Danielle Brant e Ranier Bragon
Brasília, DF
Os áudios sexistas de Arthur do Val derrubaram o palanque regional mais consistente e importante de Sergio Moro (Podemos) no país, o de São Paulo, e ampliaram os problemas na candidatura do ex-juiz.
O caso tende a empurrar o Podemos de vez para a campanha do tucano Rodrigo Garcia em São Paulo, principal base de sustentação do presidenciável João Doria (PSDB).
Por tabela, o MBL (Movimento Brasil Livre), grupo que migrou para o Podemos e integra a linha de frente da campanha de Moro, vê a sua crise interna se ampliar com dois de seus principais líderes na linha de fogo —além de Arthur do Val, o deputado federal Kim Kataguiri (SP) também se envolveu em controvérsia recentemente ao dizer, em entrevista, que a Alemanha errou ao criminalizar o nazismo.
A reação de Moro de condenar e tentar se afastar de Kataguiri e Arthur do Val terá reflexos no apoio do grupo à sua candidatura.
Moro tenta se descolar de Ciro Gomes (PDT) nas pesquisas e se consolidar como o nome que unificaria os demais da direita e do centro —Doria e Simone Tebet (MDB), em especial— em torno da sua candidatura.
Sua lista de problemas, porém, não é pequena. Em primeiro lugar, ele está filiado a um partido, o Podemos, que tem poucas perspectivas de montar palanques fortes nos estados nas disputas para governador.
Além da fragilidade partidária e da falta de palanques regionais, a estagnação nas pesquisas e o caso Arthur do Val levam políticos e adversários a ampliarem, nos bastidores, prognósticos de que Moro poderá até abandonar a candidatura presidencial e concorrer a outro cargo.
Em pesquisa Datafolha de dezembro, Moro tinha 9% das intenções de voto, enquanto Ciro aparecia com 7%. Doria tinha 3% e Tebet, 1%.
Os aúdios sexistas de Arthur do Val vieram à tona na sexta-feira (4). No dia seguinte, ele disse ter retirado sua pré-candidatura ao governo paulista.
O deputado estadual aparecia com 3% das intenções de voto em pesquisa Datafolha de dezembro —em cenário que não considera a participação do ex-governador Geraldo Alckmin (sem partido).
Em 2020, Arthur do Val foi candidato a prefeito de São Paulo pela primeira vez e ficou em quinto lugar, com 9,8%.
Na fala que enviou a um grupo de amigos, Arthur do Val diz, entre outras coisas, que as ucranianas são “fáceis” por serem pobres —e que a fila de refugiados da guerra tem mais mulheres bonitas do que a “melhor balada do Brasil”.
A primeira reação de Moro foi romper com o deputado estadual e dizer que lamentava “profundamente as graves declarações” atribuídas a Arthur do Val, youtuber também conhecido pelo apelido de Mamãe Falei.
“O tratamento dispensado às mulheres ucranianas refugiadas e às policiais do país é inaceitável em qualquer contexto. As declarações são incompatíveis com qualquer homem público. Jamais dividirei meu palanque e apoiarei pessoas que têm esse tipo de opinião e comportamento”, afirmou o ex-juiz.
A pré-candidatura de Arthur do Val não era consenso dentro do Podemos. Um dia após a filiação do deputado estadual ao partido, um grupo de 18 prefeitos da legenda em São Paulo se reuniu com Rodrigo Garcia (PSDB), que é vice-governador de São Paulo, para declarar apoio à sua reeleição. O Podemos administra 22 cidades no estado.
Apesar de reconhecerem reflexos negativos, a reação do ex-juiz foi elogiada por políticos aliados.
O líder do Cidadania na Câmara dos Deputados, Alex Manente (SP), diz que o episódio afeta a candidatura, mas que Moro agiu de forma correta .
“Inegavelmente ele se aliou ao MBL, especialmente no estado de São Paulo, onde o MBL tem uma presença, e [Moro] teve a postura correta e imediata para tentar minimizar o dano”, afirmou. “Mas óbvio que inclusive a questão político-partidária que foi criada em torno do MBL, da candidatura do Arthur a governador, afetará a campanha do Moro em São Paulo.”
Para o deputado Junior Bozzella (União-SP), Moro demonstrou que se posiciona quando aliados cometem erros. “Ele não passa pano. Isso é uma vantagem que ele tem perante os demais. Quando o Moro reage à atitude de um possível aliado, ele mostra que é preciso apontar o erro e deixar explícita a sua posição”, afirma.
“A partir do momento em que ele deixa claro que não tem compromisso com uma atitude equivocada, racista, machista, ele demonstra a sua honradez e seu caráter”, prossegue o deputado.
Ele também critica bolsonaristas que tentam “cancelar” o deputado estadual, enquanto ignoram atitudes machistas do presidente Jair Bolsonaro.
O presidente tem um longo histórico de afirmações sexistas, antes e depois de chegar à Presidência. Em 2014, quando ainda era deputado federal, ele disse no plenário da Câmara que só não “estupraria” a colega Maria do Rosário (PT-RS), ex-ministra de Direitos Humanos, porque ela “não merecia”. Em 2019, disse não ver problemas no turismo sexual no Brasil, desde que ele não fosse praticado por gays.
“Quem aponta o dedo para o Arthur tem que apontar para o Bolsonaro também”, afirmou Bozella. Para ele, Moro vai ser “vítima de toda gota ser potencializada e transformada num tsunami”.
“A questão é saber se posicionar diante do erro. Ele não passou a mão na cabeça de ninguém, diferentemente da esquerda que não aponta dedo para os mensaleiros e dos bolsonaristas que não apontam dedo para os rachadores.”