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Política & Poder

Entenda texto aprovado no Congresso para substituir Lei de Segurança Nacional, ainda usada por Bolsonaro e STF

O projeto tinha sido aprovado na Câmara em maio e teve como relatora a deputada Margarete Coelho

Redação Jornal de Brasília

12/08/2021 5h58

Renata Galf
FolhaPress

Foi aprovado nesta terça-feira (10) no Senado um projeto que revoga a Lei de Segurança Nacional, editada na ditadura militar, e que define os crimes contra o Estado democrático de Direito, que passam a compor o Código Penal.

O projeto tinha sido aprovado na Câmara em maio e teve como relatora a deputada Margarete Coelho (PP-PI). No Senado, a relatoria coube ao senador Rogério Carvalho (PT-SE), que fez apenas mudanças pontuais de redação. Com isso, o texto vai direto à sanção, podendo sofrer vetos pelo presidente Jair Bolsonaro.

Senadores governistas, incluindo Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), pressionaram para exclusão de dois itens em especial: aquele que prevê aumento de pena quando os crimes forem cometidos por militares e o item que criminaliza o atentado a manifestações democráticas.

Entre os especialistas consultados pela Folha é unânime a opinião de que a LSN não é compatível com o regime democrático e que, por seu cunho autoritário, deveria ser revogada. Em tempos recentes, a lei tem sido utilizada para perseguir críticos ao governo.

Já sobre os novos artigos a serem incluídos no Código Penal, a avaliação majoritária é a de que o texto é equilibrado. Mesmo aqueles que consideram que alguns dos dispositivos possam gerar novos riscos, a depender da interpretação dos aplicadores da lei, o entendimento geral é o de que, ao longo da tramitação, a proposta perdeu a maioria dos pontos que eram vistos com maior receio.

Entenda abaixo as críticas à LSN e as mudanças com o novo projeto.

Por que a LSN é alvo de críticas?

Aprovada em 1983, ainda na ditadura, a lei é vista por muitos como um entulho autoritário. Um dos argumentos é o de que ela foi feita baseada na lógica de um inimigo interno, sendo destinada a silenciar críticos. Assim, ela feriria preceitos fundamentais da Constituição de 1988, como do pluralismo político e da liberdade de expressão.

Um dos pontos mais criticados da LSN não consta no novo texto. Trata-se do artigo que determina pena de até quatro anos de prisão para quem caluniar ou imputar fato ofensivo à reputação dos presidentes da República, do Supremo, da Câmara e do Senado.

A LSN tem sido usada tanto contra críticos do governo de Jair Bolsonaro quanto em investigações que miram bolsonaristas em ataques ao STF e ao Congresso, como os inquéritos dos atos antidemocráticos e das fake news em tramitação no Supremo Tribunal Federal.

O que estabelece o projeto aprovado?

Pelo texto aprovado, os crimes políticos deixam de constar em uma lei específica, como é o caso da LSN, e passam a compor o Código Penal, sob o título de crimes contra o Estado democrático de Direito.

O projeto divide os crimes em cinco capítulos, sendo eles os crimes contra a soberania nacional, contra as instituições democráticas, contra o funcionamento dessas instituições nas eleições, contra o funcionamento dos serviços essenciais e, por fim, os crimes contra a cidadania.

Um dos desafios da legislação era de que ela não terminasse por revogar a LSN, considerada autoritária, mas trazendo novos riscos à liberdade de manifestação e de expressão.

Qual a avaliação geral sobre o projeto?

O advogado e professor de direito da Unisinos-RS (Universidade do Vale do Rio dos Sinos) Lenio Streck é favorável ao texto nos moldes como foi aprovado na Câmara e mantido pelo relator no Senado.

“O projeto de lei representa um avanço, fundamentalmente porque, primeiro, revoga a LSN e todos os seus resquícios autoritários. Segundo, porque tipifica condutas que vão na contramão da democracia e que representam ameaça às instituições democráticas.”

Na avaliação de Streck, o texto foi bem-sucedido em evitar redações abertas que dessem margem a usos abusivos da lei.

O professor de direito penal da PUC-RS e autor do livro “Crime Político, Segurança Nacional e Terrorismo”, Alexandre Wunderlich, considera o projeto bom, apesar de fazer a ressalva de que há partes dele que poderiam ser aperfeiçoadas.

“Não há lei perfeita, é feita por seres humanos. Esta espécie de matéria, que lida com direitos e liberdades, não é de simples tipificação, há tipos abertos e que merecerão exame acurado da jurisprudência dos tribunais. Isto é da essência da ciência do Direito.”

Flávia Pellegrino, coordenadora-executiva do Pacto pela Democracia (iniciativa que reúne mais de 150 organizações da sociedade civil), afirma que a avaliação é de que, apesar de ainda haver algumas preocupações em relação a itens do texto, o saldo da aprovação é muito positivo.

“A democracia ganha com a revogação de uma legislação que deveria ter sido extinta junto com a ditadura e que vem sendo ampla e arbitrariamente utilizada pelo atual governo em desrespeito a princípios básicos de uma sociedade democrática.”

Como ponto negativo, ela destaca o item que trata da comunicação enganosa em massa. “Pode abrir brechas para cerceamento da nossa liberdade de expressão, ainda que o dispositivo se origine de boas intenções relacionadas ao combate aos processos de desinformação nas redes e fake news”, argumentou.

O advogado Marco Antonio da Costa Sabino, membro do Instituto Liberdade Digital, considera que ao longo da tramitação, o texto melhorou e ficou muito mais equilibrado. Apesar disso, ainda vê com receio alguns artigos da lei.

“É um projeto casuístico, feito para o momento em que o Brasil vive, e perigoso, porque pode ser apropriado por grupos prevalentes para calar a minoria.”

Ele ressalta como positivo o artigo que traz uma série de situações que não poderão ser enquadradas nos crimes previstos no texto.

Tal trecho determina que a manifestação crítica aos poderes constitucionais; a atividade jornalística e a reivindicação de direitos e garantias constitucionais (por meio de passeatas, reuniões, greves, aglomerações ou de qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais) não constituem crime.

Para o professor de teoria e história do direito da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) Diego Nunes, o ideal seria a aprovação de um novo Código Penal que incluísse os crimes contra o Estado democrático de Direito, mas, considerando as dificuldades para que isso aconteça, ele avalia que o projeto atual é um passo positivo.

“Até que advenha um novo Código Penal de cariz democrático, com a devida proteção da ordem constitucional, a aprovação do PL está de bom tamanho, mesmo sabendo que se pode avançar”, afirma.

Ele critica contudo o trecho com crimes relativos a processos eleitorais. Na avaliação dele, esta parte deveria ter sido tratadas na reforma do Código Eleitoral.

Quais trechos governistas tentaram excluir?

Na última semana, senadores governistas apresentaram diversas propostas de emenda ao texto. Uma das principais teve apoio, entre outros, de Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), mas foi rejeitada.

A emenda pretendia retirar dois itens do projeto: aquele que criminaliza o atentado a direito de manifestação e também aquele que prevê aumento de pena para militares, com a perda do posto e da patente ou graduação.

A justificativa dos autores da emenda é de que o dispositivo dificulta a caracterização do que seria uma manifestação pacífica, “gerando grave insegurança jurídica para os órgãos responsáveis pela manutenção da ordem”.

E, no caso da pena aumentada para militares, argumentam que a previsão “cria verdadeira ameaça para inibir a atuação das forças de segurança na preservação da ordem pública”.

Para Alexandre Wunderlich, a aprovação da emenda “atenderia apenas interesses corporativos”.

O professor Diego Nunes rebate a argumentação de que o artigo cria um engessamento das atividades policiais e destaca que o Código Penal já tem previsões relacionadas a ações por obediência hierárquica e pelo estrito cumprimento de dever legal e que apenas excessos são passíveis de punição atualmente.

“O que a nova lei prevê é que a PM e as Forças Armadas não intervenham como tutoras do direito de manifestação, inspirando temor ao seu exercício”.

Quanto aos militares, ele destaca que também servidores civis têm pena aumentada de acordo com o projeto. “Dada a sua função o dever de respeito às instituições democráticas é fundamental, pois afinal [servidores e militares] estão agindo ‘por dentro’ delas”, afirmou.

Confira abaixo os crimes contra o Estado democrático de Direito aprovados pelo Congresso e que foram à sanção presidencial:

CRIMES CONTRA A SOBERANIA NACIONAL
O capítulo dos crimes contra a soberania nacional inclui os crimes de atentado à soberania, espionagem e atentado à integridade nacional.

Tais crimes buscam proteger o país em relação a atores externos assim como de ações que visem, por exemplo, separar parte do território nacional.

No crime de espionagem, há uma ressalva de que não constitui crime a comunicação de informações ou documentos quando o objetivo é expor a prática de crime ou a violação de direitos humanos.

CRIMES CONTRA AS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS
Estão previstos neste capítulo os crimes de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado democrático de Direito.

Este último prevê pena de quatro a oito anos para aquele que “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”.

Já no caso de golpe de Estado, a pena é de quatro a 12 anos.

CRIMES CONTRA O FUNCIONAMENTO DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS NO PROCESSO ELEITORAL
A princípio, estão previstos três crimes neste capítulo: interrupção do processo eleitoral, comunicação enganosa em massa e violência política. Especialistas criticaram a inclusão de tema eleitoral no Código Penal.

Com pena de um a cinco anos, o projeto criminaliza a ação de promover ou financiar campanha ou iniciativa “para disseminar fatos que sabe inverídicos, e que sejam capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral”.

O enquadramento só ocorre quando a disseminação ocorre mediante uso de “expediente não fornecido diretamente pelo provedor de aplicação de mensagem privada”.

Também criminaliza a ação de “impedir ou perturbar a eleição ou a aferição de seu resultado, mediante violação indevida de mecanismos de segurança do sistema eletrônico de votação”. A pena é de três a seis anos.

A mesma pena se aplica ao crime de violência política, que consiste em restringir, impedir ou dificultar “o exercício de direitos políticos a qualquer pessoa em razão de seu sexo, raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”, com emprego de violência física, sexual ou psicológica.

CRIMES CONTRA O FUNCIONAMENTO DOS SERVIÇOS ESSENCIAIS
Este capítulo, que em versões anteriores continha outros itens, prevê apenas o crime de sabotagem, com pena de dois a oito anos para aquele que, com o fim de abolir o Estado democrático de Direito destruir ou inutilizar “meios de comunicação ao público, estabelecimentos, instalações ou serviços destinados à defesa nacional”.

CRIMES CONTRA A CIDADANIA
Criminaliza o atentado a direito de manifestação, que seria o ato de “impedir, mediante violência ou grave ameaça, o livre e pacífico exercício de manifestação de partidos políticos, de movimentos sociais, de sindicatos, de órgãos de classe ou de demais grupos políticos, associativos, étnicos, raciais, culturais ou religiosos”.

EXCEÇÕES À APLICAÇÃO DOS DISPOSITIVOS
O texto ainda afirma que a manifestação crítica aos poderes constitucionais; a atividade jornalística e a reivindicação de direitos e garantias constitucionais (por meio de passeatas, reuniões, greves, aglomerações ou de qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais) não constituem crime.?

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