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Política & Poder

“É rasa a leitura de colocar Lula como pró-Rússia”, diz pesquisador

O especialista contextualiza que a tradição diplomática do Brasil inclui o “pragmatismo político e uma diplomacia responsável”

Redação Jornal de Brasília

04/05/2023 16h40

Foto José Cruz/Agência Brasil.

Luana Viana
Jornal de Brasília/Agência de Notícias CEUB

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), realizou em abril uma viagem à China como uma forma de demonstração do empenho do atual administração na ampliação da política externa.

Para o pesquisador em relações internacionais William Holanda, do Centro Universitário de Brasília (Ceub), Lula tentou, “de forma equivocada, manter uma equidistância entre os envolvidos”.

O especialista contextualiza que a tradição diplomática do Brasil inclui o “pragmatismo político e uma diplomacia responsável”. O pesquisador considera – incorreta e rasa a leitura feita por alguns, colocando Lula em uma posição “Pró-Rússia.

O Palácio do Planalto defendeu que o objetivo é fazer com que o Brasil volte a ter destaque no cenário internacional, deteriorada durante o governo do ex-presidente, Jair Messias Bolsonaro (PL).

Confira abaixo a entrevista com o pesquisador William Holanda

Agência Ceub – Qual a forma que o senhor, como analista de relações internacionais, vê o impacto das falas do presidente Lula na viagem que fez à China, sobre a guerra entre Rússia X Ucrânia? Principalmente no tocante aos ataques diretos aos EUA e a União Europeia?

William Holanda – Há vários meses, Lula vinha criticando o que considerava “esforços pela guerra, ao invés da paz” vindas de ambos os lados do conflito, Rússia e Ucrânia, bem como posições do dito “ocidente”, como se denominam os EUA e países europeus, considerados aliados ucranianos.

Suas falas até então não tinham tido tanta atenção da mídia e de autoridades estrangeiras como essas, proferidas em Xangai, China e Abu Dhabi, EAU. Elas têm um considerável impacto diplomático, quase imediato, dada a rapidez das respostas dos EUA, através do porta-voz do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, John Kirby e da Secretária de Imprensa da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, e respostas por parte da Europa, pelo Porta-voz da Comissão Europeia, Peter Stano.

Quanto a possíveis desdobramentos, houve especulação sobre embrolhos relativos ao Acordo Mercosul-UE, embora seja pouco crível que algum dos países citados façam mais do que o constrangimento já praticado para com o Brasil, para que envie armamentos à Ucrânia. Mas se vão ou não passar de discursos – o que é improvável – cabe ao escalonamento ou não, do conflito.

Agência Ceub – O senhor acredita que as falas de Lula são coerentes? Tanto no tocante ao dólar quanto à guerra?

William Holanda – Creio que Lula tentou, de forma equivocada, manter uma equidistância entre os envolvidos. É parte da tradição diplomática do Brasil, o pragmatismo político e uma diplomacia responsável.

A tese defendida pela Rússia de que a expansão territorial da OTAN no Leste Europeu é uma ameaça existencial à sua segurança nacional, se assemelha com o conceito de “dilema de segurança” que utilizamos nas RI, o qual, estabelece que em um ciclo quase vicioso, se um Estado se arma, os outros – inseguros – também se armariam ou tomariam medidas para se proteger contra eventuais ameaças, o que tensiona a situação até um eventual conflito ou guerra.

Entretanto, invadir um país, infringindo o direito internacional para justificar sua visão, como fez a Rússia, ao violar a integridade territorial ucraniana, não é forma de fazê-lo. Violação essa, sempre reconhecida pelo governo brasileiro, que evitou porém, alinhamentos automáticos para com os EUA e a Europa, que antagonizam Moscou e lhe impõe sanções, práticas distintas da política externa multilateral, que mesmo com muitas divergências ideológicas, até mesmo o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, sabia que o país devia permanecer neutro, pois tomar parte na guerra, especialmente com o envio de armas, violaria os princípios constitucionais das relações internacionais, previstos no Artigo 4º.

Quanto às falas a respeito do dólar estadunidense, acredito que especialmente àquelas que se deram na posse de Dilma Rousseff (13 de abril deste ano) como presidenta do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), estariam relacionadas às manobras feitas por países como Rússia, Irã, Síria e outras nações sancionadas ou banidas pelos EUA, para substituir o sistema de transações Swift, vinculado à moeda estadunidense. Essa mudança, dificilmente realizável na atual conjuntura, poderia ser benéfica ao BRICS, dado o potencial de expansão do bloco, que recebeu pedidos de adesão iranianos, sauditas e entre outros, o que facilitaria transações para com esses países.

Agência CEUB – O senhor entende que as falas foram um deslize ou uma política pensada pelo conselheiro do presidente, Celso Amorim, na tentativa de se aproximar de governos de esquerda e se afastar dos EUA?

William Holanda – Elas fogem à linguagem e ao trato diplomáticos, um enorme descuido de Lula e do Itamaraty, ficou perceptível a inconveniência pelo tom contido do presidente nos dias que se seguiram, como em seu pronunciamento ao lado do presidente da Romênia, Klaus Iohannis, na terça-feira (18), dia seguinte a visita do Chanceler Russo, Sergei Lavrov, à Brasília.

A viagem de Lula à Europa foi oportunidade de amenizar o tom e acalmar as tensões geradas por suas falas na China e nos Emirados. Em Lisboa, retomou o tom de condenar a invasão e pregar pela paz, a partir disso, podemos esperar o mesmo em suas declarações sobre a guerra em coletivas de imprensa em Madri e Londres.

E de forma alguma acredito que o governo pratique uma política externa “de esquerda”, mas, sim, buscando como fez em Lula I e II, o pragmatismo político em busca de um diálogo multilateral.

A política externa orientada por Celso Amorim e guiada oficialmente por Mauro Vieira coaduna com a postura que o Brasil tem mantido desde o início do conflito, exemplificada na aprovação pelo Brasil – a contragosto da Rússia e em desacordo com os outros BRICS – de uma resolução que condena a invasão e pede a retirada das tropas russas da Ucrânia, durante reunião da Assembleia Geral, em Nova York, no dia 23 de fevereiro. O que, novamente, não significa um alinhamento favorável a nenhuma das partes envolvidas na guerra.

Agência Ceub – O senhor acha que as falas do presidente o tiram da posição de mediador, como muitos analistas dizem, pois o colocam como tendencioso à Rússia?

Willian Holanda – Acho incorreta e rasa a leitura feita por alguns, colocando Lula em uma posição “Pró-Rússia”, afinal, se a visita de (Sergey) Lavrov (ministro das relações exteriores da Rússia) conseguiu deixar algo bem claro, foi que o Brasil tem sua posição bem definida: pela paz, com a reiteração da proposta de um cessar-fogo apresentada por Mauro Vieira, nosso chanceler, ao ministro russo, que por sua vez, declinou, reiterando o posicionamento do Kremlin, de que é necessário resolver o conflito de maneira duradoura.

Embora o Brasil se posicione como um país neutro, pacífico e participativo, acredito que tenha suas capacidades muito subestimadas tanto aqui dentro, quanto lá fora, de efetiva participação e decisão no cenário internacional.

Exemplificado por seu longo histórico de engajamento na política internacional, como um dos países fundadores tanto da Liga das Nações em 1919, quanto das Nações Unidas em 1945. Há muito tempo tenta – até agora sem sucesso – ser reconhecido de fato como um player global, para além dos discursos em fóruns multilaterais, mediar um conflito internacional, como um possível acordo entre Rússia e Ucrânia, e também, se tornar um eventual membro permanente do Conselho de Segurança da ONU.

Então, acredito que algo que já se mostrava pouco provável antes das falas de Lula, como a proposta do Brasil liderar os esforços de um “grupo neutro pela paz”, foi acrescido de ruídos desnecessários, inviabilizando seu papel de liderança, porém nada impede que participe nos esforços de terceiros.

Agência Ceub – O senhor acredita que a ampliação da verba no fundo Amazônico, feito no Fórum das Grandes Economias sobre Energia e Clima pelo presidente (dos EUA) Joe Biden, tenha alguma relação com a tentativa de recuperar ou manter a influência sobre o Brasil?

Willian Holanda – É um demonstrativo de interesse, investimentos e negociações envolvendo essa pauta em comum, que é a agenda climática, promessas de campanha eleitorais de ambos presidentes. Embora na prática, sua concretização requer aprovação pelo Congresso e a bancada republicana na Câmara, que possui maioria, são desfavoráveis a gastos envolvendo medidas climáticas.

O governo Biden sabe que os US$ 50 milhões iniciais oferecidos na visita de Lula à Washington e a visita do Enviado Especial para o Clima dos EUA, John Kerry, não foram substanciais. E ainda que os US$ 500 milhões sejam significativos, não chegam perto dos R$ 12 bilhões negociados com os EAU, muito menos dos R$ 50 bilhões acordados com os chineses.

Agência CEUB – O senhor vê essas atitudes como corretas de levar a política externa?

Willian Holanda – Acredito que o melhor caminho para a política externa brasileira é seguir em um pragmatismo multilateral, buscando acordos e parcerias estratégicas com quaisquer países interessados em fazê-los.

Devemos considerar que as ideologias estarão sempre presentes, não há decisão política não-ideológica, mas as escolhas devem sempre estar baseadas em fatos e benefícios palpáveis ou previsíveis ao país.

Há vários vieses, seja na política externa de Michel Temer, por exemplo, que privilegiou o considerado “Norte Global”, em uma aproximação maior com os EUA e Europa, se distanciando da América Latina, em contraste à de Lula, que busca aproximar o “Sul Global” reaproximando-se da África e da China, mas também, se projetando especialmente, como uma liderança na integração regional latina.

O “retorno” do Brasil ao cenário mundial, após o fim de um mandato, cuja política externa ficou marcada pela fala do então Chanceler Ernesto Araújo, se orgulhando da posição de “pária internacional”, é repleto de desafios em meio a um cenário que se desenha multipolar, repleto de outros conflitos não-resolvidos como na Palestina, Iêmen e na Síria, a falta de representatividade na governança global, como no Conselho de Segurança da ONU, bem como uma maior participação dos BRICS na economia internacional.

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