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Política & Poder

Gasto público: os “eleitos” do TSE

TSE gasta fortuna em salários para manter prédio fechado. Corte paga cerca de R$ 108 mil por mês a quatro servidores que cuidam do CCJE

Ary Filgueira

16/11/2021 5h59

Centro Cultural da Justiça Eleitoral (CCJE) Foto: Roberto Jayme/Ascom/TSE

Imagine um emprego que lhe renda vencimentos acima de R$ 30 mil e uma vista para o Oceano Atlântico. Um trabalho que fica próximo de uma das orlas mais famosas do mundo, pavimentada pelo calçadão mais badalado do Brasil. Perto também da praia cujo cenário inspirou nada menos que Tom Jobim e Vinícius de Moraes em seus versos imortalizados na canção Garota de Ipanema. Música que encantou nada menos que o lendário cantor norte-americano Frank Sinatra.

Esse emprego existe. Mas a vaga está preenchida. Porém, a sua utilidade é questionável e o dinheiro sai do bolso do contribuinte. Os funcionários em questão – são quatro os sortudos – pertencem ao quadro do Tribunal Superior Eleitora (TSE), com sede em Brasília.

Eles foram transferidos da capital federal para o Rio de Janeiro para tomar de conta do Centro Cultural da Justiça Eleitoral (CCJE). Além da bela vista da Cidade Maravilhosa, há uma compensação financeira, que pode chegar a R$ 11.382,88, além do salário. Um verdadeiro prêmio para quem saiu da árida Brasília, cuja seca costuma ser rigorosa entre junho e setembro.

Os quatro juntos atingem uma soma de salários correspondente a R$ 108 mil. Ou seja, 60% do valor de manutenção do prédio situado no Centro do Rio de Janeiro que custa apenas R$ 179 mil por ano. Acontece que a remuneração dos servidores é mensal, o que dá um montante de R$ 1,3 milhão por ano.

A necessidade dos quatro servidores no Centro Cultural da Justiça Eleitoral é questionada porque, desde 2019, o espaço está fechado. De acordo com a Assessoria de Comunicação do TSE, “o prédio do CCJE fechou ao público externo após parecer da equipe de engenharia do TSE sobre problemas com o ar-condicionado (maior causador de incêndios em prédios históricos no Rio). Com as restrições sanitárias impostas pela pandemia, não foi possível restabelecer o funcionamento do CCJE”.

Contracheques

Então, desde aquele ano, o acervo não recebe uma alma-viva sequer de fora. Porém, Thayanne Fonseca Pirangi Soares, Priscila Ferreira Medeiros, Joana Matos Pinheiro Rocha e Anderson Vidal Corrêa seguem lá firmes. Com um olho para o nada e o outro na bela e privilegiada geografia fluminense.

Anderson puxa a fila dos altos salários do quarteto fluminense cedido pelo TSE em Brasília. No contracheque do mês de outubro, atingiu vencimentos de R$ 36,9 mil. Só por fazer parte do quarteto incumbido de tomar conta do CCJE, ele recebeu de gratificação líquida de R$ 7,3 mil.

Anderson Vidal trabalhou no Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro. Com uma gratificação bem menor que a atual. Até que foi convidado pela ministra Rosa Weber para ser diretor-geral do TSE em Brasília. Curiosamente, depois dessa passagem, com o início da gestão de Luís Roberto Barroso na Presidência do tribunal, ele retornou ao Rio de Janeiro com um polpudo salário e ficando subordinado à Secretaria de Planejamento.

A segunda maior remuneração do grupo pertence à Priscila Medeiros. Seus vencimentos alcançaram a R$ 25 mil. Só de gratificação por pertencer ao Centro Cultural no Rio foi para o seu bolso R$ 9 mil.

Técnico judiciário C 13, Thayanne Fonseca teve um total de R$ 24,9 mil com salário e os penduricalhos que rendem o cargo que ocupa. R$ 7.398, mesma quantia paga ao colega Anderson, que é o seu superior.

Apesar de ter a menor remuneração dos quatro, não é correto dizer que Joana Matos é uma trabalhadora comum. No início de novembro, ela recebeu brutos R$ 21 mil somando tudo o que acumulou no mês passado.

Cinco vezes mais do que ganha o contador Edson Martins, 40 anos, morador do Gama. Dono de uma renda mensal de R$ 5 mil, Edson trabalha oito horas num escritório em Brasília e, para chegar a esse vencimento, ainda dá expediente em sua casa. “Tem clientes que me procuram a qualquer momento do dia ou da noite. Não tem como não atender eles”, explica. “É um absurdo saber que tem gente que recebe esse salário alto para ficar num prédio que não tem nada para fazer. Por que não coloca vigilantes para cuidar do edifício”, questiona Edson Martins.

Dos quatro servidores cedidos ao CCJE do Rio de Janeiro, um ainda recebe auxílio-moradia de R$ 2.665,00. A informação é do TSE, que não informou qual deles é o beneficiado.

Licitação para resolver os problemas

Ao ser questionado se o tribunal fez pesquisa para saber se seria mais em conta usar mão de obra local, a Assessoria de Comunicação do Tribunal Susperior Eleitoral esclareceu que o “CCJE é uma unidade administrativa do TSE. Portanto, os servidores são do quadro do TSE. O quadro funcional previsto para o CCJE é de um Cargo em Comissão e duas Funções Comissionadas. Cabe ressaltar que Função Comissionadas só pode ser ocupada por servidor ocupante de cargo efetivo.”

O CCJE já recebeu em média quatro mil visitantes por ano. Número de visitantes que está longe de retornar às dependências daquele espaço.

Segundo a assessoria do TSE, encontram-se em fase de instrução os processos de licitação de manutenção predial, acessibilidade (elevador e outros) e sistemas de alarme e incêndio para que haja autorização de funcionamento pelo Corpo de Bombeiro e outros órgãos. 

A intenção é reabri-lo em 2022 ou tão logo tais processos sejam concluídos. 

Enquanto o público não retorna para o Centro Cultura da Justiça Eleitoral, no Rio, os quatro servidores seguem sua rotina de apagar e acender as luzes do velho casarão histórico inaugurado em 1896.

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