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Tecnologia está a serviço de bilionários que querem fugir do planeta, diz autor

As soluções do autor, contudo, são simplistas. O livro funciona como diagnóstico das tecnologias e seus donos bilionários

FolhaPress

30/09/2022 13h42

Foto: Agência Brasil

Gustavo Soares
São Paulo, SP

Cinco super-ricos anônimos convidam um escritor especializado em tecnologia para palestrar em um resort luxuoso no meio do nada.

Em vez de tirar dúvidas sobre blockchain, metaverso e outros termos da moda, eles querem descobrir a melhor forma de escapar de um cataclismo.

Esse é o ponto de partida do livro “Survival of the Richest: Escape Fantasies of the Tech Billionaires” (Sobrevivência dos Mais Ricos: Fantasias de Fuga dos Bilionários da Tecnologia), de Douglas Rushkoff, professor de estudos midiáticos e economia digital na City University of New York.

Contudo, o que esses ricaços estão fazendo para fugir de um suposto fim do mundo não é o foco do livro, apesar do título.

Ele até dá alguns exemplos, como as cidades em alto-mar de Peter Thiel, cofundador do PayPal, e a possível ida de Elon Musk e Jeff Bezos a Marte. Estas seriam a versão deluxe dos preppers (ou sobrevivencialistas, em português), grupos que se preparam com minúcia para alguma emergência, como guerras ou epidemias.

Na verdade, Rushkoff busca explicar como a mentalidade dos empreendedores do Vale do Silício passou de criar empresas revolucionárias para fazer planos de fuga de uma realidade que eles mesmos construíram.

O autor aponta que o capitalismo especulativo se infiltrou de tal forma no desenvolvimento tecnológico que, hoje, dinheiro não é mais visto como uma forma de financiar novas ideias -pelo contrário, elas se tornaram uma forma de se fazer dinheiro fácil. Esse movimento ocorreu no momento em que o boom digital da virada do milênio se transformou em crise.

As soluções práticas deixaram de ter valor econômico, dando lugar a conceitos reembalados e vendidos como o estado da arte da tecnologia. Isso para conquistar aportes milionários, ter crescimento exponencial, abrir o capital e fugir com o dinheiro. Não sem antes moldar a sociedade e destruir empregos.

Talvez as ideias por trás de empresas como Uber, Facebook e Tesla não sejam tão revolucionárias assim, só calharam de atrair capital suficiente, propõe Rushkoff. Hoje, a cultura das startups se baseia apenas no fazer por fazer, buscando ser alvo de especulação. Extrair e ir embora, como colonizadores.

Essas mentes geniais do Vale do Silício não fazem uma “destruição criativa”, expressão do economista Joseph Schumpeter para explicar o desenvolvimento econômico, mas sim uma “destruição destrutiva”. Criam soluções que, no fim das contas, não eram necessárias.

“A inovação tecnológica passou a ser entendida menos como uma forma de criar produtos e experiências melhores e mais interessantes para as pessoas, do que como outro meio de aumentar a dominação, a extração e o crescimento”, escreve Rushkoff.

Essa insistência em ignorar o que já existe e parar de olhar diretamente para o mundo real faz o autor ligar os pontos entre a cultura corporativa das startups e os projetos de bunkers bilionários.

As redes sociais mais populares são consequência disso. Google e Meta deixaram de ser empresas com soluções práticas, como fazer pesquisas e reencontrar amigos de infância, para lucrar em cima dos dados de seus usuários. Essa abstração fica até literal quando Mark Zuckerberg busca deixar até mesmo o mundo real obsoleto, com a chegada do metaverso.

“Não somos produtos dessas plataformas, mas sim força de trabalho. Lemos, curtimos, postamos e retuítamos obedientemente; ficamos furiosos, escandalizados e indignados; e continuamos reclamando, atacando ou cancelando. Isso é trabalho. Os beneficiários são os acionistas.”

É nesse sentido que Rushkoff defende o degrowth, ou decrescimento. A corrente propõe que é preciso abandonar a expansão da economia como um objetivo político e aceitar que a retração é a única forma de salvar o planeta de uma catástrofe climática.

A mentalidade bilionária descrita em “Survival of the Richest” não quer corrigir as deficiências do capitalismo, mas escondê-las. Quando as soluções chegam, não têm a ver com produzir menos, redistribuir e se reconectar ao presente, mas sim resolver com mais dinheiro e mais tecnologia. Com um metaverso.

As soluções do autor, contudo, são simplistas. O livro funciona como diagnóstico das tecnologias e seus donos bilionários, mas não como uma cartilha para o futuro. É mais como um manifesto para rir, mesmo que de desespero, de super-ricos que querem deixar a humanidade para trás.

“Em vez de decidir se compra um carro elétrico, a gás ou híbrido, fique com o carro que você tem. Melhor ainda, comece a pegar caronas, caminhar para o trabalho, trabalhar em casa ou trabalhar menos”, sugere Rushkoff.

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