Idiana Tomazelli
Brasília, DF
O ministro da Economia, Paulo Guedes, criticou nesta quarta-feira (26) as emendas de relator por invadirem o espaço das políticas públicas no Orçamento, mas minimizou os riscos de corrupção envolvendo esses recursos, sob a justificativa de que eventuais desvios são menores do que em governos do PT.
As emendas de relator são recursos bilionários no Orçamento usados como moeda de troca nas negociações entre o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional. A aplicação das verbas não é transparente nem equânime, pois costuma privilegiar aliados do governo e da cúpula do Legislativo. São eles que escolhem o destino do dinheiro.
O uso dessas emendas entrou na mira de autoridades públicas por suspeita de desvios. Em 14 de outubro, a Polícia Federal prendeu dois suspeitos de fraudar sistemas do Ministério da Saúde para justificar uma série de repasses do governo Jair Bolsonaro (PL) para municípios por meio de emendas de relator. A prática foi relatada em reportagem da revista Piauí.
“Vamos supor que tenha um superfaturamento aqui ou ali de 20%, 30%. Você está falando de, pô, de 20%, um quinto de R$ 15 bilhões, R$ 16 bilhões. Está falando de R$ 3 bilhões. Uma conta que cai de R$ 220 bilhões [no passado] para R$ 3 bilhões, eu acho que é um aperfeiçoamento da democracia, é um aprendizado”, afirmou o ministro da Economia em palestra na Fucape Business School, em Vitória (ES).
Guedes não citou nominalmente o PT, mas atribuiu a fatura de R$ 220 bilhões a governos que usavam “porteira fechada de estatal” como forma de assegurar a governabilidade. Sob Bolsonaro, diz ele, essa conta está menor.
“A democracia brasileira pacífica, harmônica, onde todo mundo [era] feliz porque estava um com a mão no bolso do outro, todo mundo dando volta. Era uma harmonia incrível, era muito harmônico. Só que custava R$ 220 bilhões por ano. Aí agora está custando R$ 16 bilhões”, disse.
Em 2014, no governo Dilma Rousseff (PT), a Polícia Federal deflagrou a primeira fase da Operação Lava Jato, que investigou desvios na Petrobras durante as gestões petistas. Em laudo de 2015, peritos da PF estipularam que os desvios estariam na faixa de R$ 6,4 bilhões a R$ 42,8 bilhões.
Criadas em 2019 para valer no ano seguinte, as emendas de relator receberam R$ 19,7 bilhões em 2020 e R$ 16,7 bilhões em 2021. Neste ano, a previsão é de R$ 16,5 bilhões. Para 2023, há uma reserva de R$ 19,4 bilhões, consumindo recursos de diversas áreas sociais, que correm o risco de sofrer um apagão.
Líder nas pesquisas de intenção de voto segundo o Datafolha, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem criticado o instrumento e defende a retomada do controle do Orçamento pelo Poder Executivo.
Estava um com a mão no bolso do outro [em outros governos], todo mundo dando volta. Era uma harmonia incrível, era muito harmônico. Só que custava R$ 220 bilhões por ano. Aí agora está custando R$ 16 bilhões
MINISTRO DA ECONOMIA
Na última segunda (24), Bolsonaro mudou seu discurso e passou a dizer que trabalhará para extinguir as emendas de relator caso seja reeleito no próximo domingo (30).
Na palestra desta quarta, Guedes reconheceu que a criação das emendas de relator contribuiu para comprimir outras áreas, como investimentos ou gastos discricionários para a manutenção de políticas públicas. Essas despesas disputam espaço com as emendas de relator dentro do teto de gastos -que impede o crescimento do total das despesas acima da inflação.
“Nós temos, vamos supor, R$ 100 bilhões para gastar. Se os políticos tiram R$ 30 bilhões, você fica com R$ 70 bilhões. Aí aperta educação Aí a bomba vem para mim. […] Falam assim, ‘ministro da Economia corta grana da merenda escolar’. Eu não, cara pálida. Eu não cortei nada de ninguém, vocês que cortaram de vocês mesmos”, disse.
Ele sugeriu que alguns parlamentares indecisos sobre o destino de sua fatia conciliem a aplicação dos recursos com as necessidades dos ministérios.
“Tem deputado com dinheiro e sem causa, e tem governo com ministério querendo fazer a coisa, mas sem grana. Então é só apresentar um para o outro. Falar: ‘vem cá, você tem grana né, a gente tá precisando fazer merenda escolar, você gostaria de ter o seu nome na porta do grupo escolar? Deputado merendeiro. Tá aqui. Você gostaria disso? Vamos fazer isso?'”, disse o ministro.
Guedes respondia a uma pergunta da plateia sobre qual era a função das emendas de relator e por que o instrumento é tão criticado. Após falar da questão orçamentária, ele passou a tratar das acusações de corrupção.
O ministro ressaltou que não acredita no desvio integral de todos os recursos das emendas.
“Se o sujeito pegar e for fazer alguma coisa errada dos R$ 16 bilhões, é o seguinte. Ele olha para um lado, olha para o outro, [e diz] ‘olha, paga aí um pouquinho mais caro nessa ambulância aí, 20%, 30% a mais’. Porque a corrupção não são os R$ 15 bilhões, R$ 16 bilhões, de jeito nenhum. Está cheio de deputado honesto lá que quer levar o dinheiro para a base. Ele quer fazer uma obra lá na cidade dele, ele não tá errado”, afirmou Guedes.
“Agora, vamos supor que tenha um superfaturamento aqui ou ali de 20%, 30%. Você está falando de, pô, de 20%, um quinto de R$ 15 bilhões, R$ 16 bilhões. Está falando de R$ 3 bilhões. Uma conta que cai de R$ 220 bilhões para R$ 3 bilhões, eu acho que é um aperfeiçoamento da democracia, é um aprendizado.
Mas como é o governo Bolsonaro, que não quis fazer a dancinha do eu com a mão no seu bolso, você com a mão no meu bolso, vira um negócio como se fosse um negócio mais”, acrescentou o ministro, interrompendo o assunto e dizendo “ainda bem que não entendo de política”.
Guedes também falou que o governo está “botando dinheiro na veia” dos mais vulneráveis. “É pobre? Dá para ele na mão”, disse. “Você dá dinheiro para mil brasileirinhos, 999 vão fazer a coisa certa e um vai tomar uma pinga, às vezes até vira presidente”, afirmou.