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Política & Poder

Meta de emprego para o BC, defendida por Lula, é má ideia segundo ex-membros da autarquia

Para eles, um só instrumento -a taxa básica de juros (Selic)- não dá conta de solucionar mais de uma questão simultaneamente

FolhaPress

25/10/2022 14h52

Foto: Marcello Casal Jr. / Agência Brasil

Nathalia Garcia

A ideia de criação de metas de emprego e crescimento econômico para o Banco Central, como ventilada por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em entrevistas recentes, é vista como inapropriada e inviável por ex-membros da autoridade monetária.

Na opinião de ex-integrantes do BC -que passaram pela autarquia entre os anos 1980 e 2000-, ouvidos pela Folha de S.Paulo, a proposta não funcionaria bem e poderia fazer a autoridade monetária desviar de sua missão central, que é controlar a inflação, gerando mais prejuízos para a economia do país.

Para eles, um só instrumento -a taxa básica de juros (Selic)- não dá conta de solucionar mais de uma questão simultaneamente. “O único mecanismo que ele [BC] tem é aumentar a taxa de juros”, disse Lula, ao SBT, no fim de setembro. “O BC precisa assumir outra responsabilidade. O mesmo banco que tem poder para taxar e dar meta de inflação precisa dar meta de crescimento econômico e a meta de emprego que nós vamos criar”.

Desde a aprovação da lei de autonomia, em fevereiro de 2021, o BC tem de zelar pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego. Essas são suas obrigações secundárias, que devem ser cumpridas desde que não haja prejuízo ao objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços.

Para Gustavo Loyola, que presidiu o BC entre 1992 e 1993, no governo Itamar Franco, e entre 1995 e 1997, no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, os bancos centrais não deveriam ter duplo mandato, como é o caso nos Estados Unidos.

“O fato de o Fed [banco central americano] ter isso, não quer dizer que esteja certo”, disse. “Ficar com dois objetivos conflitantes no curto prazo, isso acaba deixando o BC em uma situação em que, no final, não faz nenhum dos dois serviços bem feitos”.

O caminho para o crescimento econômico, segundo Loyola, é uma postura “dura, decidida e enérgica” no combate à inflação. O atual diretor-presidente da Tendências Consultoria vê a procrastinação frente ao risco inflacionário como prejudicial à economia.

“É como se a pessoa tomasse uma dose de antibiótico abaixo da correta para atacar uma doença e vai ficar, então, sob tratamento por muito mais tempo. Eventualmente, não conseguirá debelar a doença e precisará até de uma dose maior do remédio”, comparou.

O ex-diretor de política econômica Sérgio Werlang considera que colocar uma nova atribuição ao BC não seria eficaz pela falta de ferramentas à disposição da autoridade monetária para estimular a produtividade da economia.

“O BC não tem instrumento para as duas políticas, dessa forma, não é adequado que tenha duas metas primárias que não podem ser atingidas simultaneamente, a não ser por sorte ou em ocasiões especiais, e certamente agora não é uma delas”, afirmou.

Para Werlang, uma saída seria reconsiderar as metas de inflação. “O Conselho Monetário Nacional, a meu ver, cometeu um erro enorme quando começou a baixar a meta de 4,5% para 3% [objetivo fixado para 2024]”, disse.

A possibilidade de revisão, contudo, não está no radar. Segundo economistas, uma mudança para cima geraria perda de credibilidade para o BC e colocaria o Brasil em desvantagem competitiva frente a seus pares no cenário internacional.

Segundo José Júlio Senna, ex-diretor de dívida pública e mercado aberto, a determinação de metas de emprego e crescimento ao BC não é viável do ponto de vista técnico. “Nenhum banco central consegue ter controle efetivo sobre variáveis determinadas pelo setor real da economia, como taxa de desemprego e de crescimento do PIB”, afirmou. “O BC não tem poder para determinar essas variáveis de maneira sustentável”.

Alexandre Schwartsman, ex-diretor de assuntos internacionais, também problematiza a proposta cogitada por Lula. Para ele, seria uma receita para “um desastre”. “Se o objetivo de criação de emprego ou de crescimento não é consistente com inflação na meta, o BC fica em um mata-burro. Ou ele usa a taxa de juros para trazer a inflação para a meta ou vai tentar fazer com que a taxa de crescimento chegue em determinado valor, abandona a meta de inflação, que deixa de estar controlada”, exemplificou.

De acordo com Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor de política monetária, mesmo no caso dos bancos centrais com duplo mandato, o controle de preços acaba sendo prioridade. “Sabendo que, se a inflação ficar alta, o emprego cai por terra, no final, a primeira prioridade é a inflação”, afirmou. “Só que, quando você coloca cinco prioridades, você não tem nenhuma, então, é melhor colocar uma como dependente da outra”.

O atual presidente do conselho da Jive|Mauá considera que o arcabouço que existe no Brasil hoje já faz com que o BC tome sua decisão sobre a política de juros levando em consideração renda, emprego e atividade econômica. “No fim das contas, o BC quer maximizar inflação baixa com emprego melhor. Inflação alta é um destruidor de lares”, disse.

Economistas sem vínculo com a autoridade monetária também têm ressalvas quanto a possíveis mudanças nas atribuições do BC. Mas o aprimoramento do duplo mandato “light” é defendido pelo economista Bráulio Borges, da LCA Consultores. Para ele, falta hoje uma cobrança maior para que o BC seja mais explícito sobre seu plano de voo quanto aos objetivos secundários.

Apesar das declarações de Lula, a visão sobre modificações ligadas ao BC não são um consenso no PT, já que pode significar gasto de capital político e criação de dificuldades na relação com o Congresso em um começo de governo que terá outras prioridades.

Segundo Guilherme Mello, economista da campanha do ex-presidente Lula, um eventual governo petista vai pleitear uma postura mais vigilante da autarquia no cumprimento dos pilares secundários previstos na lei de autonomia.

Ele defende que a ideia não é alterar a lei que rege o funcionamento do BC, mas dialogar com o presidente Roberto Campos Neto e com a diretoria para um trabalho conjunto mirando elevar o nível de emprego e reduzir a inflação. “O governo federal vai trabalhar duramente para aumentar o volume de empregos e a renda das pessoas. O BC tem também os seus deveres de controlar a inflação com o máximo possível de emprego”, disse.

“Tenho certeza de que, se o ex-presidente Lula for eleito, o diálogo com o BC vai ser muito positivo porque é do interesse de ambos controlar a carestia, controlar a inflação e aumentar o nível de emprego”, acrescentou.

Borges, da LCA, pondera que falar de emprego e de pleno emprego são questões distintas. No segundo caso, a meta é levar a taxa de desemprego ao nível de equilíbrio -aquele que não acelera ou desacelera a inflação. Na estimativa da consultoria, a taxa natural fica em torno de 8,5% no Brasil. “Se definir que o objetivo é o máximo emprego, o céu é o limite, e não necessariamente isso vai ser compatível com o objetivo de manter a inflação em torno da meta”, disse.

Para o especialista, criar uma meta de emprego seria um “retrocesso enorme”. “Vai simplesmente levar o Brasil para o caminho do que a gente está vendo na Turquia, onde a inflação já chegou a 70%”, afirmou. Em setembro, a inflação anual turca atingiu 83%.

O economista José Luis Oreiro, professor da UnB (Universidade de Brasília), é outro que considera que um mandato duplo com meta de emprego não é adequado para o Brasil, onde há cerca de 39 milhões de trabalhadores informais.

Por outro lado, vê como positiva a definição de uma meta de crescimento para momentos em que o BC se vê diante de choques de oferta. Para ele, se esse fosse o modelo atual, a autarquia teria realizado um ciclo de aperto monetário mais suave. Entre março de 2021 e agosto deste ano, a taxa de juros saltou de 2% para 13,75% ao ano.

“Nas situações em que há conflito de objetivo entre inflação e crescimento quando ocorre choque de oferta, esse mecanismo levaria a uma moderação do ritmo de elevação da taxa de juros e, portanto, resultaria em um menor custo de carregamento da dívida para o governo e em um menor déficit das contas públicas”, defendeu.

Entende a autonomia do BC

O que é?
A lei de autonomia desvinculou o BC do Ministério da Economia, tornando o órgão uma autarquia de natureza especial. A principal mudança foi a criação de mandatos fixos de quatro anos ao presidente e aos diretores, que podem ser renovados apenas uma vez e não são coincidentes com o do presidente da República.

Quando a lei foi aprovada e por quê?

Com o objetivo de blindar a instituição de interferências políticas, o projeto de lei de autoria do senador Plínio Valério (PSDB-AM) foi aprovado na Casa em novembro de 2020. O texto seguiu para votação na Câmara, que ocorreu em fevereiro de 2021 e, em seguida, sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL).

Quais são as atribuições legais?

O controle da inflação é o objetivo principal do BC, que também é responsável por prover estabilidade para o sistema financeiro do país. A lei de autonomia incluiu entre as obrigações secundárias da autoridade monetária fomentar o pleno emprego e suavizar oscilações na atividade econômica.

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