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Política & Poder

A irrelevância do discurso de Bolsonaro na ONU; leia análise

O discurso radical e com passagens em tom disfarçadamente diplomático do Presidente da República em nada ajudará o interesse nacional

Redação Jornal de Brasília

21/09/2021 14h40

“A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”. Com um teor que não destoa e tampouco desmente em nada os fundamentos que guiam o bolsonarismo, em particular a hipocrisia e a mentira, o discurso do presidente Bolsonaro na ONU não desapontou os seus apoiadores mais empedernidos.

O discurso radical e com passagens em tom disfarçadamente diplomático do Presidente da República em nada ajudará o interesse nacional e muito menos aponta caminho para o enfrentamento dos reais problemas do País, como as mazelas da fome, do desemprego e da desesperança em futuro minimamente digno aos brasileiros.

Marcar posição geopolítica é o que normalmente fazem os Chefes de Estado e de Governo quando utilizam a tribuna das Nações Unidas. O discurso do presidente brasileiro, contudo, optou por aprofundar nossa irrelevância para o mundo. Vergonhoso para os brasileiros e talvez ainda um pouco aquém do desejado conforme a expectativa de seus apoiadores – ávidos por algo mais atávico e tétrico.

Objetivamente, o discurso parecia uma colcha de retalhos e composto a partir de uma miscelânea de mensagens políticas e ideológicas confusas e incongruentes e que não se interligam num eixo linear minimamente coeso. Havia de tudo no texto exceto: política externa e respeito ao dinheiro do contribuinte!

Em matéria internacional, credibilidade importa e às vezes é tudo para um país que não possui recurso dissuasórios. O discurso brasileiro não inspirou seriedade, responsabilidade ou credibilidade. Um dos graves problemas do governo Bolsonaro é, fundamentalmente, a completa ausência de credibilidade internacional.

Discursos talhados até em tom diplomático e cheios de rococó não podem destoar grotescamente da realidade dos fatos. No caso brasileiro, caiu em exageros e inverdades. Não é segredo que discursos propagandísticos costumam exagerar no tom. O discurso do presidente brasileiro foi além, pois não apenas exagerou muito, mas revelou também que o governo e seu chefe são incapazes de elencar ainda que modestamente quais são os projetos estratégicos relevantes para o país nas relações internacionais.

Isolado regionalmente e internacionalmente, ficou claro que o governo não tem e nem terá a capacidade, os recursos e a visão estratégica para patrocinar qualquer iniciativa de relevo e com adesão minimamente significativa de potências internacionais ou até regionais. O problema central, enfim, é a completa ausência de substância. De Ernesto Araújo a Carlos França, as linhas da política externa são as mesmas e qualquer mudança concreta somente ocorrerá em um governo novo (desde que não seja o do Bolsonaro) a partir de 2023. A esperança ingênua na moderação e na temperança não resistiu ao primeiro discurso na ONU após a substituição do chanceler olavista.

O presidente Bolsonaro foi a Nova York e cumpriu com a sua propósito: reunificar a sua tropa de fanáticos, reforçar o seu desprezo pela ciência, recolar em cena as alegorias fantasmagóricas do socialismo e do comunismo, maquiar números sobre meio ambiente – para disfarçar a incompetência de sua administração – e iludir a sua falange ideológica!

É triste constatar que nenhum país minimamente sério, enfim, liga para o teor da fala do presidente brasileiro. Até porque nos aspectos inerentes ao respeito às instituições e ao Estado de direito, ele próprio, o Presidente da República, pouco apreço demonstra. Ao contrário do que os oportunistas ou ingênuos apregoam por aí, o país não tem um problema de imagem, mas um problema de credibilidade e reputação, que não começara a ser resolvido nem mesmo se o presidente tivesse adotado discurso “paz e amor”, já que dependeria de mudança nos métodos de atuação e na realidade no terreno. Algo impensável sob o bolsonarismo.

O ponto mais triste e vergonhoso para o Brasil não foi o discurso fantasioso do mandatário brasileiro. Foi, na verdade, a conduta nada republicana dos ministros de Estado que integravam a delegação presidencial e que reagiram de forma anti-litúrgica, degradante e pornográfica contra os manifestantes que protestavam contra o governo. Manifestações a favor valem, mas contra, não? Isso apenas reforça a convicção dos brasileiros quanto às características do espírito autoritário do governo e de seus integrantes – todos seguem, fielmente, o exemplo do Chefe!

País de tradição pacífica e respeitado justamente por seu pacifismo nas relações internacionais, foi indecoroso ver o chefe da diplomacia, o ministro do exterior do Brasil, fazendo “gesto de arminha” disparando contra os manifestantes. Definitivamente, não é isso o que se espera de um diplomata e de um ministro de Estado!

O governo Bolsonaro, seus ministros e sua política externa fazem o Brasil provar o gosto amargo da irrelevância e da vergonha!

É CIENTISTA POLÍTICO, PROFESSOR DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E PESQUISADOR DA UNIVERSIDADE DE HARVARD. FOI SECRETÁRIO ESPECIAL DE ASSUNTOS ESTRATÉGICOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA (2017-2018).

Estadão Conteúdo

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