Menu
Política & Poder

CGU vê vulnerabilidades na emenda do Auxílio Emergencial e aponta cuidados ao governo

O relatório tem como objetivo avaliar a eficácia dos processos de governança, de gerenciamento de riscos e de controles internos

Redação Jornal de Brasília

06/06/2023 12h15

No momento que uma nova regra fiscal está pronta para sair do forno e que o governo quer ampliar receitas até por corte de renúncias tributárias, a Controladoria-Geral da União (CGU) detectou que houve vulnerabilidades no processo de análise de mérito e na formulação da Emenda constitucional 109, de 2021 (EC 109/2021), que se derivou da emenda que garantia a volta do auxílio emergencial (EC 186/19). O trabalho também identificou indefinição de critérios para participação das áreas técnicas do então Ministério da Economia comandado por Paulo Guedes e carência de indicadores para a tomada de decisão.

O relatório da CGU foi finalizado na tarde de segunda-feira e, como parte da atividade de auditoria interna, tem como objetivo avaliar a eficácia dos processos de governança, de gerenciamento de riscos e de controles internos relativos a áreas do governo para contribuir para o seu aprimoramento.

A missão da Controladoria é a de “elevar a credibilidade do Estado por meio da participação social, do controle interno governamental e do combate à corrupção em defesa da sociedade”.

A EC 109/2021 tinha como objetivo ampliar o potencial de crescimento econômico do Brasil no período de recuperação depois da pandemia de covid-19. Entre as propostas relacionadas ao ambiente macroeconômico, foi indicada uma tentativa de reduzir as renúncias tributárias de forma gradual até 2030. Foi apresentado um plano de redução de 10% sobre o montante total das renúncias ainda naquele ano e que até 2030 elas não ultrapassassem 2% do Produto Interno Bruto (PIB).

“Contudo, a EC n. 109/21 trouxe exceções a essas metas de redução que proveram, ao longo do processo desenvolvido pelo Poder Executivo, particularmente pelo Ministério da Economia, divergências de interpretação que resultaram, em diferentes momentos do tempo, em propostas diferentes de plano de redução encaminhadas para a Secretaria Executiva daquele Ministério”, ressaltaram os técnicos da CGU.

O trabalho com base nos próprios dados da Receita Federal observou que apenas as exceções dessa emenda chegavam a 1,96% do PIB. Esse porcentual era equivalente a pouco menos da metade do montante dos incentivos vigentes, de 4,02% do PIB. “Os benefícios excetuados e os entendimentos decorrentes da interpretação do dispositivo constitucional resultaram na proposição de redução dos benefícios e incentivos em montante de R$ 22,4 bilhões, equivalente a 0,07% do PIB.”

O Relatório de Avaliação da CGU ressaltou que algumas informações solicitadas, principalmente quanto ao detalhamento das atividades realizadas pela Economia entre março a setembro de 2021 para a elaboração do Plano, foram disponibilizadas somente a partir de setembro daquele ano. Por esse motivo, esse passou a ser o período como referência para a análise pela equipe de auditoria.

Como exceção às metas da EC 109/21, foram trazidas algumas renúncias fiscais como desoneração da cesta básica (R$ 15,97 bilhões), entidades sem fins lucrativos (R$ 29,24 bilhões), fundos constitucionais (R$ 1,10 bilhão), Prouni (R$ 2,69 bilhões), Microempreendedor Individual (MEI) e Simples Nacional (R$ 77,45 bilhões) e áreas de livre comércio e Zona Franca de Manaus (R$ 24,03 bilhões). Assim, restou à Receita trabalhar em um plano de redução de R$ 140 bilhões em renúncias fiscais.

Ao fazer a auditoria, a CGU salientou que se espera que a redução de vários benefícios fiscais seja acompanhada de estudos que evidenciem os efeitos esperados sobre as diversas perspectivas possíveis, como fiscais e sociais, por exemplo. O trabalho registrou que houve desconformidade sobre discussões de alternativas e custos adicionais que seriam atribuídos aos destinatários e à União e aos demais entes federativos por meio do orçamento direto; carência de indicadores de eficiência, eficácia e efetividade que permitam, ao menos nas renúncias fiscais sob gestão do Ministério, o acompanhamento de resultados, e baixo envolvimento de outras áreas da Pasta, como a Secretaria de Política Econômica (SPE), por exemplo.

“Não apenas é identificada a ausência do emprego desses critérios, como também é identificado que não houve critérios alternativos empregados na escolha do conjunto de renúncias fiscais escolhido para compor o grupo final de renúncias a ser inclusas no Plano, impossibilitando, assim, a verificação por terceiros a partir de critérios comuns sobre o quanto aquela escolha seria melhor ou pior do que outra possível”, escreveram os técnicos.

O trabalho revela que a Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) do Ministério da Economia analisou que houve disponibilização de informação sobre o desempenho de vários dos gastos tributários, incluindo alguns dos mais vultosos, mas não constam do processo justificativas sobre a sua não consideração. “Além disso, chama a atenção o fato da Lei de Informática, uma das renúncias tributárias mais auditadas pela CGU e pelo TCU (Tribunal de Contas da União) nos últimos anos e com um dos maiores números de recomendações, refletindo suas vulnerabilidades, inclusive sobre aspectos de efetividade, não se apresentar entre as de pior avaliação.”

Após citar várias ressalvas sobre a atuação da Economia, a CGU comentou que o caso evidencia que há a necessidade de se definir os critérios de participação de unidades técnicas do ME (como a SPE e a Seae) em processos de análise de propostas de legislativas, sob os riscos de duplicação de recursos entre as áreas do Ministério, ou mesmo a redução da transparência, aumentando a exposição a riscos de integridade, particularmente o abuso de poder em favor de interesses privados e a pressão interna ou externa ilegal ou antiética para influenciar a atuação de agente público.

Outro destaque da auditoria foi a identificação da ausência de dados que permitam o monitoramento de renúncias fiscais sob gestão da Economia, contribuindo para o acompanhamento de resultados realizado pelo Ministério. “Diante da carência de informações sobre essas perspectivas, torna-se dificultosa ou, em certas situações, até mesmo inviável a tarefa de se realizar avaliações sobre políticas públicas”, trouxe o documento.

Os técnicos ressaltaram também que não havia qualquer impedimento legal para que a Economia apresentasse um plano de redução mais ousado. “Contudo, conforme se discute nesta constatação, as insuficiências das informações prévias disponíveis e dos estudos técnicos preparatórios levam a questionamentos que variam desde a confiabilidade dos custos apresentados, uma vez que efeitos colaterais podem impactar o orçamento da União e dos demais entes federativos, até mesmo à superioridade das alternativas apresentadas, em decorrência do espaço de alternativas existentes e a ausência de discussão sobre elas.”

A conclusão do relatório é que, em relação à utilização de critérios, especialmente em relação ao Plano de Redução Gradual, que foi enviado ao Congresso, diversos dos critérios que poderiam ser utilizados como desempenho das políticas públicas a partir dos seus indicadores, materialidade, número de envolvidos e eficácia não foram considerados pela equipe gestora. Além disso, observaram que, apesar do vulto das proposições, o reflexo dos seus efeitos sobre variáveis macroeconômicas também terminou não sendo considerado para fins do processo decisório, o que poderia trazer oportunidades de melhoria para o processo de análise.

O documento identificou um foco das vulnerabilidades, com a ausência de critérios objetivos quanto à inclusão de áreas técnicas, como a SPE e a SEAE. “A correção dessa vulnerabilidade torna-se foco de uma primeira recomendação”, escreveram os técnicos, ressaltando que cabe ao Ministério da Fazenda acompanhar as necessidades das tarefas de elaboração de parecer de mérito e supervisão de sua qualidade em seus recursos, sejam eles humanos ou tecnológicos.

Os auditores também enfatizaram a necessidade de disponibilizar dados para órgãos que tenham necessidade de avaliar suas políticas, ou de prover transparência sobre a eficácia e a efetividade dos gastos públicos é uma discussão não apenas restrita ao ambiente brasileiro, mas também ao ambiente internacional. “Por fim, a definição formal desses controles, das competências e a previsão dos critérios utilizados para se avaliar a qualidade desses trabalhos torna-se importante não apenas pela questão de transparência, mas também para redução dos riscos de integridade sobre o processo de análise de mérito de decisões legislativas, as quais são sujeitas a riscos como pressões externas e internas indevidas ou abuso de poder em favor de grupos privados.”

Estadão conteúdo

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado