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Política & Poder

Lula: o presidente “baiano” do Brasil

Paulista de antigamente chamava todo nordestino por ‘baiano”. Ao começar a trabalhar como operário, Lula não escapara do “chamamento”

Gustavo Mariani

28/01/2023 9h02

INSTITUTO LULA ICONOGRAPHIA

Creio que deveria ser 1986, quando Luiz Inácio Lula da Silva tomou posse como deputado federal. Não me lembro bem se foi no dia da posse, ou em uma outra ocasião. Mas me lembro – muito bem – de Vicentinho (hoje, deputado federal Vicente Paulo da Silva) usando camisa de mangas compridas e com os pés descalços. Intuí que estivesse fazendo algum gênero, fiquei na minha e o vi olhando e chamando o Lula por “Baiano” Que eu soubesse, o Lula era pernambucano. E deixei prá lá.

Rola a maricota e, em 2002, ao se eleger presidente da república – pela primeira das três vezes -, o Lula veio a Brasília, antes da diplomação. Na na Base Aérea, onde desembarcou, não quis falar com a imprensa. Quando entrava no carro que o levaria à cidade surgiu uma mulher gritando: “Baiano, espera!”

Ela correu pra cima do automóvel, portando uma imagem de Nossa Senhora e querendo entrega-lo. Mas correu para o lado contrário ao que o presidente-eleito sentava-se no banco de trás do automóvel. Mais tarde, descobriu-se que a moça era filha de um dos primeiros amigos do Lula em seus inícios de trabalho como operário, em São Paulo. Crescera escutando o pai chamando-o por “Baiano” – ao casar-se, com um brasiliense, viera morar em Ceilândia.

Era a segunda vez que eu ouvia alguém chamando o Lula por “Baiano”. E, novamente, fiquei na minha e esqueci daquilo. Rola, mais um pouco, a canastra e o Lula chega ao comando do país. Durante uma dessas solenidade no Palácio do Planalto em que, depois do encerramento, os repórteres pulavam em cima dele, pedi ao seu assessor de imprensa, Ricardo Kotscho, pra gravar matéria exclusiva, para a Voz do Brasil. O fiz e o escutei chamando-o por “Baiano”. Era a minha terceira vez ouvindo aquilo. Daquela, não me segurei e quis saber do Ricardo da razão do “Baiano”.

Seguinte: paulistano de antigamente chamava todo nordestino por ‘baiano”. Ao começar a trabalhar como operário, o retirante Luiz Inácio da Silva não escapara do “chamamento”. Quando garoto, virara Lula que deixara de ser Lula ao ficar adulto e começar a trabalhar junto com muitos Luiz e muitos Lulas nas fábricas paulistas. Então, o “Baiano” rolou mais forte e ele nunca reclamou. O apelido só começou a desaparecer quando ele surgiu liderando greves. Voltou a ser Lula devido a grande divulgação do antigo e primeiro “onomatopose”, por parte da imprensa do final da década-1970. A partir dali, o Brasil passou a conviver com o Lula, e só os primeiros e velhos companheiros mantinham o “Baiano”, que foi sumindo à medida em que se distanciavam dele, principalmente, por motivos como aposentadorias e voos políticos do pernambucano.

Lula não teve muito tempo para estudar. No entanto, sempre soube dar boas respostas a repórteres que armavam ciladas gramaticais pra cima dele. Sabia ser simpático, malandro. Um exemplo: quando foi ao segundo turno das eleições presidenciais de 1989, contra Fernando Collor, durante o sorteio da numeração das cédulas de votação, no Tribunal Superior Eleitoral, ele compareceu usando os chamados “chinelos de dedo” e uma blusa de lã coloridaça em pequenos detalhes. O repórter Edgar Tavares, que foi Editor Executivo do Jornal de Brasília e era amigo dele, resolveu sacaneá-lo, dizendo-lhe: “Lula, você tá parecendo um baiano, com uma blusa cor sim, cor não”.

Conhecedor de todas as sacanagens da rapaziada, diante do “cor não”, Lula devolveu para o Edgar Tavares: “Pára com isso, campanhêro! No time de São Cornelo (Cornélio), nunca vô jogá”.

Comigo, passou-me uma rasteira, também. Durante o seu primeiro mandato, eu era repórter da Rádio Nacional de Brasília. Um dia, numa dessas vezes em que, depois de uma solenidade, ele dava mole e a turma só faltava quebrar-lhe os dentes com tantos microfones e gravadores em cima, aproveitando da proximidade do seu amigão/assessor de imprensa Ricardo Kotscho, chamei-o por “Baiano”. Ele contra-atacou: “Estou muito satisfeito sendo pernambucano, mas Deus não me deu a graça de ser baiano. Só espero que todo baiano vote ni mim” – que legal! Este era o Lula. Hoje, não fala mais como o povão.

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