Mateus Vargas e Daniel Carvalho
Brasília, DF
O presidente Jair Bolsonaro faz acenos a sua base eleitoral e mira a reeleição ao Palácio do Planalto ao dar aval para elaboração de decreto que limita a retirada de publicações e contas das redes sociais.
Considerado ilegal por advogados e especialistas, o texto determina, como mostrou a Folha, que posts só sejam removidos por decisões judiciais. As exceções seriam violações ao ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), pedidos do próprio usuário ou de terceiros, além de casos que configuram alguns crimes.
Aliados de Bolsonaro dizem que levaram reclamações ao Planalto sobre restrições de conteúdos em redes sociais. Eles e o presidente temem entrar na disputa eleitoral de 2022 com as suas redes limitadas pelas políticas de uso de redes como Facebook, Twitter, Instagram e Youtube.
As mídias digitais são o principal meio de comunicação de Bolsonaro e foram decisivas para a eleição de 2018. No Planalto, há um departamento de comunicação digital, apelidado de “gabinete do ódio”. É atribuído a este grupo a elaboração de ataques virtuais a adversários.
Ao anunciar a elaboração do decreto, Bolsonaro admitiu irritação com limites impostos pelas redes à própria conta e a de seus apoiadores. “A minha rede social talvez seja aquela que mais interage em todo o mundo. Somos cerceados, muitos que me apoiam são cerceados”, disse Bolsonaro, em discurso no início deste mês.
Publicações do presidente e de seus apoiadores foram excluídas das redes sociais durante a pandemia da Covid-19 por desinformar sobre a doença. Em abril deste ano, o Twitter colocou um aviso de publicação “enganosa” em crítica do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) ao lockdown.
No mesmo discurso do início do mês, Bolsonaro afirmou que as redes sociais têm “papel excepcional” para que a população “possa ter informações verdadeiras”.
Ele disse que estes canais tiveram papel importante na eleição de 2018 e citou o papel do seu filho e vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) durante a campanha. “São pessoas perseguidas o tempo todo”, afirmou.
Pela proposta em análise no governo, que muda a regulamentação sobre o Marco Civil da Internet, a exclusão de contas das redes sociais também dependeria de decisão judicial. Neste caso, há brechas, por exemplo, para apagar perfis falsos ou inadimplentes.
Na leitura de especialistas consultados pela Folha, esta regra também atinge campanhas —como as defendidas pelo grupo Sleeping Giants— de desmonetização de contas que promovem discursos de ódio.
A minuta do decreto foi elaborada dentro da Secretaria de Cultura, comandada pelo ator Mario Frias, membro da chamada ala ideológica do governo.
Ainda em abril, Frias informou a ministros, por ofício, que apurava “eventuais irregularidades” na remoção de conteúdos “intelectualmente protegidos” das redes sociais. A Cultura havia feito questionamentos ao Youtube, Facebook, Twitter e Instagram sobre critérios para exclusão de conteúdos e perfis.
Nos ofícios, Frias afirma que o governo recebeu relatos de retirada de conteúdos sem justificativa.
Em entrevista à Folha nesta quinta-feira, 20, na Itália, onde acompanha a abertura do pavilhão brasileiro da 17ª Mostra Internacional de Arquitetura da Bienal de Veneza, Frias disse ter “carta branca do presidente da República” para tratar do tema.
Auxiliares de Frias que integram o grupo mais ideológico do governo têm usado as redes sociais para se queixar da exclusão de publicações.
“Sabe pq as Big Techs estão tentando calar os conservadores com censura? Pq no argumento, na razão e no judiciário não conseguem, estão querendo atingir na sua principal ferramenta de comunicação ao público. O que depender de nós, não conseguirão!”, escreveu o secretário Nacional de Direitos Autorais e Propriedade Intelectual, Felipe Carmona, no último dia 15.
Se publicado o decreto, caberá à pasta de Carmona fiscalizar as empresas. O texto propõe punição às companhias de tecnologia que vão desde advertência até proibição de atuar no Brasil.
Dentro do governo, porém, o decreto é visto com ressalvas. A própria consultoria jurídica do Ministério do Turismo, que abriga a Cultura, sugeriu que o texto seja apresentado como um projeto de lei ou medida provisória (MP), para evitar contestação jurídica.
Aliada de Bolsonaro, a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) defende limitar as atividades das empresas de tecnologia. “A direita está sendo reduzida, provavelmente com vistas às eleições de 2022. O que vai acontecer se as nossas redes sociais começarem a ser deletadas desse jeito?”, disse Zambelli.
Para ilustrar o que considera ser um abuso de empresas de tecnologia, a deputada disse à Folha que teve 19 vídeos apagados do Facebook “apenas” por citar o uso da hidroxicloroquina como tratamento para a Covid-19. A droga é ineficaz contra o vírus.
Procurado, o Ministério do Turismo informou em nota que a minuta do decreto foi enviada para consulta de órgãos responsáveis e “tem como objetivo tão somente incluir um capítulo no marco legal da internet no Brasil referente aos direitos do consumidor, de forma a assegurar a proteção dos usuários contra qualquer decisão arbitrária das empresas de redes sociais em funcionamento no Brasil”.
Para advogados consultados pela Folha, o texto é ilegal e inconstitucional. “O decreto restringe a liberdade das empresas de gerir seus ambientes online. Vai assoberbar o Judiciário com casos triviais”, afirma o professor de direito da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e diretor do ITS (Instituto de Tecnologia e Sociedade), Carlos Affonso Souza.
Para Paulo Rená, professor de direito no UniCeub e integrante da Coalizão Direitos na Rede, o texto pode dificultar a remoção de conteúdos com discurso de ódio.
Os professores concordam que é preciso avançar no debate sobre a transparência das decisões de retirada de contas e conteúdos das redes sociais. Eles afirmam que o local adequado para a discussão é o Congresso Nacional.
Google, Youtube, Facebook, Instagram e Twitter não quiseram se manifestar sobre o decreto. A Folha apurou com autoridades que acompanham a elaboração do texto que as empresas não foram avisadas sobre a proposta.
RELEMBRE POSTS DE BOLSONARO APAGADOS
No fim de abril de 2020, o Twitter apagou, pela primeira vez, duas postagens feitas pelo presidente. A empresa considerou que os conteúdos violavam as regras de uso ao potencialmente colocar as pessoas em maior risco de transmitir o coronavírus.
Os posts eram de vídeos do tour que o presidente fez no DF, contrariando seu próprio ministro da Saúde na época, Luiz Henrique Mandetta, que recomendou que as pessoas ficassem em casa como medida de enfrentamento ao coronavírus.
Nas filmagens, Bolsonaro cita o uso de cloroquina para o tratamento da doença e defende o fim do isolamento social.
Em um dos posts, em Taguatinga, ele conversa com trabalhadores informais, escuta críticas à quarentena, concorda com a cabeça, e diz que o medicamento está dando certo. No outro, em Sobradinho, o presidente entra em um açougue, fala com funcionários, projeta o desemprego que o isolamento social pode causar e, de novo, cita o remédio.
Um dia depois, Facebook e Instagram também excluíram o post com o vídeo do passeio.
Removemos conteúdo no Facebook e Instagram que viole nossos Padrões da Comunidade, que não permitem desinformação que possa causar danos reais às pessoas”, disse o Facebook em nota.
Em janeiro deste ano, post de Bolsonaro no Twitter sobre tratamento precoce foi marcado como “informação enganosa”
As informações são da FolhaPress