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Opinião

Farmácia Popular: esquema de desvios põe em risco a saúde dos beneficiários

Os problemas já ocorrem há décadas e persistem, o que comprova a falta de controle interno, correção, melhoria da gestão

Redação Jornal de Brasília

20/05/2022 16h24

Por Simone Salles*

Recentemente, o programa Farmácia Popular ganhou as manchetes dos noticiários. Não pelo caráter humano da iniciativa criada em 2004 pelo Ministério da Saúde, voltada ao aprimoramento dos cuidados com a população carente de medicamentos para a solução de seus problemas de saúde. Mas sim, devido ao valor da fraude apurada este ano pela Controladoria Geral da União, cerca de 2,6 bilhões de reais em desvios, isso apenas de 2015 até o momento.

Anteriormente, o Tribunal de Contas da União (TCU) já havia detectado diversas irregularidades e condenado estabelecimentos farmacêuticos a ressarcir os cofres do Fundo Nacional de Saúde, na época, em um total de R $15,5 milhões, valor sem correção e sem juros. As investigações do TCU envolvendo outras empresas em ação semelhante continuam em curso, e o dano ao erário já chega a mais de R$ 19 milhões. Se forem levadas em conta as auditorias julgadas e as que estão sob análise, o TCU contabiliza cerca de R $60 milhões em desvios.

Há dois anos,em 2020, a Polícia Federal deflagrou a Operação Abutre para investigar desvios de ao menos R$10 milhões do programa de acesso a medicamentos. Os policiais cumpriram mandados de busca e apreensão nos estados de Goiás, Mato Grosso, Paraná e no Distrito Federal, com o intuito de desbaratar a organização criminosa que desviou pelo menos 10 milhões de reais.

Os problemas já ocorrem há décadas e persistem, o que comprova a falta de controle interno, correção, melhoria da gestão e enfrentamento à corrupção, além da necessidade de mais empenho por parte dos órgãos fiscalizadores. Segundo especialistas, o atual cenário de perdas e fraudes deixa clara a inexistência de um controle constante do programa e de uma cultura ética, dois fatores que apontam para o desrespeito ao dinheiro público.

Enquanto as empresas devem adotar mecanismos de compliance, ou seja, de boas práticas para celebração de negócios com o Estado, seguindo as regras impostas com rigidez e ética, os agentes responsáveis por fiscalizar a aplicação dos recursos públicos devem monitorar o cumprimento das normas instituídas por meio da análise dos processos de compra, recebimento e distribuição dos medicamentos.

Entre as ações fraudulentas cometidas estão a venda de CNPJs de farmácias cadastradas ao programa, mas que existiam apenas de fachada, como “fantasmas”; a dispensa de medicamentos em nome de responsáveis do estabelecimento e em nome de pessoas falecidas e a não comprovação da aquisição ou existência em estoque dos medicamentos dispensados.

O Ministério da Saúde, gestor do Farmácia Popular, vem sendo cobrado para que medidas sejam tomadas de modo a prevenir riscos de danos ao erário e a recuperar os recursos pagos indevidamente aos estabelecimentos credenciados, com o consequente bloqueio do sistema das farmácias envolvidas no esquema.

Os órgãos de controle, como o Departamento Nacional de Auditorias do SUS (Denasus), têm buscado responsabilizar os fraudadores, mas alegam falta de pessoal em seus quadros. As farmácias e drogarias do programa negam irregularidades. Médicos afirmam que receitas prescritas não foram assinadas por eles e são falsas. Diversas pessoas que se cadastraram no aplicativo ConectSUS para o passaporte de vacina da Covid descobriram por acaso que seus dados foram usados indevidamente na retirada de medicamentos.

Agora em maio, com o objetivo de aumentar o rigor da fiscalização, evitar desvios criminosos ou desperdícios, o Ministério da Saúde apresentou o novo modelo de auditoria para o programa Farmácia Popular do Brasil. A nova portaria regulamenta o procedimento sobre fatos relacionados a indícios de irregularidades no âmbito do programa, sob coordenação do Denasus. A ideia é promover a adequação normativa, a fim de estimular mais comprometimento na operacionalização e no monitoramento necessários ao êxito da iniciativa.

Sobre

O Programa Farmácia Popular do Brasil tem como um dos seus principais objetivos a ampliação do acesso da população aos medicamentos básicos e essenciais, diminuindo o impacto do preço dos remédios no orçamento familiar. Baseia-se em parcerias com prefeituras, governos estaduais, órgãos e instituições públicas ou privadas sem fins lucrativos de assistência à saúde, visando distribuir medicamentos de graça ou com descontos por meio de farmácias e drogarias privadas que aderem ao programa.

*Jornalista, mestre em Comunicação Pública e Política

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