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Política & Poder

Perseguição bolsonarista a ministros do STF preocupa setor de eventos da serra gaúcha

O empresário encara os episódios como casos isolados, ainda insuficientes para arranhar a imagem da cidade, mas teme

FolhaPress

30/06/2022 15h05

Foto: Reprodução/Agência Brasil

Caue Fonseca
Porto Alegre, RS

O cancelamento da presença de três ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) em eventos realizados neste mês na serra gaúcha acendeu um sinal de alerta no mercado de congressos e eventos corporativos.

Com potencial para movimentar mais de R$ 400 milhões por ano somente em Gramado e Canela, o setor teme que ataques do governo Bolsonaro ao tribunal atrasem a recuperação do setor, que nas últimas duas décadas investiu para fortalecer o turismo corporativo.

Os congressos ligados ao direito, dizem profissionais do ramo de captação de eventos, vêm sendo afetados pelas animosidades entre ministros do Supremo e o presidente Jair Bolsonaro (PL).

Em 3 de junho, a pressão de empresários bolsonaristas locais sobre entidades da CIC (Centro da Indústria, Comércio e Serviços) de Bento Gonçalves fez com que uma palestra com o presidente do STF, Luiz Fux, fosse primeiramente transferida para um local mais restrito da cidade, por questões de segurança.
Em seguida, o ministro preferiu cancelar a viagem.

Na semana passada, o foco dos protestos foi Gramado. Com a ajuda de parlamentares bolsonaristas, houve mobilização em redes sociais contra a presença dos ministros Cármen Lúcia e Dias Toffoli em eventos jurídicos na região.

Pela cidade, carros adesivados de verde e amarelo pediam que os ministros fossem “desconvidados”. Ambos substituíram suas participações presenciais por falas online -Carmen, no 12º Congresso do Mercosul de Direito de Família e Sucessões; Toffoli, na Jornada Internacional de Direito.

O resultado foi mais uma vez comemorado por políticos bolsonaristas e lamentado por autoridades do turismo.

“São ações que prejudicam diretamente o setor que mais está demorando para retornar ao normal desde a pandemia de Covid. Por mais politizado e polarizado que esteja o nosso país, seria muito importante essas pessoas repensarem as suas condutas”, declara Rosa Helena Volk, secretária de Turismo de Gramado.

No final da década de 90, representantes da iniciativa privada dos municípios gaúchos da Região das Hortências -Gramado, Canela, Nova Petrópolis, Picada Café e São Francisco de Paula- montaram uma agência de promoção de eventos corporativos, chamada de bureau, para fortalecer o turismo de negócios em uma região já reconhecida pelo turismo de lazer.

“Além de garantir a ocupação dos hotéis em épocas de baixa temporada, o turista de negócios tem um ticket médio 30% superior ao de lazer. Como ele geralmente tem algumas despesas pagas pela empresa, se permite gastar mais na cidade em lojas, restaurantes, confraternizações. A cidade ganha duas vezes: da empresa e do hóspede”, explica Enzo Arns, presidente do bureau.

Conforme levantamento do bureau, o melhor ano para realizações de eventos na última década foi 2018, quando Gramado e Canela sediaram 532 eventos corporativos com 230 mil participantes. Levando em conta o ticket médio da época, de R$ 580, e o tempo médio de permanência de três dias, eles trouxeram cerca de R$ 400 milhões à economia local.

Com a pandemia, o número de eventos caiu de 438, em 2019, para 60, 2020. Em 2021, com a retomada pós-vacinação, foram 161 eventos realizados com 43.128 participantes. Levando em conta o ticket médio atualizado em R$ 800 e o tempo médio de permanência, foram R$ 103,5 milhões arrecadados.

Entre os eventos corporativos, congressos ligados ao direito e à medicina estão entre os mais populares. A Jornada Internacional de Direito, por exemplo, que deveria receber Toffoli, costuma reunir entre 800 e 1200 participantes, com ingressos que variam entre R$ 250 e R$ 600. É realizado no Palácio dos Festivais, o mesmo que recebe o Festival de Cinema de Gramado, e fatura cerca de R$ 500 mil apenas em ingressos.

Sobre os episódios recentes de boicote aos ministros do STF, Arns diz que “posições políticas e ideológicas não deveriam se misturar com negócios”.

“Não posso dizer que esse foi um ponto determinante nos episódios específicos, mas, se um organizador fica suscetível ao desejo dos seus patrocinadores, ele não está fazendo um evento saudável. O principal interesse tem de ser o do público”, declara.

O empresário encara os episódios como casos isolados, ainda insuficientes para arranhar a imagem da cidade, mas teme que eles apontem uma tendência.

A exemplo das cidades da Região das Hortênsias, Bento Gonçalves é outro município que vem expandindo sua imagem como centro de turismo gastronômico e de feiras industriais para eventos corporativos.

Conforme a secretaria de turismo, 32% dos visitantes da cidade já o fazem pela segunda vez, um indicativo de que quem vem a negócios tende a voltar mais tarde a lazer -a cidade investiu na construção de espaços para eventos em hotéis e até em vinícolas. Antes de ser cancelada, a palestra de Fux seria realizada no centro de eventos do Spa do Vinho.

Ao comentar o episódio de cancelamento da presença do ministro Fux, o secretário de turismo, Rodrigo Parisotto, lamentou que tenham “gritado mais alto” pessoas que não tinham relação alguma com o evento.

“Em 2010 chegamos a ter Grêmio e Inter realizando as pré-temporadas em Bento Gonçalves. Depois, por causa das brigas entre as torcidas, um time ficava aqui e o outro em uma cidade vizinha. Hoje, nenhum dos dois sobre a serra no início do ano. Espero que essa briga por política não traga para a cidade o mesmo final.

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