ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), pastor licenciado da igreja de Silas Malafaia e líder do PL na Câmara, tem um “amigo-irmão” em Brasília. “O Lindbergh e eu nunca vamos confundir a briga política com a amizade pessoal”, diz sobre Lindbergh Farias (PT-RJ), um dos mais vocais deputados do campo político que ele tanto despreza.
Sóstenes já vestiu a camisa vermelha, é verdade. Era líder estudantil na adolescência, quando morava na frente de um sindicato de professores em Ituiutaba (MG). Apaixonado por política, ia toda semana a sessões na Câmara Municipal. “Eu andava com estrelinha do PT, estudava na biblioteca do partido. Li Marx, Lênin.” A caricatura do que hoje classificaria como um “esquerdopata”.
Faz tempo que Sóstenes virou à direita no GPS ideológico. Hoje ele se anuncia nas redes sociais sob a rubrica “cristão, defensor da vida e da família”. Diz ter se desapontado com o PT ainda na juventude, após ver um vereador do partido, segundo ele, “trocar de carro e fazer uma mansão depois de roubar tanto”.
Após Jair Bolsonaro (PL) ter sua prisão preventiva decretada neste sábado (22), o parlamentar lamentou o que disse ser “a maior injustiça da história”. Por ter acontecido no dia que simboliza o número do PL, 22, revelaria, para ele, “a psicopatia em alto grau” do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes.
Na sexta (21), enquanto a indicação do evangélico Jorge Messias para o STF atraía a simpatia de parte do segmento religioso, o pastor líder do PL mantinha o tom crítico à escolha de Lula (PT). “Mais 30 anos de um esquerdista petista julgando e atrasando o Brasil”, disse.
Terceira geração evangélica na família, com avós espíritas e católicos que se converteram, ele conheceu nos anos 2000 aquele que viria a ser o arquiteto da sua carreira política. A admiração por Malafaia vem desde os tempos em que Sóstenes era missionário na Argentina e assistia a videocassetes do pastor, televangelista de longa data. “Nas madrugadas frias, gostava de ver Silas pregando”, contou em uma das várias entrevistas que deu à reportagem nos últimos anos.
Sóstenes conversou de novo com a Folha na última semana, quando detalhou o convite para concorrer a deputado em 2014. “O Silas me chamou um dia na sala dele e disse, ‘me reuni com o meu G20’, que é um grupo de 20 pastores da igreja.” O núcleo duro da Assembleia de Deus Vitória em Cristo identificou nele vocação para representá-lo em Brasília. Seja feita a vossa vontade.
Já em sua largada na avenida partidária, foi o 12º deputado mais votado pelo Rio, com 105 mil votos. Bolsonaro liderou esse ranking, naquela que foi sua última disputa para a Câmara, antes das incursões presidenciais.
Sóstenes está ciente de que a boa performance estava muito mais ligada a ter Malafaia como cabo eleitoral do que a um brilho eleitoral próprio. O parlamentar foi se reelegendo e ganhando força política não necessariamente atrelada ao pastor, ainda que associar um ao outro continue praxe no Congresso.
Ele presidiu a bancada evangélica no ano em que Bolsonaro disputou a reeleição e perdeu para Lula. Depois, ocupou a segunda vice-presidência da Mesa Diretora da Câmara, o que o projetou internamente para além da imagem de deputado evangélico. Em seu terceiro mandato, é um dos protagonistas da atual legislatura.
A trajetória ascendente não veio sem tropeços. Opositores e até aliados apontam como tiro no pé um projeto de lei que Sóstenes apresentou em 2024, que criminaliza o aborto após a 22ª semana de gestação para vítimas de estupro. A proposta teve forte reação social, mesmo em igrejas, por equiparar mulheres violentadas a homicidas.
O deputado já era um dos opositores mais ativos contra Lula quando, em fevereiro, assumiu a liderança do PL. Exerce o papel num momento turbulento para a sigla, fragmentada em rachas internos e tensionada pela sucessão presidencial que se avizinha —com Bolsonaro inelegível, pululam nomes à direita para 2026. Diz que, ao visitá-lo no fim de 2024, teve a bênção para liderar o partido e ouviu o pedido para “manter a bancada unida”.
Sóstenes é generoso com alguns colegas e menos com outros. Nikolas Ferreira, acusado por ala bolsonarista de não se esforçar o suficiente para defender os Bolsonaros, é para ele “um dos parlamentares que mais amadureceu da nossa bancada”, alguém que agora pensa mais no coletivo, em contraposição àquela “pessoa que trabalhava mais as suas redes sociais em seu mandato”.
Já Ana Caroline Campagnolo, antifeminista com cadeira na Assembleia Legislativa catarinense, foi repreendida após alimentar crise no PL de Santa Catarina, avessa à intenção do carioca Carlos Bolsonaro de concorrer a senador pelo estado. “Com todo o respeito a ela, mas deputada estadual entrar numa briga nacional, eu não vejo nem proporcionalidade para isso.”
Sóstenes prevê uma safra abundante para o Legislativo eleito no ano que vem. Entusiasma-se com quadros que o PL pretende lançar, gente que em algum momento teve recall no campo progressista. Puxa como exemplo candidatos homossexuais (“gays de direita”) e a ex-funkeira Jojo Todynho, que mantém boa interlocução com a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro.
Para a eleição maioral, segue a linha de exaltar o ex-presidente como maior trunfo do PL, “e não cachorro morto como alguns querem colocar”. Quem Bolsonaro indicar como cabeça de chapa, “nós vamos apoiar”, afirma.
Não deixa de apontar “um sentimento dos partidos de centro, de várias personalidades da direita, de muita gente”: o nome mais competitivo seria o do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Vislumbra como vices possíveis Michelle, a senadora Tereza Cristina (PP-MS) e ACM Neto, vice-presidente do União Brasil. “Chapa dos sonhos” mesmo, aliás, seria uma composição de Tarcísio e Ciro Gomes, recém-filiado ao PSDB, propõe o deputado.
Sóstenes diz que aprendeu com o ex-prefeito do Rio César Maia “que todo crescimento gera dores”, daí tanta agitação na direita. Para ele, melhor assim.
Dois conselhos dados pelo amigo Lindbergh lhe vêm à mente. Um que fez bem em dispensar, o outro provado certeiro pelos últimos anos, na sua avaliação.
“Ele sempre achava que eu não deveria colar muito a minha imagem à de Bolsonaro, porque tenho autoridade moral para falar de Deus, pátria, família e liberdade. Lindbergh achava que o Bolsonaro não tinha.” Essa sugestão aí ele descartou.
Uma segunda palavra, contudo, hoje lhe soa profética. “Ele foi o primeiro cara que me disse, em 2015, que a polarização ia chegar no Brasil”, assim como nos Estados Unidos à beira de eleger Donald Trump.
Sóstenes respondeu à época dizendo que o petista estava louco, por achar que não existia direita no Brasil. “Hoje eu tenho que dar razão a ele.” E faz questão de sentar na janela deste bonde conservador.