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Política & Poder

Candidatos miram diplomacia ambiental após retrocessos sob Bolsonaro

A gestão de Jair Bolsonaro foi marcada por retrocessos como recordes de desmatamento e o desmonte de órgãos de fiscalização

FolhaPress

30/09/2022 18h42

Foto: Sérgio Lima / AFP

Clara Balbi
São Paulo, SP

Derrota de Lula seria desastre para a democracia e o planeta, disse editorial do britânico The Guardian. Amazônia emerge no centro da campanha presidencial, afirmou o americano New York Times. Destruição da floresta dispara antes das eleições, relatou o Wall Street Journal. No noticiário sobre o pleito do Brasil no exterior, viu-se o meio ambiente como maior preocupação da comunidade internacional.

A gestão de Jair Bolsonaro, marcada por retrocessos como recordes de desmatamento e o desmonte de órgãos de fiscalização, fez com que o país passasse de liderança na diplomacia ligada ao tema a uma espécie de pária. “A diplomacia brasileira está sequestrada por uma má política ambiental”, diz Ana Toni, diretora-executiva do Instituto Clima e Sociedade (ICS). “Em qualquer reunião em que o país esteja, a pergunta que se faz é sobre ambiente.”

Ela e Cíntya Feitosa, também do ICS, são autoras de um artigo que analisa a diplomacia ambiental do atual governo. Elas argumentam que Bolsonaro replicou nas relações exteriores políticas de líderes populistas de direita como o americano Donald Trump e o húngaro Viktor Orbán, igualando pautas como a emergência climática e a fiscalização ambiental a ameaças à liberdade e à soberania.

Ao menosprezar a diplomacia ambiental, porém, o presidente abandonou um dos maiores “soft powers” brasileiros sem ter o que colocar no lugar, concluem as pesquisadoras. Toni avalia que Bolsonaro cometeu um erro grave de cálculo ao calcular o peso do ambiente na geopolítica –assunto que extrapolou os limites do ativismo ambiental e passou a guiar discussões maiores, de energia a commodities.

Em certa medida, lembra a especialista, a postura prejudicou até ambições da gestão para as relações exteriores: o acordo entre Mercosul e União Europeia, hoje travado, e a entrada do Brasil na OCDE, grupo de países ricos, que depende do cumprimento de uma série de exigências na área.
“A diplomacia ambiental virou econômica. Você não vê mais o tema do clima como lateral em reuniões do G7, do G20”, diz Feitosa.

Esse entendimento encontra ecos nos planos de governo dos principais candidatos à Presidência para a área –Lula (PT), Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB). A equipe de Jair Bolsonaro (PL) pediu que a reportagem encaminhasse um pedido de entrevista ao Itamaraty, não respondido até a publicação deste texto.

Coordenador do programa de Ciro, Nelson Marconi afirma que o tema é horizontal, que perpassa várias áreas. “Ele talvez não esteja falando com esse título específico, mas tem falado bastante”, diz, sobre declarações do candidato.

O cofundador da Natura Pedro Passos, que formulou o programa ambiental de Tebet ao lado do ex-presidente do Itaú Candido Bracher, defende que o ambiente pode servir para reconectar o Brasil à economia global. “O mundo precisa das soluções que o Brasil pode oferecer”, afirma o empresário, citando o potencial do mercado de créditos de carbono. “Temos uma moeda de troca importante, que não é o toma lá, dá cá de antes.

Passos diz não ver contradição entre as promessas da emedebista de zerar o desmatamento e sua ligação com o agronegócio. “O agro organizado defende a agenda ambiental. O que vemos são os pequenos informais, que tomam proveito dessa situação de descontrole para crescer de forma ilegal.”

Por fim, a dois dias do primeiro turno, a campanha de Lula ainda finaliza um documento detalhando a estratégia internacional para o clima em um eventual governo. O texto foi construído a partir de conversas com 65 atores de diversos setores da sociedade e regiões do país e de articulações com nomes ligados ao partido.

Uma das promessas é a proposição de uma agenda climática do Sul global, que seja mais abrangente do que a de transição energética e mitigação defendida pelas nações desenvolvidas.
A ideia é que o Brasil possa aglutinar em torno do tema outros países em desenvolvimento –alguns dos mais prejudicados pela crise do clima. Uma das propostas concretas nesse sentido é a de que o Brasil sedie uma conferência do clima do Sul.

Representantes das três campanhas também afirmam que a primeira ação de seus eventuais governos para o setor seria uma imediata retomada da fiscalização. Isso implicaria reestruturar órgãos de comando e controle como Ibama e Funai e revogar decretos que permitiram “passar a boiada” no governo atual.

A medida é vista como pré-requisito para o Brasil retomar a credibilidade junto à comunidade internacional –mesmo que, em última instância, só resultados concretos garantam esse retorno, declara Rubens Barbosa, diplomata com mais de 40 anos de serviço e hoje à frente do Irice (Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior). A entidade lançou recentemente um estudo que avalia o grau de cumprimento dos compromissos assumidos pelo Brasil em mais de 60 normas e 15 acordos ambientais desde 1992.

Presidente do conselho e cofundador do Instituto Arapyaú –fundação privada que investe em projetos de desenvolvimento sustentável–, Roberto Waack acrescenta que outras sinalizações importantes nesse sentido seriam a presença do governo de transição em eventos como a COP27 e o reconhecimento da importância dos povos indígenas para as discussões sobre preservação.

Ele e outros membros da entidade defendem a criação de uma Secretaria de Estado de Emergência Climática, aos moldes da função que John Kerry exerce hoje na Casa Branca. A ideia é discutida na campanha de Lula –na qual nomes citados para o posto envolvem os das ex-ministras Izabella Teixeira e Marina Silva–, e o plano de governo de Tebet propõe iniciativa parecida.

Waack afirma que a secretaria seria uma maneira de garantir que a agenda do clima esteja presente nas discussões de todos os órgãos do Executivo –Itamaraty inclusive. Além disso, ajudaria a acelerar processos e indicar prioridades programáticas para o Legislativo. A proposta é uma das muitas de um plano de metas organizado pelo Arapyaú a ser apresentado a um eventual governo de transição após a eleição.

O especialista admite que essas sinalizações talvez sejam insuficientes caso o atual presidente se reeleja. “Qualquer outro governo terá um voto de confiança da comunidade internacional. Mas Bolsonaro tem o desafio adicional de reconstruir a sua credibilidade.”

Ele defende, de todo modo, que o país tem condições para trocar a estratégia defensiva por uma ofensiva no campo. “O mundo da crise climática oferece muito mais oportunidades do que ameaças para o Brasil. Se controlamos o desmatamento, revertemos o jogo e passamos a ser o grande agente da oferta de commodities de baixo carbono no mundo.”

A DIPLOMACIA AMBIENTAL NO BRASIL

1972-1989
Conferência de Estocolmo (1972) marca estreia do conceito; sob ditadura militar, Brasil temia que tratados ambientais impusessem limitações à exploração do território

Evento se desdobra, no Brasil, na criação da Secretaria Especial de Meio Ambiente (1974) e do Sistema Nacional de Meio Ambiente (1981), culminando na inclusão de princípios de proteção do ambiente na Constituição de 1988

1990-2004
Governo Collor (1990-1992) inaugura abertura ao tema e sedia primeira conferência da ONU sobre o setor, a Rio-92

Atuação brasileira é marcada por adoção radical do princípio de responsabilidades comuns, porém diferenciadas -pelo qual países desenvolvidos têm obrigação maior de reduzir emissões

Visão conservadora prevalece nas negociações do Protocolo de Kyoto (1996-2001); Brasil apresenta ao lado dos EUA o mecanismo de desenvolvimento limpo, que permite que países desenvolvidos cumpram parte de suas obrigações financiando projetos em nações em desenvolvimento

Com saída dos EUA do Protocolo de Kyoto, em 2001, Brasil lidera esforço dentro do G77 para convencer países emergentes a assinar o documento

2005-2010
Estabelecimento de série de mecanismos de controle do desmatamento leva a recordes negativos de devastação ambiental

Período é marcado por moderação do princípio de responsabilidades comuns, porém diferenciadas, mas país refuta metas de mitigação mandatórias para países em desenvolvimento na COP15

País faz primeiro compromisso voluntário de redução das emissões

2010-2018
Crise global tira atenção das questões ambientais

Governo Temer (2016-2018) sanciona medidas que prejudicam a Amazônia

No Acordo de Paris (2015), Brasil avança na ideia de que países desenvolvidos assumem compromissos imediatos, enquanto os demais os assumem gradualmente

2019-hoje
Alinhamento aos EUA de Donald Trump, negacionista climático

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