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Política & Poder

Advogada trabalhista reflete sobre o panorama atual do Direito do Trabalho no Brasil

Para o JBr, a advogada falou um pouco sobre o que ela chamou de crise institucional que está formada entre a Justiça do Trabalho e o Supremo

Amanda Karolyne

13/11/2023 10h52

A doutora Lirian Sousa Soares Cavalhero é mestre em Direito, com especialização em direito do trabalho, direito sindical e direito empresarial. Atualmente, ela está fazendo pós-graduação em direito digital, que ela considera o direito da Nova Era. Nos últimos meses, ela tem demonstrado seu posicionamento sobre o panorama atual do Direito do Trabalho no Brasil. Para o Jornal de Brasília, a advogada falou um pouco sobre o que ela chamou de crise institucional que está formada entre a Justiça do Trabalho e o Supremo Tribunal Federal.

 

A doutora considera que deve ser repensado o posicionamento da Justiça do Trabalho, de que realmente haja respeito às decisões do STF. Porque é claro, ela aponta que o STF muda de posição eventualmente. Entretanto, quem tem que ir contestando uma decisão, até chegar no STF, para que este possa mudar de posição, são as partes. Quem está litigando. Ela exemplifica que quando se trata de um termo de repercussão geral, ou a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), o juiz pode se posicionar assim: “Apesar de não concordar, me curvo a decisão da corte suprema, aplique-se a repercussão geral”. A parte que não concordar com aquilo pode recorrer. O juiz tem que cumprir as decisões obrigatórias por estarem em repercussão geral, em ADPF.

Isso tem causado uma confusão institucional. E ela cita o ministro Gilmar Mendes, que acredita que claramente está sendo criada uma crise inconstitucional no Brasil, entre o STF e a Justiça do Trabalho, porque ela desrespeita as decisões do STF. O que Cavalhero aponta ser muito grave, e mais grave ainda, é ter essa discussão dentro do tribunal da corte suprema.

“A hora que isso for resolvido, vamos reduzir milhares de processos, e aí sim, a Justiça do Trabalho vai cuidar do trabalhador que tem o contrato de emprego violado, que não está recebendo o que lhe é permitido pela CLT”.

A doutora Lirian reafirma que o Direito do Trabalho é Direito Constitucional, e ressalta o artigo 7o da Constituição. Na prática, o que significa o direito trabalhista ser constitucional?

Dra Lirian: Em 1988, o Brasil optou por fazer uma constituição que fosse um grande livro. Os direitos sociais, que são os direitos trabalhistas, como o décimo terceiro e o adicional noturno. Todo o “Bê-A-Bá” do que diz respeito ao direito do trabalho, está inscrito na Constituição, e se está lá, é um direito constitucional. Se é um direito constitucional, no nosso país, no nosso sistema jurídico, quem pode dar a última palavra nas resoluções dos conflitos entre os cidadãos, ou entre as empresas e os empregados, é o Supremo Tribunal Federal. Porque a matéria é constitucional. E aí é que vem causando toda a celeuma. A Justiça do Trabalho quer entender que ela vai dar a última palavra nas questões. Entretanto, muitas dessas questões, justamente por terem sido julgadas de forma reiteradas, indo até o STF, que via que as questões estavam incorretas de acordo com a Constituição Federal. Já tem oito ou nove anos que a situação entre a Justiça do Trabalho e o STF está assim.

O que acontece quando as decisões do STF não são seguidas pela Justiça do Trabalho?

Chega a decisão no STF, que pelo seu poder, é a última instância entre os muitos tribunais no Brasil, as mais de não sei quantas mil varas, entre tantos juízes, em que todos estão submetidos aos 11 juízes que estão aqui em Brasília. Por que quase tudo que existe no país está na constituição, está disposto para ser discutido no Supremo Tribunal Federal. E o Supremo começou a ver o tamanho do prejuízo Jurídico e econômico que tinha acontecido no Brasil, porque o STF dava uma decisão dizendo: olha, isso não pode ser desse jeito. Não é desta forma que se enquadra na Constituição, e falava para a justiça do trabalho não fazer mais o julgamento daquela forma.

Por outro lado, a Justiça do Trabalho continuava da mesma forma, como se não tivesse a orientação do Supremo, que dava uma liminar dizendo para que todos os processos fossem suspendidos no Brasil, até que a matéria fosse julgada em definitivo pelo STF. Mesmo assim, muitos tribunais não suspendiam as matérias. O que acontecia, as partes recorriam ao Supremo para comunicar que a decisão não foi seguida pelo juiz da vara ou do tribunal. A parte pedia para suspender, então o ministro tinha que mandar o juiz da vara ou do tribunal suspender uma coisa que já estava suspensa. Só para esperar o julgamento final. Então vem o julgamento final, e teoricamente, é de se pensar que acabou, foi resolvido. Normalmente, toda vez que tem uma situação dessa que manda suspender os processos, a gente tem um levantamento perfeito, dizendo quantos processos estão suspensos no Brasil sobre esse assunto, então se foi decidido em definitivo daquela ação, daquela forma, aqueles processos ou iriam ser declarados procedentes ou improcedentes. Entretanto, o que vinha acontecendo, quando vinha a decisão final do Supremo, era contrária à maioria das decisões das cortes da justiça do trabalho, No lugar de declarar a prevalência da decisão do Supremo e extinguir os processos, eles continuavam correndo. As partes tinham que ir de novo ao Supremo entrar com a reclamatória constitucional.

O que é uma reclamatória constitucional?

É quando o cidadão ou a empresa, reclama perante o STF, que este deu uma decisão que não foi cumprido pelos juízes e desembargadores. É matéria constitucional, e o Supremo vai ter que ir lá de novo, pela terceira vez, ou mesmo a quarta para o mesmo processo, para apontar que está errado e suspendê-lo. A decisão não está de acordo com a constituição. Então o processo tem que ser arquivado. Essa posição da Justiça do Trabalho, está causando um problema seríssimo. Uma posição muito complicada para todo o sistema judiciário brasileiro.

Das reclamações no STF em 2023, 54% são trabalhistas. Dos gabinetes dos 11 ministros, existem partes que só trabalham com reclamatória. Não com matéria trabalhista, mas com a reclamatória constitucional da área trabalhista. O que causa prejuízo público para a nação, para as empresas e para os empregados. Porque se o direito é da empresa, a empresa fica sem saber se o direito é respeitado. Tem que ficar esperando as decisões. Se o direito é do empregado, se cria uma expectativa esse tempo todo e também demora muito tempo. Tudo porque não se obedecem as decisões que vêm do STF. O certo seria, o poder legislativo cria lei; o poder executivo executar a lei; e o judiciário fazer o controle da lei, para ver se a ela está de acordo ou não com a constituição, e com as outras legislações que podem ser superiores àquela lei. Essa seria a divisão dos poderes no nosso Brasil.

Para a advogada, os juízes do trabalho, ao invés de julgar o que está na lei, estão criando leis. O que não faz parte do seu poder e sim do executivo. O que ela afirma ser chamado de ativismo judicial, que é maléfico para qualquer país. Como essa situação chegou até aqui?

Nós temos duas coisas, o Contrato de trabalho, da Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), e o contrato de emprego. Mas com todas as tecnologias que foram surgindo, foram criadas diversas outras formas de contrato de trabalho, que não é o contrato de emprego previsto na CLT, que tem décimo terceiro, hora extra e etc.

O ministro Gilmar Mendes diz que a justiça do trabalho não consegue ver que a gente tem várias novas formas de contrato de trabalho, como por exemplo a terceirização que tem mais de dez anos que foi julgada. É impossível ter juiz julgando contra a terceirização. E chove de processos na justiça de trabalho dizendo que é ilegal. Mas já foi dito pelo STF que não é.

Além desses casos, quais são os outros que a Justiça do Trabalho está ignorando a decisão do STF?

Depois a gente tem as plataformas de trabalho por meio de aplicativo, que o Supremo diz que não há vínculo empregatício, não tem contrato de trabalho entre as plataformas. O Supremo solta 5 ou 6 decisões neste sentido, e sai um juiz multando um aplicativo em não sei quantos bilhões, mandando assinar carteira de trabalho de todas as pessoas que mantêm contrato com a empresa. O juiz, contra uma decisão do STF, que diz que não há vínculo empregatício entre a plataforma e seus trabalhadores. O que gerou uma comoção enorme na justiça, além de ter causado gasto de dinheiro público totalmente desnecessário. Aquele juiz vai ter que fazer a sentença e vai ter que movimentar todo o gabinete dele. O que cria expectativa em todos os motoristas do aplicativo, e criou uma crise dentro de uma empresa multinacional que não opera mais no Brasil.

A partir disso, a empresa entra com duas ações reclamatórias constitucionais perante o Supremo, para dizer ao juiz, o que já declarou várias vezes, que não há vínculo empregatício entre as plataformas e os motoristas. Tudo isso, enquanto a Justiça do Trabalho e o STF poderiam estar ajudando em coisas mais importantes para o país.

Quais os desafios e os caminhos a seguir?

De 54% dessas reclamações, a maioria trata sobre três pontos, o primeiro deles, é a terceirização, em relação a representante comercial, contrato de advogados – que é um contrato diferente – , franquias e franqueados.

O segundo é a pejotização, que não existe só no Brasil, mas sim no mundo inteiro. Ela é considerada constitucional pelo STF. Claro que, eu acho que tem uns parâmetros a ser seguidos, como a dignidade da pessoa humana, segurança e medicina do trabalho, e a própria reforma trabalhista de 2017, que deixou claro como se contesta um contrato, quando você tem pessoas de níveis superiores, com salários superiores, e que sabem muito bem o que estão escrevendo naquele momento. Você não tem como contestar aquele contrato. A reforma já deu os parâmetros para quem deve ser feito o contrato de pejotização. Entretanto, a Justiça do Trabalho sempre considerou a pejotização ilegal, mas o STF considera legal e constitucional.

Existe um caso em Brasília, que depois virou uma lei que talvez seja uma das mais emblemáticas. As leis dos salões de beleza. Aqui em Brasília, se fazia um contrato de aluguel da cadeira. O cabeleireiro mais disputado, fazia contrato de aluguel naquele salão, daquele material, mas na verdade ele contratava o lugar no salão. O salão não o contratava, porque ele recebia mais do que o salão, se o corte fosse R$300, ele ficava com R$200 e o salão ficava com R$100. Eram esses aluguéis, e a gente foi provar na justiça do trabalho, que não tinha sentido aquilo ser contrato de emprego. Aquilo era contrato de trabalho. Os aluguéis das cadeiras. A Justiça do Trabalho de Brasília, muito legalista, tem que ser ovacionada. Não é das que está dando maiores problemas nas reclamatórias do STF, o número deve ser pequeno. E ela entendeu que esse caso do salão, era contrato de trabalho, e não de emprego, e com base em tudo isso, foi para o poder legislativo, e o Supremo diz que é constitucional.

Além da pejotização e da terceirização, o terceiro ponto se volta para a contratação das plataformas. Não vai deixar de existir tecnologia e as novas formas de relação de trabalho, não de emprego. Com base nisso, nossos tribunais têm que se adaptar a essa realidade. Todas essas plataformas assinam contratos com seus motoristas. O que a justiça do trabalho poderia fazer, é verificar se está sendo feito ou não o cumprimento deste contrato. Entretanto, ela só julga se é um contrato de emprego, ou não é um contrato de emprego.

Para Lirian, é preciso que a Justiça do Trabalho exerça seu papel de forma racional, porque ela está fazendo com o Supremo ele vire um tribunal recursal da Justiça do Trabalho. “E ele tem coisas muito importantes para julgar porque é nossa corte constitucional”. Então ela responde qual seria a solução para isso, com três mandatórias sugeridas pelo ministro Luís Roberto Barroso:

Isso está afetando demais, tem gabinetes que estão com mais de 20% da sua força operacional, não discutindo matéria da justiça do trabalho, mas discutindo reclamatórias constitucionais contra decisões do STF que estão sendo violadas pela justiça do trabalho, com coisas que estavam decididas e que não eram para estar lá mais.

A primeira sugestão do ministro Barroso, é uniformizar a jurisprudência através de um recurso extraordinário por repercussão geral. Isso ja aconteceu, nós temos isso na terceirização e segue sendo desrespeitado, porque tem gente que segue dizendo que a terceirização é ilegal. Isso está em repercussão geral a bastante tempo. Essa sugestão dele é uma sugestão que já não está sendo acatada.

A segunda sugestão consiste no STF criar um sistema de recurso repetitivo, em que num julgamento coletivo, são coletados todos os processos, por exemplo, de terceirização, nos gabinetes, para todas essas coisas serem julgadas em plenário de uma vez. Isso é temeroso porque os processos podem ter diferença entre si. Não dá para pegar todos os processos de pejotização ou terceirização e colocar na mesa para julgar todos das mesma forma.

A terceira sugestão seria utilizar o Conselho Nacional de Justiça, para garantir que as decisões do STF sejam seguidas pelos tribunais trabalhistas em todo Brasil. Essa eu acho que seria a melhor escolha, entrando com correcional contra todos os juízes que não estão respeitando as decisões, porque o CNJ iria punir o juiz. O CNJ começaria a punir juízes que não estão cumprindo as decisões do Supremo, e que obriguem – porque não são todas as decisões do Supremo que obrigam o país todo a seguir – mas em repercussão geral sim.

A terceirização ainda é um caso pior, porque ela ainda é uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental(ADPF), e é igual a ação direta de inconstitucionalidade, ela é a maior ação que se tem julgada dentro do Supremo. E desrespeitar o julgamento daquela ação, é desrespeitar realmente o STF.

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