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Na terra de Bolsonaro, apoio a Lula dá as caras, e voto quilombola freia vantagem do presidente

A estrela do PT e fotos de Luiz Inácio Lula da Silva agora dividem espaço na paisagem com as bandeiras do Brasil

FolhaPress

28/10/2022 8h59

Foto: Banco de imagem

JOELMIR TAVARES
ELDORADO, SP

A estrela do PT e fotos de Luiz Inácio Lula da Silva agora dividem espaço na paisagem com as bandeiras do Brasil, transformadas em símbolo de apoio a Jair Bolsonaro (PL), na cidade onde o candidato à reeleição passou a juventude. O território em Eldorado, no interior paulista, não parece mais exclusivo do bolsonarismo, como poderia se supor meses atrás.

A ajudante de obras Gabriela da Conceição Oliveira, 24, pregou no portão de casa uma bandeirinha vermelha e adesivos entregues por militantes petistas que passaram na rua. Apesar de ter vizinhos eleitores de Bolsonaro, ela repetiu o gesto de outros eldoradenses que, antes acanhados, resolveram expor o voto no ex-presidente.

“Eu gosto dele [Lula]. Eu vou muito pelo que sinto, e sinto que ele é uma boa pessoa. Bolsonaro, não tenho nada contra, mas meu santo nunca bateu muito, nunca gostei dele”, diz Gabriela, que sobrevive com os dois filhos, de dois e cinco anos, graças ao que ganha como auxiliar de pedreiro e aos R$ 600 do Auxílio Brasil. É preciso “se virar nos 30”, ela comenta, “até porque as coisas estão muito caras”.

Evangélica, ela sabe de outros fiéis que escolhem o presidente pela defesa de valores cristãos e já ouviu falar que Lula “não dá o apoio necessário” às igrejas, mas evita se estender no assunto porque, sem TV e com o celular quebrado, acompanhou pouco os debates eleitorais.

Gabriela nunca cogitou votar em Bolsonaro porque se incomoda com o jeito dele, que considera debochado e agressivo, principalmente com mulheres. E, mesmo não sendo quilombola, ela reprovou a fala preconceituosa do político em 2017 contra os descendentes de escravizados em Eldorado. O hoje presidente disse que um morador do quilombo “pesava sete arrobas” e “nem para procriador” servia mais.

As 13 comunidades tradicionais espalhadas pela área rural do município confirmaram nas urnas no primeiro turno a tendência de predileção por candidatos do PT, enquanto no núcleo urbano a situação foi mais favorável a Bolsonaro. No cômputo geral, o “filho da terra” recebeu 50% dos votos na cidade, e o rival teve 44%.

Nas seções eleitorais mais próximas dos quilombos, contudo, a vantagem de Lula se impôs, segundo dados da Justiça Eleitoral tabulados pela Folha de S.Paulo. Em uma delas, o petista teve 1.128 votos, enquanto o adversário registrou 126. Já na escola pública onde Bolsonaro estudou, na região central, o presidente alcançou 2.066 votos, ante 1.296 do oponente.

“Aqui praticamente não tem bolsonarista”, resume o líder quilombola Benedito Alves da Silva, 67. “Isso aqui [quilombo] é de luta, o pessoal aqui não é apagado”, segue Ditão, que é agricultor e também militante do PT. Numa roda de conversa perto dele, no quilombo Ivaporunduva, eleitores de Lula elencam medidas do ex-presidente que os beneficiaram, como programas de incentivo à agricultura familiar.

Os materiais das campanhas de Lula para presidente e Fernando Haddad (PT) para governador de São Paulo também estão mais presentes nas redes sociais. Grupos como o Brechó do Eldorado, no Facebook, e o Amamos Eldorado, no WhatsApp, passaram a ter mais conteúdo pró-Lula nas últimas semanas, embora o volume de materiais do outro lado seja infinitamente superior.

Todos os temas que mobilizaram as redes no país, com fake news, distorções e propaganda oficial, frequentaram os espaços virtuais dos eldoradenses. Muitos dos que se opõem a Bolsonaro argumentam que ele nada fez pela cidade e prometeu construir uma ponte que só existe no papel.

Outro material compartilhado foi a notícia da compra de imóveis com dinheiro vivo pelo presidente e seus parentes, um caso revelado em reportagem do UOL. Alguns dos bens estão situados em Eldorado e outras cidades do Vale do Ribeira, onde rumores sobre a origem da fortuna circulam há tempos. O crescimento do patrimônio da família coincidiu com o avanço de Bolsonaro na política.

Os apoiadores dele, como é praxe, ignoram ou minimizam o assunto. “As lojas existiam antes ainda de o Bolsonaro ser deputado”, diz o empresário do agronegócio Valmir Beber, 50, principal produtor de banana e firme entusiasta do presidente na cidade. “Eu vejo eles [familiares] aqui como gente de muita raça, de muito trabalho. Eu quase duvido disso aí. Não vejo [indício de corrupção] em hipótese nenhuma.”

O bolsonarismo local também evitou gastar tempo com a frase de Lula chamando Bolsonaro de ignorante por ter “aquele jeitão bruto dele, de capiau lá do interior de São Paulo, aquele capiau de Registro”, cidade vizinha a Eldorado.

Os simpatizantes do presidente ironizaram, afirmando que têm orgulho de suas origens e que é melhor ser capiau do que “cachaceiro, ladrão, corrupto e vagabundo”, como escreveu o vereador Marco Antonio Seman (PL) no grupo Família Eldoradense, no WhatsApp. Ali participantes já se referiram a Bolsonaro como “monstro” e “racista”. Apesar dos embates, o ambiente nos grupos é razoavelmente cordial, com bolsonaristas e lulistas fazendo apostas de quem pagará uma pizza para o vencedor após o resultado.

Nas ruas, o clima esquentou, mas sem registro de ocorrências graves. “Alguns [eleitores de Lula] estavam com medo de pregar adesivo porque o outro lado ameaça, tem muito ódio”, diz o presidente municipal do PT, Ivo Santos Rosa, 57.

No último sábado (22), a praça central teve atos simultâneos realizados por cabos eleitorais de cada presidenciável. Os de Bolsonaro colocaram na rua um papelão com uma foto dele em tamanho real, gritaram palavras de ordem e colaram adesivos da campanha em carros. Os de Lula saíram em passeata com bandeiras e um carro de som com jingles do petista.

Outra caminhada pró-PT, quatro dias antes, despertou reações positivas e negativas de transeuntes. O grupo de cerca de 15 pessoas, ligado ao MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) e ao PT, era formado principalmente por quilombolas, que empunhavam bandeiras de “negras e negros com Lula”.

Alguns dos carros buzinaram em sinal de apoio aos gritos de “faz o L”. Outros, identificados com adesivos de Bolsonaro, provocaram –mostrando o dedo do meio e falando palavrões. Um grupo de jovens, de longe, gritava “mito” e “22”, o número de urna do presidente.

A catadora de materiais recicláveis Marli Miranda, 62, que empurra pela cidade um carrinho decorado de verde e amarelo e com uma foto do presidente, chamou uma das participantes do ato de “sua palhaça”, como testemunhou a reportagem. Não houve discussão. Marli, que é evangélica, disse depois que “é Deus, nosso Senhor, que vai dizer” quem será o vencedor neste domingo (30).

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