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Política & Poder

Com política contra petróleo na Amazônia, Petro se opõe a extrativismo e busca nova esquerda

Numa fala dura na abertura do evento, Petro acusou a esquerda de negacionismo climático ao se recusar a adotar a pauta

Redação Jornal de Brasília

11/08/2023 20h12

Gustavo Petro, presidente da Colômbia – Daniel Munoz/AFP

JÉSSICA MAES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Em posição oposta à defendida pelo presidente Lula (PT), o mandatário colombiano Gustavo Petro veio à Cúpula da Amazônia, que se encerrou na quarta-feira (9), em Belém, defender o fim da exploração de petróleo na floresta.

Numa fala dura na abertura do evento, Petro acusou a esquerda de negacionismo climático ao se recusar a adotar a pauta.

“[Os governos de] direita têm um fácil escape, que é o negacionismo, negam a ciência. Para os progressistas, é muito difícil. Gera, então, outro tipo de negacionismo: falar em transições”, disse, em referência ao termo usado por governos para justificar a continuidade dos investimentos em energias de fontes fósseis -e citado momentos antes pelo presidente brasileiro em discurso.

Apesar de ter oposto Petro e Lula publicamente, a discussão acerca do tema na cúpula não se deu apenas entre os dois vizinhos. Afinal, seja na costa ou na área continental, todos os oito países que fazem parte da OTCA (Organização do Tratado de Cooperação Amazônica) já exploram combustíveis fósseis na Amazônia.

Alguns precisam muito desses estoques, como a Bolívia (que é um grande exportador do gás extraído na floresta), e outros menos, como a Colômbia (em que a maior parte das reservas está na região conhecida como Orinoquia, no leste do país).

Por isso, o tema quase ficou de fora da declaração emitida ao final do encontro. O artigo que trata de “iniciar um diálogo” entre os Estados “sobre a sustentabilidade de setores tais como mineração e hidrocarbonetos” foi o último a ser incluído no documento, ainda antes do início do evento.

Quando questionada se a Colômbia pretende abrir mão da extração do petróleo em todo o território, não apenas na Amazônia, a ministra do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Susana Muhamad, afirmou que a ideia é ter reservas suficientes para possibilitar uma transição energética justa e fazer com que novos investimentos sejam destinados a esse fim, em detrimento da abertura de fronteiras exploratórias.

“A transição energética tem que ser segura. Não podemos simplesmente nos desconectar do petróleo da noite para o dia, mas acelerar [a transição] o mais decididamente possível”, disse.

“A falácia é que às vezes se fala em transição como se fosse começar ‘algum dia’. E, na verdade, o recado é que o mais importante é acelerar e começar agora para acabarmos com o petróleo e tentarmos fechar as fronteiras extrativistas”, completou.

A pauta climática é central para Petro. A agenda ambiental foi um dos focos da sua campanha eleitoral, junto da luta contra a pobreza e a “paz total”. O programa de governo cita a meta de redução gradual da dependência econômica do petróleo e do carvão.

“Nenhuma nova licença de exploração de hidrocarbonetos será concedida, nem será permitida a mineração a céu aberto em grande escala”, diz o texto, que cita ainda a interrupção de projetos de “fracking” (técnica que usa água misturada a areia e reagentes químicos para quebrar rochas de xisto no subsolo e extrair petróleo e gás), entre outros pontos.

Para implementar essa política, a ativista ambiental Irene Vélez-Torres foi escolhida como ministra de Minas e Energia da Colômbia. Mas, no final de julho, em meio a uma crise institucional e a acusações de abuso de poder, foi substituída pelo engenheiro Andrés Camacho.

Em carta emitida ao tomar posse, segundo a revista Forbes, o ministro admite a intenção de implementar medidas para abrir novas reservas de combustíveis fósseis e, ao mesmo tempo, diversificar a matriz energética.

“Houve sinais muito ambivalentes sobre a questão do petróleo. O petróleo é muito importante para a Colômbia, pelo aspecto fiscal”, opina Tomás Gonzalez, ex-ministro de Minas e Energia (2014-2016).

Ele é diretor do Centro Regional de Estudos de Energia, que defende o uso do gás (que também é um combustível fóssil, ainda que menos poluente na queima) em substituição à gasolina e ao diesel. “O gás é muito importante socialmente, para a transição [energética], e vamos ficar sem gás”, diz, ressaltando que a Colômbia só tem reservas para mais sete anos.

O setor de mineração e energia representa 7% do PIB do país, gerando 33% do investimento estrangeiro, 56% das exportações e mais de 500 mil empregos formais.

Andrés Gomez, pesquisador de energia e justiça climática da ONG Censat Agua Viva, ressalta que, ainda que dependa muito dele economicamente, a Colômbia não é um país petroleiro.

“Temos apenas 0,1% das reservas provadas mundiais e muito menos em termos de gás. Então, parar de depender do petróleo, de algo que tem altas probabilidades de que não siga funcionando como hoje no futuro próximo, é uma política responsável”, afirma. “E é entender o momento histórico, a crise climática e o papel fundamental que tem a queima de combustíveis fósseis.”

González aponta que a posição de Petro nessa pauta também funciona para projetá-lo no cenário internacional. Assim como no Brasil, a maioria das emissões de gases de efeito estufa da Colômbia vêm do desmatamento e das mudanças no uso do solo, mas, em nível global, especialmente entre países ricos e emergentes, o principal gargalo é a energia.

“A discussão no mundo é sobre energia. Então, você não pode ser um líder global se não estiver [discutindo isso], porque é onde está o [debate no] mundo desenvolvido”, avalia.

Para o climatologista Juliano Bueno, diretor do Instituto Arayara, o presidente colombiano vê uma oportunidade competitiva de transformar o país num polo energético limpo. “Existem fortes recursos para essa transição no mundo inteiro, de bancos e fundos de capitais, e ele [Petro] não quer perder esse dinheiro”, diz.

Além desse fator, ressalta, existe uma visão política sobre compromissos climáticos a que Petro busca se alinhar. “Há uma revisão de leitura da nova esquerda latino-americana, com Chile e Colômbia, que tem visões mais modernas, que quer romper com o extrativismo da década de 1960 e 1970”, aponta.

A advogada Vanessa Torres, subdiretora da ONG colombiana Ambiente y Sociedad, diz, no entanto, que é um erro chamar a agenda do presidente colombiano de “antipetróleo”.

“O atual Plano de Desenvolvimento Nacional reconhece o lugar significativo dos combustíveis fósseis e minerais, tendo em conta que são a principal atividade econômica do país”, explica. O ponto-chave, na sua visão, é a proposta de utilizar recursos desses setores para implementar energias limpas.

Torres entende ainda que o resultado da Cúpula da Amazônia, apesar das divergências sobre o tema, abre caminho para que os líderes da região consolidem uma posição frente à postura dos países desenvolvidos.

Quanto a um possível estremecimento nas relações entre Brasil e Colômbia, a internacionalista Marília Closs diz não acreditar que as diferenças em torno dos combustíveis fósseis sejam motivo suficiente para rompimento.

“O diálogo em si não vai ser necessariamente prejudicado, porque o Brasil também tem posições diferentes de outros países da América Latina, com quem continua dialogando”, diz a pesquisadora da Plataforma Cipó. “O que podemos ver é o cenário de esquerdas diferentes na América Latina, mas que ainda assim dialogam.”

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