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Mundo

Por que Elizabeth 2ª foi atacada pelo rock britânico dos Sex Pistols e The Smiths

Em momentos de turbulências políticas, Sex Pistols e Smiths não alvejaram o Parlamento na mesma medida

FolhaPress

08/09/2022 18h39

Foto: AFP

Gustavp Zeitel
São Paulo, SP

A rainha Elizabeth 2ª, morta nesta quinta-feira (8), não foi apenas um símbolo cultural da monarquia, estampado em chaveiros e canecas de suvenir. Para o rock britânico, ela foi alvo da raiva, depressão e, sobretudo, do descontentamento dos jovens com a vida cotidiana da Inglaterra dos anos 1970.

Para as bandas que surgiram naquelas cidades industriais de tempo enevoado, Elizabeth 2º representava tudo o que precisaria ser destruído. Ela era representante de uma instituição ultrapassada, concentrando um poder tirano. Mas não era nada tão pessoal assim. Embora tenha surgido primeiro nos Estados Unidos, o punk tomou contornos definidos na Inglaterra, sendo, por definição, um movimento iconoclasta. Com tanta ira, qualquer monarca seria visto como inimigo dos Buzzcoks ou do Clash.

Afinal, era uma época em que a Grã-Bretanha vivia um pesadelo econômico. A libra valia pouco, e os gastos públicos levaram a uma inflação de dois dígitos. Em 1976, o governo trabalhista chegou a pedir empréstimos ao Fundo Monetário Internacional, o FMI, na tentativa de sanar as dívidas. Como pano de fundo, a economia tentava se recuperar da desregulamentação do sistema monetário internacional e de dois choques do petróleo.

Nesse contexto, a juventude britânica sofria com o desemprego, fome e frio. Em 1975, Johnny Rooten, Steve Jones, Paul Cook e Glen Matlock se juntaram para formar o Sex Pistols. A banda teria de durar mesmo só dois anos, porque seu único álbum de estúdio “Never Mind The Bollocks, Here’s The Sex Pistols”, de 1977, foi uma descarga revoltosa contra o moralismo do sistema político.

Em um ataque direto à rainha, a faixa “God Save The Queen” –mesmo título do Reino Unido– foi lançada como segundo single do álbum, perto da data do jubileu de Elizabeth 2ª. “Deus Salve a Rainha/O regime fascista/Eles te fizeram de idiota”, diziam os primeiros versos da canção. Nessa descarga colérica, fascismo e monarquia eram, para os jovens revoltados, dois regimes tiranos. Ambos eram formados por opressores, que impediam a liberdade de comportamento e a independência das novas gerações.

“God Save The Queen” é punk em estado bruto. Violência e beleza estão entrelaçadas em um som cru, que se forma em apenas quatro acordes. “Não há futuro/Nos sonhos da Inglaterra/Não deixe que digam o que você quer/Não deixe que digam o que você precisa”, cantava Rooten, com a voz esganiçada.

Ainda que tenha alcançado as paradas de sucesso, a música provocou um escândalo no país, enfurecendo a própria rainha. A BBC se negou a reproduzir a música em todos os meios de comunicação.

Do mesmo modo, algumas das principais varejistas do Reino Unido, como Woolworths e WHSmith, baniram o produto de suas prateleiras.

No feriado que celebrava o jubileu, a banda fez um show num barco chamado Rainha Elizabeth, que flutuava no rio Tamisa. Nele, o grupo entoou a canção polêmica. O show foi interrompido pela polícia, que prendeu onze pessoas, incluindo o lendário produtor do punk, Malcolm McLaren. Em maio deste ano, a faixa foi relançada, na ocasião do jubileu de platina da monarca.

Ao longo do tempo, o rock se tornou o termômetro da insatisfação do povo britânico com a família real.

O gênero musical foi para a nobreza uma crítica incômoda, sempre à espreita nos momentos de baixa popularidade. Se as décadas transformaram Elizabeth 2ª numa monarca fofa, a banda de pós-punk The Smiths reavivou a iconoclastia nos anos 1980.

Em 1986, Morrissey, Johnny Marr, Andy Rourke e Mike Joyce lançaram “The Queen Is Dead” – “a rainha está morta”, em inglês– terceiro álbum de estúdio da banda. A canção de mesmo nome abre o disco, mostrando também uma mudança estética em relação à primeira geração punk. Na Inglaterra ultraliberal da primeira-ministra Margaret Thatcher, a raiva deu lugar ao desalento. “A rainha está morta, garotos/A vida é muito longa quando se está sozinho”, cantava Morrisey.

Sob o aspecto musical, “The Queen Is Dead” tem bateria de pulso firme, marcando os compassos. Sua melodia, porém, se espalha no tempo, como numa balada soturna. A letra recorre a mais imagens do que o hit dos Sex Pistols, lembrando uma Inglaterra romântica, de poetas como William Blake e John Keats.

Os solos de guitarra de Marr e a voz grave de Morrissey reafirmam a solidão do eu lírico e desvelam um Reino Unido que já não se sentia contemplado pela coroa.

Em momentos de turbulências políticas, Sex Pistols e Smiths não alvejaram o Parlamento na mesma medida. Para eles, era necessário antes dessacralizar a figura de Elizabeth 2ª, um resquício de uma ordem que já não existia.

Nesse vazio, eles falavam mal, mas falavam dela.

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