IGOR GIELOW
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
A permanência do ministro da Defesa, José Múcio, no cargo, foi defendida em uma rara reunião virtual entre cinco ex-integrantes da pasta na manhã desta quarta (11).
O grupo composto por Nelson Jobim, Aldo Rebelo, Raul Jungmann e Fernando Azevedo pediu o encontro com Jaques Wagner, que serviu no posto brevemente em 2015, no segundo governo de Dilma Rousseff (PT).
Senador pelo PT-BA, Wagner tem sido lembrado pelos petistas que querem a cabeça de Múcio, acusado de fraqueza no trato com as Forças Armadas na crise que culminou com os ataques de radicais bolsonaristas às sedes dos três Poderes em Brasília, no domingo (8).
Na conversa, os ex-ministros expuseram sua preocupação com a pressão que o PT e integrantes à esquerda do governo Luiz Inácio Lula da Silva sobre Múcio, colocado no cargo justamente por ter um perfil moderado e de acomodação -conservador, foi deputado e presidente do Tribunal de Contas da União, dado ao diálogo.
Desde que foi anunciado na primeira leva de novos ministros, em dezembro, Múcio trabalhou para escolher nomes de consenso para os comandos das Forças, obedecendo ao critério de antiguidade. Depois, apostou naquilo que seus críticos veem como seu maior erro: que os acampamentos golpistas na frente de quartéis pelo Brasil se dissolveriam naturalmente após a posse de Lula.
Não deu certo, e para piorar Múcio afirmou que via nos manifestantes legitimidade democrática. Isso até domingo, claro, quando integrantes da concentração em frente ao Quartel-General do Exército desceram a Esplanada dos Ministérios para vandalizar os prédios do Planalto, do Supremo Tribunal Federal e do Congresso.
Na noite de terça (10), o ministro teve de divulgar uma nota negando que entregaria sua renúncia, dada como certa em redes sociais pelo mais bolsonarista dos lulistas, o misto de influenciador digital e deputado André Janones (Avante-MG).
Outro bode fardado na sala é a inação do Batalhão de Guarda Presidencial ante a invasão do Planalto. Os relatos ainda são confusos, mas a evidência em vídeo indica que os soldados só foram acionados quando o dano era claro, sem pedido de reforços -até agora o governo não explicou o papel do Gabinete de Segurança Institucional e do Comando Militar do Planalto no episódio.
O mal-estar é de lado a lado, já que o Alto-Comando do Exército demonstrou grande insatisfação com a fala posterior de Lula, cobrando generais por sua leniência com os golpistas acampados. Mas o teste de estresse é a apuração do que fizeram, ou não, os militares durante o Capitólio brasileiro.
Na visão dos críticos de Múcio, acalmar ânimos agora apenas daria continuidade a novos episódios de insubordinação. Não se trata de temer golpe de Estado, e sim de baderna, contaminando tropas estaduais das PMs.
Como Lula está no ápice do apoio político desde a eleição, dado o concerto dos três Poderes em torno da defesa da democracia, esses aliados acreditam que a hora para ir para cima dos militares é agora. Os ex-ministros são contra e veem risco de escalada.
Wagner concordou na defesa de Múcio com seus colegas, que representavam quatro diferentes governos: Lula 1 e 2 (Jobim), Dilma (ele e Rebelo), Michel Temer (Jungmann) e Jair Bolsonaro (Azevedo). Os cinco também se colocaram contrários à ideia corrente entre apoiadores do presidente de que é preciso mudar o perfil do ministério para enquadrar os militares.
Segundo esse plano, Múcio daria lugar a Wagner ou a outro petista para que as Forças Armadas fossem submetidas a um “choque de democracia”, na palavra de um desses petistas. Essa medida consistiria da retirada do domínio de promoções de oficiais-general das Forças para a Presidência e da intervenção no currículo das academias militares.
A primeira medida foi, em larga escala, o motivo por que Wagner é rejeitado na cúpula militar. Dilma tentou operar tal ideia, mas foi obrigada a voltar atrás naquilo que foi visto com interferência direta na gestão de assuntos militares para a inserção de oficiais-generais de cunho mais alinhado politicamente ao governo.
É uma crítica válida, mas que foi enfraquecida ao longo do governo Bolsonaro, quando o capitão reformado do Exército militarizou extensivamente a Esplanada dos Ministérios e promoveu uma danosa simbiose, ora voluntária, ora forçada, entre sua gestão e os fardados.
Já a questão dos currículos, que basicamente ensinam que 1964 não teve um golpe militar e sim um movimento ajustado à realidade geopolítica da Guerra Fria, nunca foi tentada após a redemocratização. A menção à ideia pelo PT no governo Dilma foi motivo de grande polêmica e resistência.
Não houve deliberações na reunião. Os quatro ex-ministros que a convocaram acreditam que Wagner levará as ponderações a Lula, que segundo interlocutores se mostra displicente e irritado quando tem de lidar com as Forças Armadas.
Há divergências ideológicas de origem óbvias, mas também a grande rusga de 2018, quando o comandante do Exército pressionou o Supremo a não conceder a Lula um habeas corpus que poderia ter lhe poupado 580 dias de prisão.
Por outro lado, ao longo de seus dois primeiros governos, a relação de Lula com os fardados foi boa, e diversas bases para programas estratégicos ainda em curso foram lançadas. Houve tentativas de conversas antes da campanha, rejeitadas pelos militares, e depois o petista não mais os procurou.
Folha Press