadores desse tipo, eu tenho impressão que aqui a gente consegue manter um clima, com a temperatura alta, mas sob controle. É o que eu espero.

Pretendo conversar com os candidatos. Ainda não está no momento, até porque os candidatos não estão oficialmente registrados, ainda não existem oficiais candidatos. Mas eu pretendo abrir um diálogo e tentar, dentro do possível, manter um nível de civilidade que costuma existir. E a gente precisa prestar atenção nessas eleições. Eu vou presidir as eleições do Estado de São Paulo e aqui nós temos governador, deputado estadual, deputado federal, senador. A gente precisa focar nesse tipo de eleição, inclusive esclarecer para o eleitorado que ele vai votar num deputado, que o deputado é muito importante para a vida dele, está muito mais próximo dele.

Porque, de um lado nós temos essa vantagem, ao contrário de outros países, de fazer a eleição numa data só. Eu acho isso importante também porque quando há uma mudança no poder essa mudança é mais ou menos conjunta. Porque às vezes nós temos outros países em que há uma diferença e um presidente é eleito, mas nesse intervalo para as eleições gerais há alguma mudança política e esse mesmo poder acaba vendo uma diferença de representatividade. E aí tem dificuldade de exercer o poder. Esse aspecto tem o sistema da França e da Colômbia. Eu prefiro da França, que primeiro é eleito o presidente e depois o parlamento. Lá ao contrário. Então você elege um Parlamento, depois você elege o presidente. O parlamento já foi eleito num outro cenário político e aí depois você vai ter dificuldade para governar. Então acho isso bom. É importante que o eleitor não fique pensando só na presidência.

ESTADÃO: Quais os os principais desafios da Justiça Eleitoral no estado, considerando que é o maior colégio eleitoral do País?

DESEMBARGADOR PAULO GALIZIA: A minha gestão está voltada muito para acessibilidade. Nós fizemos uma campanha bem forte para o alistamento do jovem eleitor, nosso objetivo é um sucesso. Nós possuímos 400 mil novos eleitores aqui em São Paulo. Fizemos um convênio com OAB no sentido de dar oportunidade de voto aos presos provisórios – na Fundação Casa nós conseguimos dois mil eleitores que se inscreveram.

Esse é o meu papel. O papel da Justiça Eleitoral depende do calendário eleitoral. O nosso esforço até o alistamento dos eleitores foi esse. Missão cumprida até agora.

Agora nós vamos verificar a questão de registro de candidatura, vamos examinar candidatos que tem ficha limpa, que não tem ficha limpa, quem pode ser candidato que não pode ser candidato. Estabeleceu quem pode ser candidato, vamos ver a questão da propaganda eleitoral, depois prestação de contas. A gente tem que se dedicar a cada uma dessas funções e, a cada época, o nosso tribunal usa sua estrutura voltada para cada problema. Então quando tiver a questão do registro de candidatura, eu uso vários funcionários aqui para estudar os processos de registro. Depois eles voltam para suas funções normais e assim vai.

Vão trabalhar 500 mil pessoas nas nossas eleições. É uma mobilização popular grande porque isso acontece num dia só. Entre mesários e equipes de apoio. Nós vamos usar cerca de 100 mil urnas das quais 40 e poucos mil são da nova safra, feita em 2020, mais moderna, menos sujeita a defeitos mecânicos.

Então, estamos tentando sempre nos aperfeiçoar, trabalhar com as lições das eleições passadas. Eu mesmo tive oportunidade de participar de todas as últimas eleições, então eu já me lembro mais ou menos do que aconteceu. Não só eu, toda a equipe faz umas revisões. O desafio é muito grande, mas eu tenho certeza, tenho confiança, que nós estamos preparados para vencer esse desafio na parte material e de organização das eleições, eu não tenho dúvida nenhuma.

ESTADÃO: Nesse cronograma, como coibir o caixa 2?

DESEMBARGADOR PAULO GALIZIA: Caixa dois vai ser verificado definitivamente na prestação de contas. Como se verifica caixa dois? Mediante o exame das prestações de contas, o que aliás tem sido muito estreito. Até há uma mudança na legislação tentando afrouxar um pouco as prestações de contas. A gente também faz alguns métodos que o nome jurídico é circularização: além dos documentos que são trazidos pelo prestador de contas, é feita uma pesquisa no local, na gráfica. Não adianta você apresentar uma nota. Isso é feito por amostragem obviamente, mas uma equipe de fiscalização vai lá no local para verificar se realmente foi produzido aquilo ou não. E isso tem sido um instrumento eficaz, gerou alguns processos por causa desse procedimento, mas é basicamente uma questão de conferência mesmo daquilo que está sendo apresentado.

ESTADÃO: A tentativa de afrouxamento que o sr. menciona é dentro da unificação do código eleitoral, certo? Como o sr. vê essa proposta?

DESEMBARGADOR PAULO GALIZIA: Sim. Eu sou favorável à unificação, mas ela precisa de um debate mais amplo. O que aconteceu é que se tentou incutir algumas modificações sem um debate. Já que demorou tanto tempo pra gente conseguir, que se espere mais um tempo e se faça algo para ser realmente duradouro, porque quando você faz essas mudanças pensando na próxima eleição, o que tem acontecido sempre, ela não dura muito, porque não está se levando em consideração todo o processo eleitoral. Agora que a legislação eleitoral precisa de uma unificação ela precisa. Ela é muito esparsa, muito confusa. Principalmente na questão penal.

ESTADÃO: Uma das questões levantadas pelo ministro Fachin foi um ‘esvaziamento’ da competência da Justiça Eleitoral. O sr. tem essa mesma visão?

DESEMBARGADOR PAULO GALIZIA: Eu vejo que houve esse viés nessa última tentativa de reforma. Acredito que uma reforma é necessária, mas ela precisa ser amplamente debatida. Acho que essa última tentativa ela teve um viés assim, mais voltado para o interesse do Legislativo.

ESTADÃO: Sobre essa questão da parte penal, conversamos com os procuradores regionais eleitorais em São Paulo e eles comentaram sobre uma questão de vocação da Justiça Eleitoral, no sentido de que ela nasceu para organização do pleito e não para analisar questões mais complexas. O sr. tem a mesma visão?

DESEMBARGADOR PAULO GALIZIA: É uma falta de vocação, porque ao contrário de um juiz criminal, que opta por essa especialidade e trabalha 15 anos nessa especialidade, o juiz eleitoral, pelas características da Justiça Eleitoral, tem um mandato de dois anos. Então muitas vezes um processo complicado como esse tem uma duração superior ao período de jurisdição do mesmo juiz. E às vezes o juiz que o substitui tem um outro enfoque e isso às vezes retarda o andamento do processo ou a forma de condução do processo.

Não é uma justiça que está preparada para julgar esses grandes casos. Há uma especialização da advocacia criminal muito grande nesses casos. Então realmente há essa dificuldade, mas nós estamos, já que houve uma decisão do Supremo remetendo inúmeros casos para justiça eleitoral, nós estamos fazendo o possível para equipar. Antigamente era apenas uma vara especializada nisso. Agora distribuímos em duas varas. E essas duas varas estão sendo equipadas com juízes. A gente já tem tentado nomear para essas zonas, a primeira e a segunda zonas eleitorais, com juízes criminais experimentados, para facilitar esse tipo de serviço.

Inclusive agora pleiteei ao presidente do Tribunal de Justiça que um dos juízes fique exclusivamente na zona eleitoral, para exercer essa jurisdição para justamente, não questão de punir ou não, mas dar um mandamento adequado aos processos, porque faltam os meios necessários para justiça eleitoral. Mas isso é um processo. Na verdade, nós recebemos, estamos recebendo os processos agora esses anos. Então para que isso tenha continuidade, precisa melhorar a nossa estrutura, vamos dizer assim. Acho que está melhorando. Nós estamos tomando providências para melhorar.

ESTADÃO: A LGPD compromete de alguma maneira a divulgação de dados no DivulgaCand? Há discussões sobre a aplicação da norma no TSE. Como o sr. acha que deve ser esse tratamento?

DESEMBARGADOR PAULO GALIZIA: Eu preciso ter cuidado para dar minha opinião, porque essa questão não foi definitivamente decidida. Mas eu acho que, a par dos valores que a lei busca preservar, a medida em que eu ingresso na vida pública, eu acho que eu abro mão dessa privacidade. Por isso, uma das ideias é justamente fazer com que o candidato, uma vez sendo candidato, autorize que os dados dele sejam divulgados, até nesse caso. Na disputa de uma eleição, deve prevalecer o interesse público sobre o interesse privado pessoal. Mas faço isso com ressalvas, porque ainda está sendo decidido.

ESTADÃO: Como o sr vê a PEC Kamikaze?

DESEMBARGADOR PAULO GALIZIA: O que eu posso dizer é que não deixa de ser algo inusitado, está estreitamente relacionado com as eleições e, a princípio, nunca aconteceu isso na época pré-eleitoral. Agora por outro lado está com apoio maciço do Congresso, o que enfraquece qualquer tipo de discussão. Não posso comentar assim, só posso dizer, porque isso é notório, é que nunca aconteceu.

ESTADÃO: As Forças Armadas devem fazer parte do processo eleitoral?

DESEMBARGADOR PAULO GALIZIA: Na verdade não há previsão nenhuma para participação das Forças Armadas. Nesse ponto eu acabei de ler um editorial do Estadão, eu estou mais ou menos de acordo. O que houve foi um convite cordial para um acompanhamento e não foi voltado exclusivamente às Forças Armadas. Acho que as Forças Armadas têm o direito também de pedir algum esclarecimento. Agora entre participar, pedir esclarecimentos, e ir além, criar um sistema paralelo, isso não há previsão alguma.

ESTADÃO: Qual a resposta do sr para as ofensivas contras as urnas e o processo eleitoral?

DESEMBARGADOR PAULO GALIZIA: Primeiro, o jogo está jogado. O campeonato começou, as urnas não foram barradas pelo Congresso. Houve uma oportunidade no ano passado, a votação não alcançou o número necessário. Então as regras são essas. Segunda coisa: essas regras vigoram desde 1996, nunca tivemos uma comprovação ou uma alegação séria de fraude. Eu acho que a melhor defesa do sistema eleitoral é nosso histórico.

Qualquer município que você faça alguma pesquisa, no próprio governo federal ou no estado, nós tivemos uma alternância de poder muito forte. E de vez em quando surgem alguns fenômenos eleitorais que têm uma votação excepcional, que é justamente aquilo que a sociedade estava pensando naquele momento – não tem nenhum poder capaz de criar. Porque se isso tivesse alguma forma de manipulação, seria previsível, quem que vai ser o deputado da vez. Mas de repente aparece alguém que ninguém prevê. Eu posso até falar alguns nomes, o governador Witzel, a própria deputada Janaína Paschoal. Isso não foi fruto de manipulação.

Então eu acho que é essa a nossa defesa, o nosso trabalho sério, o nosso trabalho que conta com o cidadão, que conta com mesários, que são pessoas do povo, que são convocadas e não têm nenhum compromisso político ali, elas veem como funciona. Se alguém visse alguma coisa errada seria o próprio partícipe da Justiça Eleitoral que iria denunciar. Temos funcionários sérios, temos fiscalização do Ministério Público, dos advogados e o resultado. Quando que uma eleição deu um resultado assim muito diferente das pesquisas? Às vezes é um fenômeno que aconteceu naquele dia tal. E os presidentes dos TREs e do TSE não têm esse poder que se imagina que eles tenham sobre a eleição. Eles têm o poder de organizar a eleição, mas não têm (esse outro poder), tanto que daqui a pouco ele sai, fica dois anos só, não tem interesse nenhum. Os tribunais em geral, eles querem organizar a eleição e permitir que o eleitor vote, só isso.

ESTADÃO: O sr falou sobre a adesão dos jovens, o sr acha que eles já têm consciência sobre essas questões das urnas?

DESEMBARGADOR PAULO GALIZIA: Olha eu acredito que o interesse deles pra se alistar antes do momento adequado já dá a eles uma perspectiva de interesse sobre o processo eleitoral. Agora nós também estamos fazendo campanha, fizemos campanhas, no sentido de esclarecer a esse jovem eleitor especialmente qual o papel de cada poder e qual o papel. O próprio TRE elaborou uma cartilha voltada aos jovens justamente para dar essa visão da importância. Você vê que foi feita uma pesquisa recentemente dizendo que a população quer renovar o Congresso, mas quase ninguém lembra qual foi o último candidato de quem votou. E a renovação pela renovação não adianta. Houve uma grande renovação no último Congresso, agora qual desses candidatos eleitos para uma renovação tiveram o papel efetivo de mudar alguma coisa no nosso legislativo. Muito difícil.

ESTADÃO: Sobre a questão dos ataques, registramos uma fala do corregedor sobre a participação dos mesários, que têm ficado receosos.

DESEMBARGADOR PAULO GALIZIA: Posso fazer um comentário sobre isso? Sem discordar do corregedor, mas o corregedor falou isso com base em uma pesquisa, que foram 800 pessoas entrevistadas. Não começou ainda o processo de seleção dos mesários. Então eu acho que é um receio genérico, ela não tem uma base concreta, o corpo de pessoas que foram ouvidas não foram os mesários convocados para eleição de 2022. O mesário terá o mesmo aparato de segurança dos nossos funcionários, nós não iríamos colocar os nossos funcionários em situação de perigo. Em todas as escolas, nós temos um apoio da Polícia Militar. Haverá um policiamento, haverá a presença do próprio eleitor. Então a segurança visa proteger todos que estejam num ambiente de eleição. Você já deve ter voltado algumas vezes, você entra naquela escola, passa ali tem Polícia Militar, tem professores, tem funcionários da escola, então não existe um receio da segurança do mesário em si.

ESTADÃO: Mas o sr. não acha que todo esse clima gera impacto nos servidores da Justiça Eleitoral?

DESEMBARGADOR PAULO GALIZIA: Sim, existe uma preocupação porque era uma coisa que antigamente não existia. Obviamente que tem um alerta, mas justamente por existir esse alerta também existe uma preparação maior nesse sentido de cobrir todas as escolas com uma segurança. Existe um serviço de inteligência que detecta quais são os bairros mais vulneráveis. Nós temos um grupo de inteligência que congrega Polícia Civil, Polícia Militar, Polícia Federal, concessionárias públicas, porque num local de eleição de votação, por exemplo, se falta luz, a gente conecta a Enel e ela vai lá no momento. Então tem todo um aparato pronto antes e durante as eleições, sobretudo no dia da eleição. Todas essas instituições têm um representante lá, todas funcionam ali na na Polícia Militar, neste centro de operações. Inclusive na questão das fake news, se houver algum problema é feita uma comunicação, então nós estamos preparados.

ESTADÃO: O sr. tem alguma mensagem?

DESEMBARGADOR PAULO GALIZIA: Eu tenho confiança na Justiça Eleitoral pelo seu passado, pelo seu presente, pelo seu corpo de funcionários, pela nossa experiência em eleições. Eu não tenho nenhum fato concreto que me dê algum receio do sucesso na organização das eleições, independentemente do resultado.

A gente tem que se preocupar um pouco com a responsabilidade do eleitor no que diz respeito à disseminação dessas notícias falsas. Porque o eleitor tem que ter o mesmo comportamento que ele tem quando ele entra na internet e vê assim: viagem para Cancún por R$ 1.500. Ele não clica em negócio desse, a grande maioria vê que é uma mentira, ele não vai mandar pro tio. Acho que a gente precisa exigir esse mesmo tipo de comportamento na eleição também, por isso que quando há disseminação existe uma má-fé por trás. O que a gente se preocupa é com o eleitor de boa fé, esses (de má-fé) estão lá para isso mesmo, mas a gente tem que tomar cuidado de não disseminar para o nosso próprio grupo coisas que a gente não tem certeza se elas existem. Então acho que isso é fundamental.

E conscientizar o eleitor de que na hora da votação é só ele com ele mesmo. Ele tem condição de refletir. Tem que tentar pensar um pouquinho antes em quem vai votar. É possível que dentro desse número enorme de candidatos tenha um ou dois casem com pensamento dele. Precisa saber pesquisar. Precisa lembrar que a eleição não é só pra presidente. Depois não adianta nada você votar em candidatos que não tenham mais ou menos o mesmo perfil. Você vota no presidente ‘A’ e depois você vota no deputado porque o cara tem uma loja perto da sua casa. Com o que esse cara vai contribuir se for eleito? Acho isso muito importante.

Estadão Conteúdo

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