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Opinião

Salário-Maternidade para os pais: Uma questão de justiça com as mães

Felizmente, a lei previdenciária foi sensível a essa realidade e, atualmente, prevê a possibilidade de escolha de qualquer um dos adotantes para recebimento do benefício

Redação Jornal de Brasília

13/08/2023 7h26

Foto: Agência Brasil

Por Fábio Souza

Carlos e Adriana decidiram adotar uma criança. Quando finalmente rompeu as barreiras burocráticas e obteve a guarda da pequena Lara, o casal viveu um dilema. Adriana havia acabado de ser promovida no trabalho e a nova posição exigia dedicação redobrada, enquanto o trabalho de Carlos demandava uma energia menor. Naquela configuração familiar, seria muito mais lógico que o pai se afastasse de suas atividades durante o período de “licença-maternidade”, a fim de dedicar atenção exclusiva à filha, enquanto a mãe continuaria trabalhando sem interrupções.

É possível o casal adotante eleger quem receberá o salário-maternidade? 

Para responder a essa pergunta, é importante destacar que o referido benefício é pago para viabilizar que a mãe (ou o pai) possa se afastar do trabalho por alguns meses, a fim de garantir os cuidados necessários com a criança que acaba de chegar ao novo lar. Não por outro motivo, uma das condições para o recebimento do salário-maternidade é o afastamento do segurado do trabalho.

Mas quem é a pessoa mais adequada para assumir prioritariamente esses cuidados iniciais? Diversas gerações foram formatadas sob uma cultura imersa em estereótipos machistas, em que à mãe caberia o papel de cuidados com os filhos, enquanto o pai deveria priorizar as atividades profissionais. Essa visão dominou quase integralmente os textos legais, que restringiam o salário-maternidade às mulheres.

Tal concepção, entretanto, ignora que em cada família é possível encontrar conjunturas distintas. Em alguns casos, os ajustes familiares podem indicar ser a mãe a pessoa em melhores condições para essa função; em outras, o pai pode ser o mais adequado. Haverá, ainda, aqueles que compartilham igualitariamente essa missão.

O fato é que, ao menos nos casos de adoção, não haveria uma diferença intrínseca entre os papéis de pai e mãe capaz de impedir que a escolha seja feita pela própria família e, não, pelo legislador.

Felizmente, a lei previdenciária foi sensível a essa realidade e, atualmente, prevê a possibilidade de escolha de qualquer um dos adotantes para recebimento do benefício. Em previsão que alcança tanto casais hetero, quanto homoafetivos, o art. 71-A da Lei 8.213/91, cuja redação atual é de 2013, assim prevê: “ao segurado ou segurada da Previdência Social que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança é devido salário-maternidade pelo período de 120 (cento e vinte) dias”. Desse modo, se um casal adota uma criança, cabe aos adotantes a decisão sobre qual deles receberá salário-maternidade.

Não há dúvidas de que essa é uma evolução a ser celebrada. Entretanto, há espaço para avançar muito mais. É necessário eliminar as restrições legais que reforçam paradigmas que precisam ser superados. Não é possível que o legislador continue a transmitir a mensagem de que o papel da mãe é cuidar dos filhos, enquanto o pai garante o sustento.

Dentre os diversos ajustes necessários na legislação, um merece maior destaque: aumentar a liberdade familiar também nos casos maternidade biológica. É verdade que, nesses casos, há uma diferença material entre mães e pais, especialmente, em razão do parto e da amamentação, o que justifica a prioridade da mulher no recebimento do benefício. 

Mas é preciso lembrar que essa prioridade vem acompanhada de um preço: a obrigatoriedade de afastamento do trabalho. É absolutamente injusto que o ônus da interrupção da atividade profissional recaia exclusivamente sobre a mulher, sem que ela possa renunciar a sua prioridade no recebimento do benefício em favor do pai.

Está na hora de a sociedade avançar nesse debate e estabelecer a possibilidade de, respeitando a prioridade da mulher, garantir a escolha familiar sobre quem se afastará do trabalho para se dedicar com exclusividade ao filho em seus primeiros meses de vida.

*Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Instituto Connect de Direito Social (ICDS). Juiz Federal.

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