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Política & Poder

Escolhas de Haddad para compor governo dividem especialistas

O anúncio feito pelo futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), a respeito dos novos integrantes da sua equipe dividiu especialistas

FolhaPress

23/12/2022 9h27

Foto: Banco de Imagem

DANIELE MADUREIRA – LUCAS BOMBANA
SÃO PAULO, SP

O anúncio feito nesta quinta-feira (22) pelo futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), a respeito dos novos integrantes da sua equipe técnica dividiu especialistas. Para alguns, a nomeação de Rogério Ceron (Tesouro Nacional), Robinson Barreirinhas (Receita Federal), Guilherme Mello (Política Econômica) e Marcos Barbosa Pinto (Reformas) parece um repeteco do governo Dilma Rousseff (PT), de viés desenvolvimentista, o que causa calafrios ao mercado financeiro.

Para outros, no entanto, os nomes anunciados por Haddad até agora –que incluem Bernard Appy como secretário especial para a reforma tributária e Gabriel Galípolo como secretário-executivo– têm qualificação suficiente para garantir uma boa interlocução com o mercado financeiro. Além disso, por serem jovens em sua maioria, podem propor novas soluções no setor público.

“A política econômica alinhada aos anseios do mercado financeiro, adotada nos últimos dois governos [Michel Temer e Jair Bolsonaro], se mostrou um fracasso para as políticas públicas”, diz André Biancarelli, diretor do Instituto de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

Segundo ele, a ausência do estado em áreas fundamentais, como educação e saúde, vai continuar repercutindo por muito tempo na economia.

O anúncio de nomes como o de Guilherme Mello vem contrabalançar esta visão e se mostra em sintonia com o que propõe o novo governo, afirma. Mello é coordenador do programa de pós-graduação em desenvolvimento econômico da Unicamp, foi responsável pelo plano de governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na campanha eleitoral e, segundo Haddad, teve papel decisivo na definição dos subsídios técnicos que nortearam a negociação da PEC da Gastança.

“É uma pessoa aberta a opiniões diferentes e a negociar”, diz Biancarelli. Segundo ele, o novo secretariado de Haddad, de maneira geral, mostra-se aberto ao diálogo e a escolhas sensatas, que privilegiem o coletivo, ao contrário do governo anterior, que adotou uma postura “sectária”.

“É uma equipe pronta para trabalhar na interlocução com o mercado financeiro –com nomes como Galípolo e Barbosa Pinto– e, ao mesmo tempo, tem traquejo com a estrutura do Estado, como Ceron e Appy”, afirma.

Na opinião de Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos, só o nome de Bernard Appy agradou até o momento. “Mas ele vai para uma secretaria especial, para cuidar de reforma tributária”, afirma. Rogério Ceron, para a Secretaria do Tesouro, também foi “bom”, mas é “uma secretaria que não tem muito o que mexer, está redonda”, diz.

“No geral, os nomes do Haddad deixaram a desejar no quesito de serem mais plurais, como ele havia prometido”, diz Cruz.

“Os nomes de Guilherme Mello, Gabriel Galípolo e outros são bem distantes do que a gente imaginava”, afirma o estrategista, lembrando das apostas em Felipe Salto (secretário da Fazenda do estado de São Paulo) e no economista Marco Bonomo, professor do Insper.

“Ficaram nomes mais desenvolvimentistas, mais com cara de governo Dilma, do que uma mistura de governos, ou até mais parecidos com Lula 1”, afirma.

“O Galípolo escreveu um artigo neste ano com o Haddad falando sobre uma moeda única para o Mercosul. Todo o mundo fica mais receoso com as ideias dele. E o Guilherme Mello tem uma agenda bem mais parecida com a do Nelson Barbosa [ex-ministro da Fazenda] e a do Marcio Holland [ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda], que não funcionou bem no governo Dilma.”

Para Cruz, Haddad correspondeu à preocupação que o mercado financeiro tinha em relação a ele, de ser desenvolvimentista. “Não tem como ser otimista com o que vem adiante, apesar de torcer para que seja um grande ministro”, afirma.

‘Barco na mão de um aventureiro’ Juliana Inhasz, professora e coordenadora da graduação em economia do Insper, acredita que Haddad tenha pecado ao não colocar um técnico de carreira na Receita Federal (Barreirinhas é advogado e foi secretário de Assuntos Jurídicos da cidade de São Paulo).

Um dos virtuais temas na agenda de Barreirinhas seria a taxação de grandes fortunas, o que, para Juliana, “toma uma energia imensa” com ganhos muito baixos, e o melhor perfil para tratar do assunto seria um técnico.

No Tesouro, o nome de Ceron traz “algum alento” por ser um auditor de carreira. “Mas a gente poderia estar mais bem servido com alguém que já trabalha com isso, como o Felipe Salto”, diz.

Marcos Barbosa Pinto, na Secretaria de Reformas Econômicas, vem do mercado financeiro (ex-diretor do Banco Central e sócio da Gávea Investimentos), mas não “apazigua”, diz ela. “Ele tem uma política mais alinhada aos princípios da esquerda.”

A professora do Insper diz, no entanto, ser muito mais “preocupante” o nome de Guilherme Mello para a Secretaria de Política Econômica. “É um acadêmico extremamente novo, sem experiência no setor público, com uma visão distorcida do papel do Estado na economia, carregada de ideologias”, diz. “Estamos dando o barco na mão de um aventureiro.”

Rafael Pacheco, economista da Guide Investimentos, concorda que o nome mais polêmico é o de Guilherme Mello. “Mas, como ele já estava tanto na campanha de Lula como na transição, foi bem antecipado pelo mercado”, diz ele, para quem a maioria dos nomes anunciados não veio como uma grande surpresa.

Pacheco acrescenta que, de modo geral, as indicações são de nomes técnicos e qualificados, embora sejam ligados ao núcleo ideológico do PT, já tendo trabalhado em gestões anteriores do próprio Haddad ou do partido.

O economista da Guide diz ainda que, apesar das declarações do futuro ministro da Fazenda de que haverá responsabilidade fiscal no governo, ainda há um ceticismo dos agentes financeiros em razão da indicação de nomes que defendem uma maior intervenção do estado.

‘Jovens muito bem formados’ Economista-chefe da Mirae Asset Wealth Management, Julio Hegedus Netto indica uma visão um pouco mais positiva em relação aos secretários anunciados. Para ele, os quatro são jovens “muito bem formados”.

Ex-secretário de Fazenda de São Paulo na gestão Haddad, Rogério Ceron conseguiu sanear as finanças do município, quarto maior orçamento do país, diz Hegedus Netto. “Sob sua gestão, aliás, São Paulo obteve grau de investimento pelas agências de rating.”

Já Marcos Barbosa Pinto, afirma o economista da Mirae, terá a responsabilidade de criar novos projetos na área econômica. Hegedus Netto lembra que o novo secretário chegou a ser indicado em 2019 por Joaquim Levy para o BNDES, mas seu passado nos governos petistas acabou fazendo com que Bolsonaro o vetasse, resultando depois na saída do próprio Levy.

“Barbosa chegou a assessorar Haddad no Ministério da Educação, sendo um dos mentores na formatação do Prouni e de várias Parcerias Público-Privadas.”

O futuro ministro da Fazenda forma, assim, um secretariado cheio de nomes jovens, mas com grande experiência no setor público, na opinião do economista da Mirae.

“Achamos que pode ser uma aposta positiva, até porque todos, com exceção de Guilherme Mello, não possuem um viés tão ideológico, sendo muito qualificados tecnicamente.”

Ele acrescenta ainda que, embora formado pela Unicamp, Mello é considerado um economista bem qualificado tecnicamente, sem tantos ranços ideológicos, considerado mais pragmático.

‘Otimismo cauteloso’ para contrapor ‘visão do caos’ Já William Baghdassarian, economista do Ibmec Brasília, vê as escolhas com um “otimismo cauteloso”. “Rogério Ceron tem muita experiência, conseguiu reverter as contas da cidade de São Paulo”, diz.

“Bernardo Appy é referência em reforma tributária, seu desafio vai ser encontrar o tom para que as pessoas percam o menos possível”, afirma. Os demais integrantes conhecem o mercado financeiro e são capazes de promover uma boa interlocução, acredita.

Por outro lado, a situação fiscal é preocupante e existe um grande passivo social -cerca de 33 milhões de pessoas na extrema pobreza e 67 milhões de inadimplentes.

“Mas temos uma situação cambial confortável em termos de reservas internacionais, uma política monetária que está conseguindo trazer a inflação para baixo, as reformas feitas nos últimos anos trouxeram algum ganho de produtividade para a economia”, afirma. “Não compartilho com a expectativa de que vai vir o caos.”

A escalação do ministério de Lula trouxe boas expectativas, segundo Baghdassarian, doutor em finanças pela Universidade de Reading, no Reino Unido.

“Não me lembro de ter visto tanto faixa preta no ministério como agora”, afirma. “Temos Camilo Santana, Rui Costa, Flávio Dino, Geraldo Alckmin –que eu considero uma pessoa extremamente qualificada”, diz.

“Ao colocar ex-governadores como ministros, um cargo de tamanha envergadura, você ganha muita capacidade de articulação com o Congresso”, afirma Baghdassarian, que vê qualidades em Haddad.

“Ele é mais bem preparado que o [Antonio] Palocci”, diz ele, referindo-se ao ex-ministro da Fazenda de Lula.

“Haddad foi prefeito do quarto maior orçamento do Brasil, tem mestrado em economia, uma pessoa que transita tanto nas esferas econômica quanto política. O que é o melhor no atual momento de tensão institucional.”

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